O julgamento sobre o marco temporal na demarcação de terras indígenas no Supremo Tribunal Federal (STF) se tornou um ingrediente adicional para a mobilização dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro para o 7 de Setembro.
As articulações para que produtores rurais viessem a Brasília engrossar a manifestação – a partir das falas em tom de ameaça ao STF do cantor Sérgio Reis – motivaram a reação do tribunal com uma operação da Polícia Federal contra esse movimento, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes.
Mas, ao marcar esse julgamento para as semanas que antecedem o 7 de Setembro, o Supremo alimentou novamente o movimento. Indígenas já estão acampados na capital desde a semana passada, para pressionar a Corte. Os produtores agora devem fazer o mesmo gesto. Na última sexta-feira o JOTA publicou 12 pontos para prestar atenção até o 7 de Setembro.
O presidente do STF, Luiz Fux, havia marcado este julgamento com antecedência, mas a crise política poderia servir de argumento para adiar o processo – que divide o tribunal e que é caro para o setor que empresta apoio a Bolsonaro (os ruralistas). Lideranças do setor tentavam dissuadir os produtores a virem a Brasília ou a outras capitais para participar das manifestações por entenderem que não seria útil a polarização para as suas pautas. O STF atrapalhou as negociações.
Neste quadro, o pior cenário seria estender o julgamento para a próxima semana. O que seria factível, dada a extensão do caso e a quantidade de advogados que vão sustentar argumentos no processo – em torno de 40. Contudo, um pedido de vista nesta quinta-feira (2/9) deve adiar indefinitivamente o julgamento, tirando esta pauta da semana do 7 de Setembro.
Nesta semana, portanto, apenas o relator do processo, ministro Edson Fachin, leria seu voto – em favor da tese defendida pelas comunidades indígenas. O julgamento seria, em seguida, interrompido.
Entenda o processo
Esse é o mais importante processo sobre demarcação de terras indígenas que tramita na Corte. O que se discute na ação é se, para o reconhecimento de uma área como território indígena, é necessária a comprovação de que os indígenas ocupavam a terra no momento da promulgação da Constituição de 1988.
Fux informou ainda que 82 processos sobre a matéria estão sobrestados até o fim do julgamento do processo — o recurso extraordinário 1.017.365, que tem repercussão geral.
O processo tem a participação de diversas entidades de proteção aos direitos indígenas e de entidades ligadas ao agronegócio. As primeiras sustentam que este julgamento tem o condão de garantir ampla proteção aos direitos dos índios e defendem a derrubada do marco temporal.
Já o setor do agronegócio defende que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Defendem também que seja mantida a jurisprudência do STF de 2009, na qual o STF fixou regras para o processo de demarcação para a terra Raposa do Sol, com um marco temporal de ocupação indígena.
O Recurso Extraordinário (RE 1.017.365) versa sobre a controvérsia de uma reintegração de posse requerida pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Fatma) de uma área localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás (SC), declarada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) como uma tradicional ocupação indígena.
O Tribunal Regional da 4ª Região (TRF4), ao julgar o caso, entendeu que não havia elementos que demonstrem que as terras seriam tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e confirmou a sentença que determinou a reintegração de posse ao órgão ambiental. O recurso foi parar no STF. A Funai sustenta que o caso trata de direito imprescritível da comunidade indígena, cujas terras são inalienáveis e indisponíveis.
Em maio de 2020, Fachin determinou a suspensão da tramitação de processos sobre áreas indígenas até o fim da pandemia da Covid-19. Para ele, medidas como a reintegração de posse poderiam agravar o risco de contágio do coronavírus.