A regulamentação da utilização do informante confidencial possui como fundamento constitucional principal o art. 5º, XIV, CR/88, que assegura o sigilo da fonte da informação, quando necessário ao [simple_tooltip content=’“Art. 5º. (…) XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.’]exercício profissional[/simple_tooltip].
O sigilo da fonte é necessário, conforme exigido pela norma constitucional, em decorrência de duas circunstâncias jurídico-pragmáticas: (i) a essencialidade dos dados relatados pelo informante para a investigação de atos de corrupção e, portanto, para que o Ministério Público desempenhe de forma adequada suas atribuições constitucionais; e (ii) a usual indisponibilidade do informante em relatar as informações de que dispõe sem que lhe seja garantido que sua identidade não será revelada.
Quanto ao primeiro aspecto, deve-se ressaltar que o conhecimento e a comprovação dos atos de corrupção (crimes contra a Administração Pública e atos de improbidade administrativa) pelos órgãos de investigação, em regra, se mostra extremamente difícil. Isso porque as práticas corruptivas ocorrem, invariavelmente, em contextos velados, fora da visão de terceiros. Como a relação entre corrupto e corruptor é promíscua, ambos se preocupam em esconder o ilícito, sob pena de serem perdidos os ganhos recíprocos com ele auferidos.
A dificuldade cognitiva e probatória dos atos de corrupção é mais acentuada nos casos em que praticados no âmbito de estruturas organizadas de poder, notadamente o poder estatal. Tais estruturas, mediante modos de agir complexos e sofisticados, funcionam como anteparo ao conhecimento dos atos criminosos, dando-lhes aparência de legalidade e, por conseguinte, prejudicando a investigação.
Essas dificuldades foram sopesadas, por exemplo, por ocasião do julgamento da Ação Penal 470/MG (“Mensalão”). Segundo trecho do voto da ministra Rosa Weber:
“Quanto maior o poder ostentado pelo criminoso, maior a facilidade de esconder o ilícito, pela elaboração de esquemas velados, destruição de documentos, aliciamento de testemunhas etc. Também aqui a clareza que inspira o senso comum autoriza a conclusão (presunções, indícios e lógica na interpretação dos fatos). Dai a maior elasticidade na admissão da prova de acusação, o que em absoluto se confunde com flexibilização das garantias legais […] A potencialidade do acusado de crime para falsear a verdade implica o maior valor das presunções contra ele erigidas. Delitos no âmbito reduzido do poder são, por sua natureza, em vista da posição dos autores, de difícil comprovação pelas chamadas provas diretas. […] A essa consideração, agrego que, em determinadas circunstâncias, pela própria natureza do crime, a prova indireta é a única disponível e a sua desconsideração, prima facie, além de contrária ao Direito positivo e à prática moderna, implicaria deixar sem resposta graves atentados criminais a ordem jurídica e a sociedade (fls. 52.709-11)”.
Diante disso, o uso de informantes se apresenta como figura essencial na persecução de crimes desta espécie. É o que destaca [simple_tooltip content=’Andrew E. Taslitz. Prosecuting the Informant Culture, 109 MICH. L. REV. 1077 (2011). ‘]Andrew E. Taslitz[/simple_tooltip]:
“Igualmente, há amplos benefícios para a utilização de informantes pelos órgãos de controle. Em alguns casos, como nos crimes de colarinho branco ou organizações criminosas, a atividade criminosa é tão secreta, complexa ou de difícil detecção, ou sempre tem presentes ameaças de violência contra os co-conspiradores, que a acusação é impraticável sem informantes. (pp. 29-30, 131-34, 140, 145).” (tradução livre)
Esse contexto leva à maximização da importância da utilização dos dados recebidos de informantes que tenham conhecimento de atos de corrupção. Muitas das vezes, aliás, este será o único meio de o Estado tomar conhecimento do ilícito!
Porém, se é verdade que o informante tem papel essencial na descoberta e investigação de atos de corrupção, é igualmente verdadeiro que aqueles que se dispõem a colaborar com os órgãos de controle nesses moldes trazem para si enorme ônus pessoal. É que vigora no meio criminoso verdadeiro “código de silêncio”, com graves consequências para quem se [simple_tooltip content=’O código de silêncio é também característico das associações italianas do tipo mafioso, ali sendo denominado L’omertà (ou “imposição do silêncio”).’]dispõe a rompê-lo[/simple_tooltip].
