A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um levantamento que mostra que a corregedoria nacional da Justiça do Trabalho suspendeu os efeitos de 31 decisões judiciais contra empresas entre abril e agosto deste ano, durante a pandemia da Covid-19. Os maiores beneficiados, de acordo com a entidade, foram os frigoríficos.
Os dados foram incluídos no pedido da ANPT para ingressar como amicus curiae na ação direta de inconstitucionalidade 4168, que questiona normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho (CGJT) que permitem que a corregedoria casse decisões judiciais. A ação tem autoria da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
A entidade traz um compilado de decisões do ministro Aloysio Corrêa da Veiga, corregedor-nacional da Justiça do Trabalho, entre 1º de abril e 20 de agosto de 2020. A tabela mostra 31 casos em que o corregedor atendeu a pedidos de empresas e concedeu efeito suspensivo a agravos destas empresas, no âmbito de correições parciais. Depois, mostra mais 30 decisões com determinação de diligências, audiências ou prestação de informações, também no âmbito de correições. Leia a íntegra.
De acordo com o levantamento da ANPT, dos 31 efeitos suspensivos concedidos no período, 11 foram em favor do Grupo JBS, sendo beneficiados a JBS Vilhena (RO), a JBS São Miguel do Guaporé (RO), a JBS Aves de Trindade do Sul (RS), a JBS Aves de Passo Fundo (RS), a Seara Alimentos de Três Passos (RS) e a Seara Alimentos de Campo Mourão (PR).
Com o efeito suspensivo dos agravos das empresas, as liminares de primeira instância que determinaram o fechamento de unidades, o afastamento de funcionários, a testagem em massa, o fornecimento de máscaras e equipamentos de proteção e outras medidas não podem ser concretizadas até que a segunda instância julgue os recursos empresariais.
Outras empresas beneficiadas pelos efeitos suspensivos foram a 99 Táxis e a Uber do Brasil, com quatro decisões da corregedoria cada uma. Em três ocasiões, o corregedor Aloysio Corrêa da Veiga concedeu efeitos suspensivos a agravos do Banco do Brasil, e duas vezes ao Santander.
A rede de churrascarias Fogo de Chão também foi beneficiada em uma ocasião. Em julho, o corregedor suspendeu os efeitos de decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT10) que determinava a reintegração imediata de 42 empregados demitidos pela rede de churrascarias em Brasília, sob pena de multa diária de R$ 2 mil, até que fossem julgadas as ações principais que tratavam da demissão de 420 funcionários em todo o país.
Desvirtuamento
A ANPT diz que as decisões suspensas ou cassadas pelo corregedor da Justiça do Trabalho entre abril e agosto “não atentavam contra a boa ordem processual e não padeciam de qualquer erro procedimental, pressupostos para a legítima atuação do corregedor”. Assim, na visão da entidade, “a correição parcial tem sido utilizada, totalmente desvirtuada de seus propósitos, como instrumento para a célere supressão de resultados judiciais práticos”.
O que permite a atuação do corregedor na suspensão ou cassação de decisões judiciais são os artigos 13 e 20 do Regimento Interno da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, que definem as atribuições do corregedor-geral para processar e julgar a correição parcial. Os dispositivos fixam que “a correição parcial é cabível para corrigir erros, abusos e atos contrários à boa ordem processual e que importem em atentado a fórmulas legais de processo, quando para o caso não haja recurso ou outro meio processual específico”.
Em 2008, a Anamatra ajuizou a ADI 4168 no STF, impugnando estes dispositivos, alegando que as normas são inconstitucionais e inovam no mundo jurídico ao ampliarem “significativamente as faculdades do corregedor-geral no âmbito da reclamação correcional, atribuindo-lhe inclusive competências jurisdicionais”.
Na ação, a Anamatra pede liminar para suspender a eficácia dos dispositivos, e destaca ainda que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que também tem função de corregedoria, reiteradamente já fixou que não tem competência para invadir a esfera jurisdicional.
O relator é o ministro Celso de Mello, que nunca analisou a concessão da liminar. Em junho de 2020, a Anamatra reiterou o pedido de concessão de liminar, explicando que desde 2009 os corregedores da Justiça do Trabalho não haviam derrubado decisões judiciais por meio de correições parciais. Entretanto, neste ano, isso mudou, e o atual corregedor-geral da Justiça, Aloysio Corrêa da Veiga, passou a usar o instrumento para suspender a eficácia de liminares judiciais. Não houve até agora, porém, decisão do ministro Celso de Mello sobre a liminar. Atualmente, o ministro está de licença médica.
A ANPT, ao pedir para ingressar como amicus curiae, reforça o pedido de concessão de liminar. A entidade diz que “o periculum in mora [perigo da demora] resta redimensionado em virtude da pandemia, pois a situação torna-se particularmente gravosa quando se trata de decisões relacionadas à Covid-19, impedindo a implementação de iniciativas e medidas de prevenção, inclusive em violação direta de normas e protocolos sanitários estaduais, que vêm sendo reiteradamente desprezados pelo Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho”.
“Registre-se, aliás, que o permissivo do parágrafo único do art. 13 do Regimento Interno exige que a decisão administrativa seja proferida para impedir ‘lesão de difícil reparação’ e sequer a significativa ressalva tem sido observada, pois o levantamento acima referido revela que há casos de suspensão até mesmo do mero fornecimento de máscaras de proteção facial e de álcool em gel a motoristas demandados por aplicativos”, destaca a ANPT.
Caberá ao ministro Celso de Mello decidir sobre a admissão da ANPT no processo, bem como sobre a concessão de medida liminar. O ministro deve retornar ao tribunal na próxima semana.