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O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) em que requer a declaração de inconstitucionalidade da participação de municípios brasileiros como parte em ações judiciais no exterior. Na petição, o Ibram cita que alguns municípios do país estão participando de processos que tramitam no Reino Unido, nos Estados Unidos, nos Países Baixos e na Alemanha e que versam sobre os desastres ambientais de Mariana e Brumadinho.
O instituto argumenta que a participação dos municípios em processos no exterior “sobre fatos ocorridos no Brasil e regidos pela legislação brasileira” viola a soberania nacional, o pacto federativo, as competências atribuídas ao Poder Judiciário brasileiro e as regras e os princípios que norteiam a atuação da Administração Pública, sobretudo da municipal.
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“Existe um limite na autonomia desses entes federativos no que se refere às suas competências no nível internacional”, escrevem os advogados do Ibram, que é representado pelos escritórios Gustavo Binenbojm & Associados e Mattos Filho. O processo tramita como Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.178 e será relatado pelo ministro Cristiano Zanin.
O objetivo da ação é que o STF fixe a seguinte tese: “é inconstitucional interpretação jurídica que autorize Municípios brasileiros a praticarem atos que possibilitem, determinem ou promovam a própria participação (seja como autores, seja como interessados) em ações judiciais perante jurisdições estrangeiras”.
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O instituto pede também que o relator, em decisão monocrática, conceda uma liminar para suspender os efeitos dos atos administrativos que permitem que os municípios participem de ações internacionais. A urgência é necessária, segundo os advogados, considerando que o julgamento da ação que tramita no Reino Unido está agendado para outubro deste ano. Leia a inicial da ADPF 1.178.
O Consórcio Público para a Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce), que representa inúmeros municípios diretamente afetados pelo rompimento da barragem de Mariana, já requereu ingresso como amicus curiae na ação e a negativa do pedido liminar feito pelo Ibram.
De acordo com os advogados da Coridoce, representada pelo escritório Martins Cardozo Advogados Associados, “o ajuizamento de demandas perante jurisdições estrangeiras tem a finalidade de ampliar o acesso à Justiça em relação à tutela dos legítimos interesses dos entes públicos”.
Para o Coridoce, o pedido do Ibram deve ser rejeitado preliminarmente já que sob a justificativa de proteger os interesses classistas de seus associados, o Ibram “realiza verdadeiro malabarismo hermenêutico para defender, ao fim, as instituições e a soberania nacionais. Veja-se que, a pretexto do suposto perigo de um município demandar uma ação no exterior, o Autor tenta legitimidade para, por meio da defesa dos interesses econômicos dos associados, defender todas as instituições nacionais, em que pese muitos deles sejam responsáveis por verdadeiras e absurdas catástrofes ambientais”. Leia o pedido de ingresso de amicus curiae do Coridoce.
Posição do Ibram
O Ibram afirma que, nas ações internacionais relativas ao desastre de Mariana e Brumadinho, os municípios pretendem que os juízes estrangeiros “realizem um diagnóstico dos acidentes e dos acontecimentos subsequentes e, a partir daí, determinem a medida ressarcitória adequada”.
O instituto defende que ações dessa natureza deveriam ser tratadas pelo Judiciário nacional, assegurando a participação dos segmentos sociais e econômicos interessados. “O Poder Judiciário brasileiro dispõe de instrumentos e de capacidade para discussões desse relevo”, escrevem os advogados.
“Tanto o Poder Judiciário, quanto as demais instituições públicas envolvidas já despenderam enorme tempo e esforço na busca da adequada reparação dos danos gerados pelos acidentes ambientais de Brumadinho e Mariana. Agora, contudo, têm o seu trabalho desacreditado e potencialmente prejudicado pela tramitação de ações sobrepostas no exterior”, argumenta o Ibram
Como as ações discutem questões ligadas a direitos coletivos, como a tutela do meio ambiente e dos recursos naturais brasileiros, o instituto defende que não se pode permitir que elas sejam manejadas por municípios no exterior.
“Não há como negar que a submissão de temas dessa natureza ao Poder Judiciário de outros Estados abala a soberania nacional, por constituir ato de disposição da imunidade de jurisdição da República Federativa do Brasil praticado por ente menor”, escrevem os advogados.
Para justificar sua legitimidade para ingressar com a ação no STF, o instituto afirma que representa 85% das empresas responsáveis pela produção mineral do Brasil e que as demandas discutidas em jurisdições estrangeiras são “da mais alta relevância para o setor de mineração nacional”.
Ações internacionais
Na ação ajuizada na Inglaterra em 2018, afetados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, pedem uma indenização da mineradora anglo-australiana BHP Billiton e da brasileira Vale, as acionistas controladoras da Samarco. Segundo o Ibram, entre os autores da ação, estão 46 municípios brasileiros.
Mais recentemente, uma nova ação no mesmo sentido foi proposta por sete municípios brasileiros nos Países Baixos. Nesse caso, as rés são as subsidiárias holandesas (Samarco Iron Ore Europe BV e Vale Holdings B).
No caso do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, o Ibram cita que que há uma ação tramitando na Corte de Munique, na Alemanha, ajuizada pelos municípios mineiros de Brumadinho e Mário Campos contra a certificadora alemã TÜV SÜD, que era a encarregada de atestar a estabilidade da barragem do Córrego do Feijão.
Já nos Estados Unidos, há uma ação indenizatória contra as instituições financeiras americanas que subsidiaram a construção de cerca de 20 barragens distribuídas por Minas Gerais. Entre os autores estão sete municípios mineiros.
Na petição inicial, o Ibram cita que os seguintes municípios contrataram escritórios de advocacia estrangeiros para os representar em ações no exterior sobre Mariana e/ou Brumadinho: Aimorés/MG; Aracruz/ES; Baixo Guandu/ES; Barra Longa/MG; Brumadinho/MG; Colatina/ES; Conceição da Barra/ES; Conselheiro Pena/MG; Coronel Fabriciano/MG; Engenheiro Caldas/MG; Governador Valadares/MG; Ipaba/MG; Ipatinga/MG; Mariana/MG; Marilândia/ES); Nova Viçosa/BA; Ouro Preto/MG; Resplendor/MG; Rio Doce/MG; São Domingos do Prata/MG; São José do Goiabal; São Mateus/ES, São Pedro dos Ferros/MG; e Tumiritinga/MG.
Posição do escritório que representa os municípios
Em nota enviada à redação, Tom Goodhead, sócio administrador do escritório Pogust Goodhead, disse que o IBRAM tenta, com a ADPF, prejudicar o direito dos dos atingidos e dos municípios de buscar justiça contra as mineradoras fora do Brasil. O escritório representa 46 municípios de MG e ES na ação contra a BHP e a Vale na Inglaterra, outros 7 municípios na ação contra Vale e Samarco na Holanda e o municípios de Brumadinho em processo contra a TÜV Süd na Alemanha.
“Não é uma coincidência que as mineradoras que processamos no exterior sejam associadas ao IBRAM. O Pogust Goodhead está investigando esse movimento aparentemente orquestrado das empresas junto ao IBRAM e os aparentes ataques contra nossa ação e nossos clientes no Brasil recentemente, o que entendemos ser uma cortina de fumaça na tentativa de desviar a atenção do verdadeiro problema: o crime socioambiental cometido por esses grandes conglomerados em solo brasileiro”, afirmou Goodhead.