Tratando desse fenômeno, com enfoque específico na corrupção policial – mas cuja aplicação no presente contexto é perfeita –, Maurice Punch destaca que “a quebra do código [de silêncio] gera fortes sanções informais, como ameaças, ostracismo, danos à propriedade particular; rumores maliciosos e descrédito através de falsas afirmações prejudiciais ou mesmo violência ”[simple_tooltip content=’PUNCH, Maurice. Police corruption: desviance, accountability and reform in policing. New York/London: Routhledge, 2011, p. 37′](Reiner 1992: 93)[/simple_tooltip]. Não por outro motivo é que, em não raras ocasiões, o informante condiciona sua colaboração à confidencialidade de sua identidade.
Portanto, a figura do informante é essencial para a investigação e persecução de atos de corrupção; por outro lado, a revelação de sua identidade pode lhe trazer riscos concretos, com o consequente desestímulo para a colaboração. Logo, não há dúvidas de que o resguardo do sigilo da fonte, ou seja, da identidade do informante é essencial ao desempenho adequado das funções constitucionais do Ministério Público, notadamente o exercício da ação penal e a propositura de ações para tutela do patrimônio público e da moralidade (improbidade administrativa e outras).
A propósito, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, no caso State of New Jersey v. Sean Mcardle, assentou justamente que “o propósito da prerrogativa [de preservar a identidade do informante] tem duas finalidades: ‘proteger a segurança do informante e encorajar o processo de informação’ (State v. Sessoms, 413 N.J. Super. 338, 343 (App. Div. 2010). A prerrogativa, na verdade, visa a proteger o interesse público em um constante fluxo de informação aos agentes encarregados de aplicar a lei. (Grodjesk v. Faghani, 104 N.J. 89, 97 (1986))”.
A ponderação dessas circunstâncias legitima a interpretação do art. 5º, XIV, CR/88, de modo a fundamentar a figura do informante confidencial no ordenamento brasileiro. Pelas peculiaridades da investigação e persecução dos atos de corrução, a utilização do informante confidencial se afigura necessária ao exercício profissional por parte dos membros do Ministério Público, a fim de que estes cumpram satisfatoriamente suas atribuições, especialmente o exercício da ação penal e a proteção do patrimônio público e dos demais bens jurídicos atingido por atos de corrupção.
Em síntese, a prerrogativa constitucional que assegura a todos o sigilo da fonte deve ser entendida como elemento necessário ao exercício profissional-ministerial. Consequentemente, há perfeita harmonia entre o instituto do informante confidencial – justificado jurídica e pragmaticamente – e a Constituição da República, visto que os meios são proporcionais e adequados aos [simple_tooltip content=’Tem pertinência a invocação da teoria dos poderes implícitos, inaugurada no caso McCulloch v. Maryland (1819), da Suprema Corte dos Estados Unidos, pela qual “(…) a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos” (STF, MS 26.547 -MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 23.05.2007, DJ de 29.05.2007)’]fins almejados[/simple_tooltip].
É que os órgãos de Estado, ao se desincumbirem de suas funções, devem fazê-lo na exata medida necessária ao atingimento da finalidade proposta, nem mais, nem menos. Disso decorre a necessidade de que a atuação estatal seja pautada pelo princípio da proporcionalidade, o qual apresenta não apenas a clássica e difundida feição negativa, de abstenção estatal, como também sua feição positiva, identificada modernamente como “princípio da vedação à proteção deficiente”.
Ou seja, o Estado não pode empregar meios e condutas que vão além do necessário para o atingimento dos fins propostos (feição negativa), ao mesmo tempo em que não lhe é permitido agir aquém do necessário para que suas atribuições sejam exercidas plenamente (feição positiva). Afinal, como assenta Baltazar Jr., “o dever estatal de garantir a segurança dos cidadãos é um dos fundamentos da ”[simple_tooltip content=’BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crime Organizado e proibição da insuficiência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 189′]própria existência e legitimação do Estado[/simple_tooltip] .
