O controle administrativo da omissão inconstitucional

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Capítulo 1

Constituições Estaduais trazem regras inéditas sobre a omissão inconstitucional

“A história irá se lembrar que a maior tragédia desse período de mudança social não foi o estridente clamor das pessoas más, mas o silêncio terrível das pessoas boas.”[1]. A histórica frase de Martin Luther King continua a ecoar em nossos tempos. A omissão dos Poderes e órgãos públicos em conferir exequibilidade às normas constitucionais e concretizar direitos fundamentais ainda é objeto de debates fervorosos.

A síndrome de inefetividade,[2] além de ensejar fortes conflitos institucionais, acaba alçando a jurisdição constitucional a um patamar de maior destaque, por vezes levando o Supremo Tribunal Federal a desempenhar um papel de eventual protagonismo[3]. Em termos históricos, a celeuma que envolve a omissão inconstitucional é relativamente recente se comparada com o desenvolvimento secular do constitucionalismo[4]. Apesar da nítida evolução mediante o acolhimento da possibilidade de indenização em determinados casos de omissão inconstitucional e a criação de técnicas como as sentenças manipulativas, o apelo ao legislador e a interpretação conforme à Constituição – além da adoção da corrente concretista intermediária na Lei do Mandado de Injunção[5] -, fato é que ainda não dispomos de mecanismos plenamente satisfatórios para o combate das omissões que vulneram as normas constitucionais.

Neste sentido, exsurge a relevância do presente artigo: as Constituições Estaduais trazem regras inéditas sobre a omissão inconstitucional.

Em recente pesquisa publicada na Revista Brasileira de Direito Público[6], através de coleta de dados mediante análise individualizada das Constituições Estaduais, constatamos diversas inovações que podem contribuir para o debate sobre o tema. Inicialmente, cumpre mencionar que todas as Constituições Estaduais possuem a previsão da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO, seja mediante disposição clara e objetiva, seja através da denominação de ação de inconstitucionalidade ou representação de inconstitucionalidade nos casos de omissão. Da mesma forma, o Mandado de Injunção – MI encontra-se presente em todas as Cartas. As exceções são a Lei Orgânica do Distrito Federal, que não prevê nem a ADO, tampouco o Mandado de Injunção, e a Constituição do Tocantins, que não prevê a ADO. Quanto à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, apesar dos diversos entendimentos acerca da sua viabilidade no tocante ao controle das omissões inconstitucionais[7], vale ressaltar que as Constituições do Mato Grosso do Sul (art. 123, §3), do Acre (art. 95, I, “f”), Alagoas (art. 134, caput) e Rio Grande do Norte (art. 71, I, “a”) trazem o instrumento de forma inovadora em âmbito Estadual.

Além disso, é possível notar a existência da previsão de preferência de julgamento do Mandado de Injunção (Constituições do Amazonas, art. 3º, §2; Mato Grosso – art. 10, XIX -; Santa Catarina, art. 4º, V) e da Ação de Inconstitucionalidade (Constituição do Amazonas, art. 3º, §2). Ademais, podemos ver em diversas Constituições a necessária diferenciação entre omissão decorrente da ausência de ato administrativo e omissão legiferante (Constituições do Maranhão art. 92, §3; Paraíba art. 107; Piauí art. 124; art. 88, §3, da Constituição de Rondônia; Constituição do Estado de São Paulo, art. 90, §4; Constituição de Minas Gerais art. 118, §4 e art. 113, §1, da Constituição do Paraná).  

Vale ressaltar que inúmeras Constituições, ao abordarem os efeitos da Ação de Inconstitucionalidade por Omissão preveem a responsabilidade em sentido amplo do órgão administrativo que continua incorrendo em omissão mesmo após a declaração da inconstitucionalidade pelo Tribunal de Justiça em controle abstrato. Ressalte-se a previsão de crime de responsabilidade na Constituição do Piauí (art. 124, §3)[8], ao invés de simplesmente responsabilidade em sentido amplo, como em outras Constituições analisadas (a exemplo da Constituição do Estado do Mato Grosso no art. 10), demonstrando a intenção clara da natureza jurídica-política sancionatória. Em uma análise perfunctória, diante do objeto do presente artigo, parece existir violação à competência privativa da União para legislar sobre a definição dos crimes de responsabilidade.

Apesar das inovações que por si já são suficientes para ensejar um estudo mais detido sobre o tema, a verdadeira quebra de paradigma encontra-se no Controle Administrativo da Omissão Inconstitucional. Não há literatura na doutrina, tampouco precedentes na jurisprudência.

