Diversidade

EUA: Suprema Corte determina fim das ações afirmativas em universidades

Com a decisão, as universidades americanas ficam proibidas de usar critérios raciais no processo de admissão

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Harvard Law School. Crédito: Emily Karakis/Unsplash

A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu na última quinta-feira (29/6), por seis votos a três, que as ações afirmativas das universidades de Harvard e da Carolina do Norte são inconstitucionais. Com isso, as universidades americanas ficam proibidas de usar critérios raciais no processo de admissão dos estudantes.

O presidente da Corte, John Roberts. Jr, que votou pela inconstitucionalidade, argumentou que os alunos devem ser tratados com base nas suas experiências enquanto indivíduos e não com base na sua raça. “Ambos os programas [de seleção das universidades] não têm objetivos suficientemente específicos e mensuráveis que justifiquem o uso da raça e inevitavelmente usam critérios raciais de forma negativa”, escreveu o juiz.

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Os dois casos contra as universidades foram movidos pela organização Students for Fair Admissions. O grupo foi fundado pelo ativista conservador Edward Blum e defende que os critérios raciais sejam abolidos para o ingresso em universidades americanas. Eles argumentam que a prática beneficia estudantes negros e latinos em detrimentos de outros grupos étnicos, como os asiáticos.

O principal precedente para as ações afirmativas americanas era o caso Grutter vs Bollinger, de 2003, no qual a Suprema Corte permitiu que os programas de admissão universitária usassem critérios raciais na seleção. Na época, o argumento era que a promoção da diversidade era do interesse do governo norte-americano.

Depois desta quinta-feira (29/6), o cenário mudou. “A decisão afirma que a utilização da raça nas ações afirmativas não alcança nenhum tipo de objetivo, como resultado eles reverteram precedentes anteriores”, explica Adilson Moreira, doutor em direito pela Universidade de Harvard.

Para ele, o novo entendimento é uma tentativa clara de encobrir a realidade racial americana e manter uma segregação entre negros e brancos. “A decisão é baseada em um pressuposto, chamado de ‘neutralidade racial’, de que todo e qualquer uso da raça como critério, inclusive os que beneficiam grupos minoritários, viola a Constituição.”

Em uma nota pública, a direção de Harvard reconheceu que a decisão vai impactar seu processo de seleção de alunos, mas garantiu que buscará formas de manter seu compromisso com a diversidade do corpo discente. “Harvard continuará a ser uma comunidade vibrante, cujos membros vêm de todas as esferas sociais, de todas as partes do mundo”, escreveu a universidade.

Onda conservadora?

Não é a primeira vez que a Suprema Corte altera políticas estabelecidas nos Estados Unidos. Em junho de 2022, o tribunal decidiu que o aborto não era mais um direito constitucional das mulheres americanas, anulando a decisão de Roe vs. Wade, de 1973.

O professor Oscar Vilhena, diretor da FGV Direito SP, aponta que a Corte tem desconstruído uma jurisprudência que assegura igualdade e autonomia a grupos historicamente discriminados no país. Para ele, as decisões vão provocar um movimento de resistência da sociedade americana. “O processo histórico de expansão de direito dificilmente será brecado por um tribunal cada vez mais descolado de seu tempo”, disse ao JOTA.

Essa guinada conservadora na instituição ocorre após o ex-presidente Donald Trump indicar três magistrados durante o seu governo. Ele comemorou a decisão e disse que ela permitirá que os Estados Unidos voltem a ser um país baseado no mérito. “Essa é a decisão que todos estavam esperando e o resultado foi incrível. Ela também nos manterá competitivos em relação ao resto do mundo. Nossas melhores mentes devem ser valorizadas e é isso que esse dia maravilhoso trouxe”, escreveu Trump em uma rede social.

O presidente Joe Biden, por sua vez, mostrou seu descontentamento com a decisão em um breve comunicado na Casa Branca. “O tribunal acabou efetivamente com a ação afirmativa nas admissões universitárias e eu discordo veementemente da decisão”.

Já o ex-presidente Barack Obama disse que “como qualquer política, a ação afirmativa não foi perfeita. Mas permitiu que gerações de estudantes como Michelle e eu provassem que pertencíamos. Agora cabe a todos nós dar aos jovens as oportunidades que eles merecem – e ajudar os alunos em todos os lugares a se beneficiarem de novas perspectivas”.

Impacto internacional

Diferentemente do Brasil, que adota um modelo de cotas raciais estabelecido pela Lei nº 12.711/2012, nos Estados Unidos a política de inclusão de pessoas negras, indígenas e hispânicas se dava por um critério racial que era adotado pelas próprias universidades nos seus processos de seleção de alunos.

Ainda que os caminhos para promoção da diversidade racial sejam diferentes nos dois países, o professor de Direito Constitucional Cássio Casagrande, da Universidade Federal Fluminense (UFF), acredita que a decisão pode impactar o debate público brasileiro, mas não espera nenhuma mudança no entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.

“O STF decidiu de forma unânime em 2017 pela constitucionalidade da Lei de Cotas. Talvez o impacto maior aconteça no debate do Congresso, que pode usar a decisão americana como argumento na hora de rever a lei”, diz o professor.

Melina Fachin, professora de direito da Universidade Federal do Paraná, diz que a decisão acende um sinal de alerta de que os processos de direitos humanos, do mesmo modo que são construídos, também podem ser desconstruídos. “Isso nos lembra da necessidade de ter sempre uma vigilância democrática na proteção desses direitos”, diz a professora.

Vilhena, da FGV, também entende que é preciso ficar alerta com os processos conservadores e autocráticos que estão acontecendo no mundo. “As próximas eleições em países como Estados Unidos e mesmo Brasil, passando por países chave na Europa, serão essenciais para por limites aos ataques ao valores da democracia liberal”, diz o diretor.