Sobre o tema, são elucidativas as palavras de [simple_tooltip content=’MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Revista Jurídica Virtual, Brasília, v. 2, n. 13, junho 1999. No mesmo sentido, v. FISCHER, Douglas. Garantismo penal integral (e não o garantismo hiperbólico monocular) e princípio da proporcionalidade: breves anotações de compreensão e aproximação de seus ideais. In: Revista de Doutrina da 4ª Região, mar. 2009. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/douglas_fischer.html. Acesso em 23 jan. 2016′]Gilmar Mendes[/simple_tooltip]:
“Os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção […], expressando também um postulado de proteção […] Haveria, assim, para utilizar a expressão de Canaris, não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbot), mas também uma proibição de omissão (Untermassverbot). Nos termos da doutrina e com base na jurisprudência da Corte Constitucional alemã, pode-se estabelecer a seguinte classificação do dever de proteção: […] (b) dever de segurança […], que impõe ao Estado o dever de proteger o indivíduo contra ataques de terceiros mediante a adoção de medidas diversas; […] Discutiu-se intensamente se haveria um direito subjetivo à observância do dever de proteção ou, em outros termos, se haveria um direito fundamental à proteção. A Corte Constitucional acabou por reconhecer esse direito, enfatizando que a não observância de um dever de proteção corresponde a uma lesão do direito fundamental previsto no art. 2, II, da Lei Fundamental […].”
No mesmo sentido, o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu, no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.424/DF, que a Constituição da República de 1988 traz, no rol de direitos fundamentais por ela elencados, verdadeiros deveres de proteção impostos ao Estado. Isso notadamente pelo fato de que “o Direito Penal é o guardião dos bens jurídicos mais caros ao ordenamento”, sendo que [simple_tooltip content=’Voto do Min. Luiz Fuz (relator), na ADI 4.424/DF’]“a sua efetividade constitui condição para o adequado desenvolvimento da dignidade humana, enquanto a sua ausência demonstra uma proteção deficiente dos valores agasalhados na Lei Maior”[/simple_tooltip].
Se o contexto da investigação/persecução de atos de corrupção apresenta dificuldades peculiares, e se é dever do Estado agir de forma adequada e suficiente no desempenho de suas funções e na proteção dos bens jurídicos, vale a lição de [simple_tooltip content=’BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crime Organizado e proibição da insuficiência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 240-241′]Baltazar[/simple_tooltip], para quem:
“O resultado das dificuldades probatórias […] é um alto grau de impunidade, o que encoraja a repetição do crime, ou seja, uma situação de perigo há de ser objeto do dever de proteção pelo legislador, mediante a publicação de normas processuais adequadas, incluindo aquelas que assegurem a produção da prova. […] Como refere Schünemann: ‘E ele [o Estado] deve organizar um processo penal que leve ao esclarecimento dos fatos criminosos, de tal modo que a desativação das possibilidades de persecução penal visadas com a organização do crime sejam compensadas’. Quer dizer, tais medidas são justificadas para assegurar a segurança do processo (Verfahrenssicherheit).”
Nesse cenário, a proposta de regulamentação da figura do informante confidencial tem o mérito, primeiro, de aumentar o [simple_tooltip content=’Da mesma forma são da denominadas “técnicas especiais de investigação”, instituídas com a finalidade de contornar as dificuldades probatórias inerentes aos atos de corrupção e crimes praticados por organizações criminosas’]leque de instrumentos de investigação[/simple_tooltip]; segundo, atribui segurança jurídica não apenas ao colaborador, como também ao interesse público tutelado pelo Ministério Público no caso concreto. Evita-se que sobrevenham fatos inesperados que obriguem a revelação da identidade do informante ou mesmo que os elementos obtidos a partir da colaboração venham a ter sua validade questionada.
Quanto a este último ponto (questionamento de validade), a utilização do informante confidencial se contrapõe à informação anônima – aquela em que não se tem conhecimento da identidade do seu autor. São comuns situações nas quais os órgãos de controle, ao tomarem conhecimento de informação relevante para a deflagração ou continuidade de investigação, preferem levá-la aos autos do procedimento investigativo como se anônima fosse, mesmo que a identidade do informante seja conhecida, como forma de evitar os pontos negativos acima mencionados (risco ao informante e desestímulo à colaboração).