O Controle Administrativo da Omissão Inconstitucional é um instituto que possibilita um diálogo entre a sociedade e o agente público omisso, de modo que este terá prazo para sanar a omissão, sob pena de responsabilidade. É uma ferramenta de participação popular e de controle da atuação do Poder público. Ele está previsto em algumas Constituições: i) Constituição do Mato Grosso, art. 10, parágrafo único[9]; ii) Constituição da Paraíba, art. 3º, §1[10]; iii) Constituição do Piauí, art. 5º, §1[11]; iv) Constituição do Amazonas, art. 3º, §1[12]; v) Constituição do Pará, art. 5º, §2[13]; vi) art. 4º, §1, da Constituição de Minas Gerais[14]; vii) art. 10 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro[15]; e viii) art. 4º, I, da Constituição de Santa Catarina[16].

Trata-se de controle realizado fora do Judiciário que busca incitar o agente omisso a atuar. Embora a Constituição Federal não traga nenhuma previsão semelhante, a disposição do art. 23, I, segundo a qual “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público.” parece ser a porta de entrada para se admitir a constitucionalidade/possibilidade do Controle Administrativo da Omissão Inconstitucional em âmbito estadual. Em outras palavras, seu fundamento de validade encontra respaldo na própria Constituição Federal.

Capítulo 2

Administrativo e judicial

As duas fases do controle de omissão

É possível dividi-lo em duas fases: fase administrativa – que trata do controle administrativo em sentido estrito – e a fase judicial – que trata da responsabilidade do agente omisso no caso de perdurar a mora. O mesmo ocorre na Lei de improbidade administrativa que possui caráter híbrido (Capítulo V da Lei 8492 de 1992: do procedimento administrativo e do processo judicial).

Na fase administrativa é oportunizada à autoridade competente a possibilidade de sanar a omissão inconstitucional, dentro do prazo previsto na respectiva Constituição a contar do requerimento do interessado.   

Possui legitimidade ativa para provocar o controle administrativo da omissão na fase administrativa qualquer interessado – requerente –, seja pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que seja prejudicado por uma omissão. Todavia, não basta que seja uma omissão como faculdade, é necessário que essa omissão inviabilize o pleno exercício de direitos constitucionais do interessado. Na Constituição do Mato Grosso, de forma singular, ainda há a possibilidade do controle da omissão pelo interessado quando ela vier a obstaculizar o pleno exercício de seus direitos fundamentais. O art. 14 da Lei de improbidade, de forma semelhante, fala que “qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade.”

A legitimidade passiva sempre recai sobre o agente administrativo competente – requerido – para a prática do ato inexistente que está inviabilizando (ou ainda obstaculizando) o exercício de direitos constitucionais. A Constituição do Mato Grosso, para além das demais, também estabelece como legitimado passivo o agente legislativo ou judiciário quando sua omissão inviabilizar ou obstaculizar o pleno exercício de direitos constitucionais.  

O Parâmetro é a Constituição estadual, de modo que a omissão prejudica o exercício de direitos presentes no seu texto, enfraquecendo sua força normativa.  O órgão competente para receber a requisição na fase administrativa é o próprio órgão omisso, já que cabe a ele atuar.

O requerimento pode ser feito por simples petição do legitimado ativo, eis que as Constituições não trazem normas solenes para seu procedimento. A petição deve conter endereçamento ao órgão omisso, qualificação do legitimado ativo com documentos de identificação, fundamentos de fato e de direito que justifiquem o requerimento e pedido para que supra a omissão apontada. Nesse sentido, José dos Santos Carvalho Filho[17] leciona que “o administrado tem o direito subjetivo de exigir do administrador omisso a conduta comissiva imposta na lei, na via administrativa, por meio do direito de petição (art. 5, XXXIV, “a” da Constituição)”. Além disso, é necessário que o requerente informe à autoridade omissa às possíveis conseqüências caso esta permaneça em mora. À luz da finalidade do instituto, parece que a intenção foi possibilitar a participação popular no controle das omissões, de modo que a presença do advogado, embora sempre desejável e recomendada pela sua função essencial à justiça, não se mostra imprescindível para ratificar as condições de procedibilidade do requerimento. Por analogia aplicamos o mesmo entendimento previsto na Súmula Vinculante n. 5, de modo que a ausência de advogado não parece ensejar vício no ato.

