Pesquisa inédita realizada pela organização global Vital Strategies revela a grande aceitação do brasileiro a medidas voltadas para evitar danos provocados pelo álcool. Conduzido a partir de 1.000 entrevistas e com alcance nacional, o trabalho mostra que 78% das pessoas não apenas apoiam, mas estariam dispostas a assinar petições para que políticas relacionadas aos danos provocados pela bebida fossem implementadas.
Os dados da pesquisa, que serão divulgados em sua totalidade nos próximos dias e foram adiantados ao JOTA , são reunidos num momento em que a Câmara dos Deputados se prepara para discutir o PLP 68/2024 que, entre outras providências, regulamenta o imposto seletivo para bebidas alcoólicas.
“Há um desejo por uma legislação que desincentive o consumo do álcool. A população entende o impacto em saúde, entende o impacto em relações sociais”, disse o diretor-executivo da Vital Strategies no Brasil, Pedro Baumgratz de Paula.
Faltas ao trabalho
O diretor ressalta que, ao longo dos últimos anos, a ciência reuniu dados que demonstram que não há consumo seguro de álcool. “Mas a informação não está apenas em estudos. As pessoas percebem, está na vida delas.”
De Paula cita alguns exemplos. A última edição da Covitel – pesquisa também organizada pela Vital Strategies – indicou que, uma vez por semana, aproximadamente 900 mil brasileiros em período economicamente ativo deixam de trabalhar ou sentem que seu trabalho foi prejudicado. “Quase 1 milhão de brasileiros têm 20% de seu período produtivo afetado em razão do consumo do álcool. É um custo social enorme”, disse.
O diretor-executivo da Vital Strategies também lembra da pesquisa recente do Instituto do Câncer, demonstrando que o país gasta o equivalente a R$ 1,8 bilhão para tratamento de cânceres atribuíveis ao álcool, como o de boca. A estimativa é que esse valor chegue a R$ 4 bilhões em 2040. Sem falar da associação do álcool com violência doméstica e acidentes de trânsito, provocados por pessoas que não respeitam as regras de não dirigir sob efeito da bebida.
“Toda a população sofre com efeitos do álcool. Mesmo quem não bebe”, diz o diretor-executivo da Vital Strategies. Além do impacto na produção, na economia em geral, os gastos em saúde com tratamento de doenças evitáveis acabam também trazendo reflexos para o financiamento das terapias voltadas para as demais doenças. Num cenário de recursos escassos, os tratamentos acabam competindo por financiamento.
Avanços
Para De Paula, a proposta apresentada ao Congresso para tributação de bebidas alcoólicas traz inúmeros avanços. A começar, por tornar explícito que o álcool é um produto nocivo à saúde, que deve ser tributado de forma a desestimular o consumo. “Este reconhecimento não é pouca coisa. No passado, teríamos mais dificuldade em avançar num texto como este”, afirma.
Mas há outros pontos considerados essenciais, como a forma como a tributação foi proposta. A ideia é a adoção de um sistema misto. O modelo leva em consideração o preço do produto para modular a tributação (ad valorem), mas também o teor das bebidas alcoólicas.
“Se uma garrafa de cerveja de 600 ml tem ali duas doses de álcool, ela tem que ser tributada como se duas doses de uísque fossem”, disse. Esta estratégia tem como objetivo reduzir o consumo e, ao mesmo tempo, evitar que com aumento do preço consumidores acabem migrando para produtos mais baratos, de menos qualidade e com mais teor alcoólico.
A dúvida agora seria com relação à alíquota. De Paula afirma que o ideal para saúde pública seria ampliar a tributação e reduzir o consumo de forma a garantir o menor adoecimento por problemas relacionados à bebida. “O modelo sugerido no PLP é baseado nas melhores práticas de outros países, que foram capazes de reduzir o consumo, a mortalidade sem matar a indústria”, disse.
Estudos de estimativa de elasticidade de consumo, completa, mostram que uma alíquota combinada de dois impostos, na casa entre 75% e 110%, poderia reduzir em até 20% o consumo e manter a arrecadação. Esse valor pode parecer alto à primeira vista. “Mas com isso, estaríamos salvando 15 mil a 20 mil vidas por ano. Isso equivale a salvar, a cada dois dias, o equivalente à tripulação de um avião.”