Tal procedimento, entretanto, traz inconvenientes. O primeiro deles decorre do fato de a jurisprudência dos tribunais brasileiros, especialmente do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, condicionar a admissibilidade de denúncia anônima que tenha sido usada para deflagrar uma investigação à realização de diligências preliminares corroborativas. O caso mais emblemático no qual esse entendimento foi aplicado é o Habeas Corpus nº 137.349-SP, que levou à controversa anulação da [simple_tooltip content=’
HABEAS CORPUS. “OPERAÇÃO CASTELO DE AREIA”. DENÚNCIA ANÔNIMA NÃO SUBMETIDA À INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR. DESCONEXÃO DOS MOTIVOS DETERMINANTES DA MEDIDA CAUTELAR. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS. OFENSA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO FORMAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MOTIVOS IDÔNEOS. BUSCA GENÉRICA DE DADOS. As garantias do processo penal albergadas na Constituição Federal não toleram o vício da ilegalidade mesmo que produzido em fase embrionária da persecução penal. A denúncia anônima, como bem definida pelo pensamento desta Corte, pode originar procedimentos de apuração de crime, desde que empreendida investigações preliminares e respeitados os limites impostos pelos direitos fundamentais do cidadão, o que leva a considerar imprópria a realização de medidas coercitivas absolutamente genéricas e invasivas à intimidade tendo por fundamento somente este elemento de indicação da prática delituosa. A exigência de fundamentação das decisões judiciais, contida no art. 93, IX, da CR, não se compadece com justificação transversa, utilizada apenas como forma de tangenciar a verdade real e confundir a defesa dos investigados, mesmo que, ao depois, supunha-se estar imbuída dos melhores sentimentos de proteção social. Verificada a incongruência de motivação do ato judicial de deferimento de medida cautelar, in casu, de quebra de sigilo de dados, afigura-se inoportuno o juízo de proporcionalidade nele previsto como garantia de prevalência da segurança social frente ao primado da proteção do direito individual. Ordem concedida em parte, para anular o recebimento da denúncia da Ação Penal n.º 2009.61.81.006881-7. (STJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura; Sexta Turma, DJ de 30/05/2011) e Sobre os precedentes do Supremo Tribunal Federal acerca desse tema, confira-se: HC 108.147, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 1º.02.13; HC 105.484, Segunda Turma, Rel. Min.Cármen Lúcia, DJe de 16.04.13; HC 99.490, Segunda Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 1º.02.11; HC 98.345, Primeira Turma, Redator para o acórdão: Min. Dias Toffoli, DJe de 17.09.10; HC 95.244, Primeira Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 30.04.10′]Operação Castelo de Areia[/simple_tooltip].
Ou seja, mesmo que um informante anônimo apresente dados concretos e detalhados que deem conta do cometimento de ilícitos, de acordo com o referido entendimento jurisprudencial essas informações não podem ser usadas autonomamente. Cabe ao Ministério Público, por outros meios, obter elementos que confirmem aqueles dados fornecidos. Todavia, tal corroboração nem sempre é possível sem a realização de medidas coercitivas ou invasivas (conduções, quebra de sigilo bancário e/ou fiscal, entre outras), o que, por si só, pode inviabilizar a investigação.