Quanto ao objeto, também há divergência. A Constituição do Mato Grosso fala em ‘’omissões dos Poderes do Estado que inviabilizem ou obstaculizem o pleno exercício dos direitos constitucionais’’. A Constituição do Rio de Janeiro afirma que são passíveis de controle administrativo: ‘’As omissões do Poder Público na esfera administrativa, que tornem inviável o exercício dos direitos constitucionais”. As Constituições do Amazonas e de Santa Catarina falam em ‘’omissões do Poder Público que tornem inviável o exercício dos direitos constitucionais’’; vale ressaltar que ambas as Constituições ressalvam que somente são controláveis por meio do controle administrativo as omissões administrativas, de modo que as legislativas ficam a cargo do Judiciário. Por fim, as Constituições da Paraíba, Piauí, Pará e Minas Gerais não trazem objeto específico, mas falam, tão somente em “omissão inviabilizadora do exercício de direito constitucional.

Capítulo 3

Doutrina ainda é ausente

Sanções

Iniciado o controle administrativo da omissão, as Constituições divergem sobre o prazo que o legitimado passivo dispõe para saná-la. As Constituições do Mato Grosso e de Santa Catarina trazem o prazo de 30 dias, enquanto as demais estipulam o prazo de 90 dias. A exceção é a Constituição do Rio de Janeiro que prevê a fixação do prazo em lei[18].

O que se espera do Controle Administrativo da Omissão é que o agente público competente pratique o ato que está inviabilizando (ou obstaculizando) o exercício de um direito constitucional. Contudo, feito o requerimento pelo interessado e no caso do legitimado passivo se manter em mora após o decurso do prazo (de 30 ou 90 dias) incidem os efeitos objetivos que se traduzem em responsabilidade na fase judicial[19].

Vale ressaltar que as Constituições do Mato Grosso, Rio de Janeiro e Santa Catarina não preveem a cláusula de justificação. Isto é, nas demais Constituições mencionadas, somente haverá responsabilidade do agente na fase judicial, após o prazo, caso deixe de sanar injustificadamente a omissão na fase administrativa. Logo, havendo justificativa razoável, coerente, por razões de fato ou de direito, não há que se falar em responsabilidade. Possível a analogia com a Lei de Ação popular (4.717 de 1965) que afirma no art. 2º, parágrafo único, “d”: “a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido.”

A cláusula de justificação, portanto, é um instrumento que oportuniza uma chance para autoridade justificar as razões pelas quais não cumpriu seu dever constitucional, contudo, não pode servir de escudo jurídico para que o responsável não confira efetividade à Constituição, sob pena de responsabilidade. Por outro lado, as Constituições que não possuem tal cláusula, acabam ensejando uma possibilidade extremamente ampla de responsabilização da autoridade, de modo que sua previsão mostra-se prudente.

O fim do prazo (de 30 ou 90 dias) representa o fim da fase administrativa. Por conseguinte, é possível dar início à fase judicial onde haverá o ajuizamento de uma ação de improbidade, seguindo o procedimento da Lei 8.429 de 1992, instruída com os documentos que comprovem o requerimento do interessado e o decurso do prazo sem a atuação do agente. A possibilidade de aviar ação de improbidade no caso vertente decorre de alguns princípios processuais, sobretudo da tutela coletiva dos direitos difusos: participação, ação, instrumentalidade das formas e da integração do microssistema[20]. Ademais, como a fase judicial busca unicamente punir o agente omisso, o ajuizamento de ação de improbidade para a hipótese se amolda de forma coerente ao espírito da tutela sancionatória, conforme ressalta Teori Zavascki[21]: “A ação de improbidade tem, como se disse, caráter eminentemente repressivo. Ela não se presta a prevenir a lesão ao direito, mas se destina, sim, a aplicar sanções.” Zavascki afirma ainda que forma-se um juízo hipotético-disjuntivo, no sentido de que: dado um fato temporal, deve ocorrer a prestação do sujeito passivo em favor do sujeito ativo; ou, não ocorrendo, deve ocorrer sanção por parte do Estado[22].

A legitimidade ativa para propor ação judicial de improbidade, responsabilizando a autoridade por não praticar o ato pertence: i) ao cidadão requerente, por analogia à Lei de ação popular, desde que apresente estar no exercício regular de seus direitos políticos, sendo, nesta fase, sempre patrocinado por advogado; ii) ao Ministério Público; iii) à Defensoria Pública; iv) ou à Pessoa Jurídica requerente, seja de Direito Público ou Privado. O rol amplo do polo ativo tem o objetivo de garantir eficácia àquilo que foi determinado pelas Constituições Estaduais; vale dizer, se a Lei de Improbidade fala no seu art. 17 que a ação terá rito ordinário e será proposta pelo Ministério Público e pela pessoa jurídica interessada, conjugando esse dispositivo com as Cartas dos Estados é possível concluir que há legitimidade expansiva na segunda fase do Controle Administrativo da Omissão. Não seria coerente restringir a legitimidade para o requerente que provocou o controle da omissão e permiti-lo para uma pessoa jurídica levando em conta apenas uma interpretação gramatical. Além disso, à luz do direito coletivo, é possível conjugar a legitimidade de várias ações distintas para tutela do direito difuso transindividual em comento, zelando, assim, pelo interesse público primário. Contudo, ainda que se entenda que o amplo rol de legitimados seria irrazoável, parece incontroverso que o Ministério Público detém legitimidade ativa irrestrita para iniciar a fase judicial do Controle Administrativo da Omissão em razão de sua função institucional, sob pena de impossibilitar qualquer espécie de responsabilização para o agente omisso.  

Quanto às sanções, as Cartas trazem punições diversas. A Constituição do Mato Grosso afirma que será destituído do mandato administrativo ou do cargo ou função de direção na Administração Direta ou Indireta, se o agente integrar o Poder Executivo, e que haverá previsão de medida semelhante na Lei de Organização Judiciária e no Regimento Interno da Assembleia Legislativa, referentes aos agentes dos Poderes Judiciário e Legislativo, respectivamente. As Constituições da Paraíba, Piauí, Pará, Amazonas e Minas Gerais afirmam que incide na penalidade de destituição de mandato administrativo, de cargo ou função de direção, em órgão da administração direta ou indireta, o agente público que, deixar, injustificadamente, de sanar omissão inviabilizadora do exercício de direito constitucional. As Constituições do Rio de Janeiro e Santa Catarina falam somente em responsabilidade da autoridade competente no caso de permanecer em mora após o decurso do prazo, sem prejuízo da utilização de medidas judiciais.

Entendemos que deverá ser aplicada a sanção prevista na Constituição e não aquela da Lei de Improbidade eis que estas últimas são mais severas e destinadas à outra finalidade. Entretanto, para o caso das Constituições do Rio de Janeiro e Santa Catarina que apenas falam em responsabilidade sem especificar nenhuma pena como nas outras Cartas, entendemos que pode ser aplicada a pena de perda da função pública (art. 12, III, da Lei de Improbidade) para evitar a impunidade por ausência de lei.   

As Constituições Estaduais não trazem a competência específica para julgar a autoridade responsável pela omissão que recai em mora findo o prazo do requerimento do interessado. Neste sentido, como não se trata de crime de responsabilidade, mas sim de responsabilidade de caráter civil com pena de destituição do mandato administrativo, de cargo ou função de direção, acreditamos que a melhor solução, por analogia, está em estabelecer os mesmos critérios de competência jurisdicional que regem as ações de improbidade administrativa.

Iniciado o processo em juízo, nos termos da Lei de improbidade, caberá a autoridade ré (requerida) comprovar que não há omissão que viola direito constitucional, ou que, apesar do requerimento do interessado e do decurso do prazo, a omissão não foi sanada por motivos justificáveis na hipótese de haver cláusula de justificação.  

Instado a sanar a omissão na fase administrativa e mantendo-se inerte, resta configurada a conduta dolosa do agente, na forma direta ou eventual, tanto no aspecto cognitivo – conhecimento da responsabilidade – eis que ciente do seu dever de agir desde o requerimento do interessado, inclusive em relação às conseqüências sancionatórias, quanto volitivo – vontade – já que a recusa injustificada demonstra o descaso e a intenção de não cumprir com seu dever.

Por fim, caberá ao juiz decidir condenando a parte ré pela omissão e responsabilizando-a nos termos sancionatórios expressos pela respectiva Constituição Estadual.

Do exposto, não é difícil constatar que o paradigma estadual tem um rico potencial normativo em relação ao modelo federal. A hegemonia do poder federal distancia o cidadão da tomada de decisão sobre os rumos da política e também da fiscalização acerca da atuação ou omissão dos Poderes do Estado. Acreditamos que ele pode, inclusive, vir a funcionar como subsídio de lege ferenda para um necessário aperfeiçoamento institucional no combate à celeuma da omissão inconstitucional em âmbito federal. Podemos ressaltar três formas de aperfeiçoamento: i) a necessária diferenciação entre a omissão de caráter legiferante e a omissão de ato administrativo, eis que confere maior autonomia e especialidade ao fenômeno da omissão inconstitucional; ii) a previsão do instituto do Controle Administrativo da Omissão com a cláusula de justificação; e iii) a prioridade de julgamento para o Mandado de Injunção e para a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão.