Os precedentes jurisprudenciais citados trazem uma significativa margem de incerteza sobre a validade da investigação deflagrada a partir de uma informação anônima. É impossível definir, a priori, o que seriam as diligências preliminares corroborativas necessárias para se admitir as informações anônimas, fazendo-se necessária a submissão da questão à apreciação imparcial do juiz competente para o caso. Todavia, mesmo que um juiz venha a considerar válidas as diligências preliminares realizadas, autorizando a partir daí medidas coercitivas ou invasivas, tal juízo terá contraditório diferido. Assim, sempre estará sujeito a futuros questionamentos nas instâncias superiores, podendo levar à ulterior [simple_tooltip content=’A exigência de diligências preliminares corroborativas em relação à informação anônima também ocorre no direito norte-americano, como decidido pela Suprema Corte, por exemplo, em Illinois v. Lance Gates et ux., 462 U.S. 213 (1983). O problema da jurisprudência brasileira está, na verdade, em admitir a revisão de decisões judiciais que deram amparo à produção de prova a partir de informação anônima corroborada, em maior ou menor grau, por outras diligências. Isso porque a finalidade do sistema de nulidades das provas no processo penal é prevenir desvios de conduta dos órgãos de persecução penal, e não erros judiciários (salvo quando evidentemente grosseiros). No direito norte-americano tal distinção está consolidada em diversos precedentes – United States v. Leon, 468 U.S. 897 (1984), Massachusetts v. Sheppard, 468 U.S. 981 (1984), entre outros –, de tal maneira que a prova “ilícita” não é excluída se a sua produção foi fundada em determinação judicial. Nessa situação, a Suprema Corte reconhece discricionariedade e deferência ao juiz, limitando-se a analisar se a polícia agiu de boa-fé e com confiança razoável no mandado judicial. Para uma análise aprofundada do tema, v. DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Informantes confidenciais e anônimos: perspectivas para atuação mais eficiente do Estado a partir de uma análise comparativa do tratamento jurídico nos EUA e no Brasil. In: Ministério Público e princípio da proteção eficiente. Coordenação: CAMBI, Eduardo; GUARAGNI, Fábio André. São Paulo: Almedina, no prelo, p. 39-61′]anulação da totalidade das investigações[/simple_tooltip].
Além disso, adotar como anônima uma informação que foi fornecida por sujeito identificado impede e/ou dificulta o controle em relação ao conteúdo da informação. Caso se constate, por exemplo, que aquela informação foi falseada de forma dolosa, restará inviabilizada a responsabilização civil e criminal do informante, já que não se terá conhecimento de sua identidade.
Todos esses fundamentos, aliados à previsão constitucional do art. 5º, XIV, CR/88, demonstram que a regulamentação da figura do informante confidencial constitui nítida evolução para o sistema de justiça brasileiro, especialmente no combate à corrupção.
Não bastasse isso, a proteção da identidade do informante e a legitimidade da utilização das informações por ele fornecidas encontram amparo na legislação das principais democracias do mundo, bem como em instrumentos internacionais.
O Informe Anual de 2000, do Relator Especial das Nações Unidas para Liberdade de Expressão, encampou o conjunto de princípios de acesso à informação desenvolvidos pela ONG Article 19 – International Centre Against Censorship. No Anexo II do citado relatório, denominado The Public’s Right to Know: Principles on Freedom of Information Legislation, é prevista a proteção ao denunciante como um [simple_tooltip content=’UNITED NATIONS. Commission on Human Rights. Report of the Special Rapporteur on the Promotion and Protection of the Right to Freedom of Opinion and Expression (E/CN.4/2000/63). Disponível em: http://daccess-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G00/102/59/PDF/G0010259.pdf?OpenElement. Acesso em 16 jan. 2016′]princípio de acesso a informação[/simple_tooltip].
Além disso, durante a Cúpula do G20, realizada em Seul no ano de 2010, foi adotado o Plano de Ação Anti-Corrupção, que tem como uma das prioridades em sua agenda a proteção de denunciantes. De acordo com o estudo, a proteção de denunciantes é essencial para encorajar relatos de má conduta, fraude e corrupção de autoridades públicas, sendo que o risco de corrupção é significativamente elevado em ambientes onde o [simple_tooltip content=’G20 ANTI-CORRUPTION ACTION PLAN PROTECTION OF WHISTLEBLOWERS. Study on Whistleblower Protection Frameworks, Compendium of Best Practices and Guiding Principles for Legislation (2010). Disponível em: http://www.oecd.org/g20/topics/anti-corruption/48972967.pdf. Acesso em 16 jan. 2016′]ato de denunciar autoridades não é estimulado, nem protegido[/simple_tooltip].
Também a [simple_tooltip content=’Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 348, de 18 de maio de 2005, e promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006′]Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção[/simple_tooltip], em seu art. 33, impõe aos Estados-parte a obrigação de assegurar a proteção aos denunciantes:
Artigo 33
Proteção aos denunciantes
Cada Estado Parte considerará a possibilidade de incorporar em seu ordenamento jurídico interno medidas apropriadas para proporcionar proteção contra todo trato injusto às pessoas que denunciem ante as autoridades competentes, de boa-fé e com motivos razoáveis, quaisquer feitos relacionados com os delitos qualificados de acordo com a presente Convenção.
No mesmo sentido, dispõe a [simple_tooltip content=’Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 152, de 25 de junho de 2002, e promulgada pelo Decreto nº 4.410, de 7 de outubro de 2002′]Convenção Interamericana contra a Corrupção, da Organização dos Estados Americanos – OEA[/simple_tooltip], em seu art. III.8:
Artigo III
Medidas preventivas
Para os fins estabelecidos no artigo II desta Convenção, os Estados Partes convêm em considerar a aplicabilidade de medidas, em seus próprios sistemas institucionais destinadas a criar, manter e fortalecer:
[…]
8. Sistemas para proteger funcionários públicos e cidadãos particulares que denunciarem de boa-fé atos de corrupção, inclusive a proteção de sua identidade, sem prejuízo da Constituição do Estado e dos princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico interno.
Já no direito norte-americano, em que a utilização de informantes como fonte de investigação é difundida, há inúmeros precedentes que legitimam o chamado informer´s privilegie (“privilégio de informante”), assim entendida a prerrogativa assegurada ao Estado de preservar o sigilo da identidade do informante.
No [simple_tooltip content=’McCray v. Illinois, 386 U.S. 300 (1967)’]caso McCray v. Illinois[/simple_tooltip], por exemplo, a Suprema Corte reconheceu a legitimidade de prisão de traficante de drogas realizada a partir de informações repassadas por um informante. O traficante preso questionou em juízo o sigilo da identidade do informante, o qual, entretanto, foi [simple_tooltip content=’Consta do summary (ou ementa) daquele julgado: Following receipt of information from an informer, two Chicago policemen made a warrantless arrest of the petitioner for possessing narcotics. At the pretrial hearing on petitioner’s motion to suppress the evidence which was found on his person, the officers testified that: the informant had told them that petitioner “was selling narcotics and had narcotics on his person” and the area where petitioner could then be found; they found him in that vicinity; after pointing petitioner out, the informant departed; they arrested petitioner and searched him in their vehicle and found the narcotics on his person. The officers also testified that, during the one to two years, respectively, that they had known the informant, he had frequently furnished accurate information about narcotics activities which had led to many convictions. Petitioner requested the informant’s identity, and the State, relying on the testimonial privilege under Illinois law against such disclosure, objected. The State’s objections were sustained, petitioner’s motion to suppress was denied, and he was thereafter convicted upon the basis of the evidence seized. The judgment of conviction was affirmed by the State Supreme Court, which held the arrest lawful and not vitiated by the application of the “informer’s privilege.” Disponível em: https://supreme.justia.com/cases/federal/us/386/300/case.html. Acesso em 16 jan. 2016‘]mantido pela Corte[/simple_tooltip]. No mesmo sentido, pela validade do informer´s privilegie: Georgia in Anderson v. Statte, 72 Ga. App. 487, 493 (34 SE2d 110) (1945); People v. Hobbs (1994); Pass v. State, 227 Ga. 730 (4) (182 SE2d 779) (1971); Morgan v. State, 211 Ga. 172, 177 (84 SE2d 365) (1954); Stanford v. State, 134 Ga. App. 61 (1) (213 SE2d 519) (1975); Thomas v. State, 134 Ga. App. 18 (1) (213 SE2d 129) (1975); Welch v. State, 130 Ga. App. 18, *164 19 (3) (202 SE2d 223) (1973); Morrison v. State, 129 Ga. App. 558 (5) (200 SE2d 286) (1973); Butler v. State, 127 Ga. App. 539 (2) (194 SE2d 261) (1972); Staggers v. State, 101 Ga. App. 463, 465 (114 SE2d 142) (1960); Smallwood v. State, 95 Ga. App. 766 (1) (98 SE2d 602) (1957); Roddenberry v. State, 90 Ga. App. 66 (82 SE2d 40) (1954).
Diante de tais fundamentos, portanto, não há dúvidas de que a proposta em questão revela verdadeiro avanço no manejo de elementos de informação relevantes para a investigação de atos de corrupção. A regulamentação do instrumento do informante confidencial, cuja eficiência e importância são indiscutíveis, propicia o uso das informações por ele fornecidas pelo Ministério Público de modo mais confiante, eliminando a insegurança hoje vigente no que tange às provas derivadas de informantes anônimos.