A omissão inconstitucional é uma celeuma que se arrasta desde antes da entrada em vigor da Constituição de 1988. Em discurso no Congresso em 02 de fevereiro de 1987, o Presidente da Assembleia Nacional Constituinte Ulysses Guimarães afirmara que “A Nação repudia a preguiça, a negligência e a inépcia.” Acreditamos que a riqueza de possibilidades e ferramentas previstas no âmbito dos Estados Membros, sem dúvida, contribui para as discussões acerca da omissão inconstitucional, servindo como subsídio de pesquisa para futuras reflexões sobre o tema. O presente artigo não encerra o debate; ao revés, elucida relevantes instrumentos com o objetivo de garantir a plena efetividade das normas constitucionais. Ao fim e ao cabo, é isto que todos almejamos.

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André Luiz Maluf – Sub-Procurador Geral do Município de Teresópolis. Advogado. Estudou Diritto Pubblico Comparato na Università di Siena. Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense. Membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional.

[1] Sou extremamente grato aos amigos e colegas Daniell Lessa, Danilo Taveira, Húdson Araújo e Luis Guilherme Lacerda que gentilmente aceitaram a tarefa de revisar e debater o conteúdo do presente artigo. Indubitavelmente, a convergência de olhares diversos e a crítica construtiva realizada por eles foram determinantes para o resultado que ora apresento.   

Tradução livre.

[2] Sobre a chamada síndrome de inefetividade das normas constitucionais, Cf. MELLO, Marco Aurélio. 25 Anos de Interpretação Constitucional – uma história de concretização dos direitos fundamentais. Artigo escrito para a obra comemorativa dos 25 anos da Constituição Federal de 1988, organizada pelo Supremo Tribunal Federal.

[3] “(…) a jurisdição constitucional desempenha papel de maior destaque quando o Poder Legislativo não tenha atuado. É nas lacunas normativas ou nas omissões inconstitucionais que o STF assume papel de eventual protagonismo. Como consequência, no fundo no fundo, é o próprio Congresso que detém a decisão final, inclusive sobre o nível de judicialização da vida.” Cf. BARROSO, Luís Roberto. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maioria. Texto mimiografado, UERJ, 2015, p. 36.

[4] Enquanto no Estado Liberal o Direito exigia o mínimo de intervenção estatal através de uma postura omissiva, o advento do Estado Social no séc. XX causa uma ruptura nesse paradigma, de modo que os Poderes passam a ser demandados para cumprir prestações positivas. A omissão, portanto, passa a ser prejudicial e condenável.

[5] MALUF, André Luiz. Reflexões sobre o projeto aprovado pelo Senado que regulamenta o Mandado de Injunção. Carta Forense, 22 de junho de 2016.

[6] Cf. MALUF, André Luiz. O regime jurídico da omissão inconstitucional nas Constituições Estaduais e o controle administrativo da omissão. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, n. 54, jul/set, 2016.

[7] Ressalte-se a posição de Clèmerson Merlin Clève que sustenta a possibilidade de ajuizamento de ADPF para combater a omissão. Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma Dogmática Constitucional Emancipatória. Belo Horizonte, Fórum, 2012, p. 25/30. Vale mencionar ainda o entendimento de Carlos Alexandre de Azevedo Campos acerca do Estado de Coisas Institucional combatido via ADPF, que ocorre quando há um quadro insuportável de violação massiva de direitos fundamentais, decorrente de atos comissivos e omissivos praticados por diferentes autoridades públicas, agravado pela inércia continuada dessas mesmas autoridades. Cf CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Da Inconstitucionalidade por Omissão ao “Estado de Coisas Inconstitucional”. Tese de Doutorado – Texto Parcial, Programa de Pós Graduação em Direito Público da UERJ disponível no Banco de Teses da UERJ, Rio de Janeiro, 2015, p. 13/23; V. ADPF 347, Rel. Min. Marco Aurélio, pendente de julgamento.

[8] Art. 124. § 3º – Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma desta Constituição, a decisão será comunicada ao poder competente para a adoção das providências necessárias à prática do ato ou início do processo legislativo e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê–lo em trinta dias, sob pena de crime de responsabilidade, em qualquer dos casos.

[9] Art. 10, O Estado de Mato Grosso e seus Municípios assegurarão, pela lei e pelos atos dos agentes de seus Poderes, a imediata e plena efetividade de todos os direitos e garantias individuais e coletivas, além dos correspondentes deveres, mencionados na Constituição Federal, assim como qualquer outro decorrente do regime e dos princípios que ela adota, bem como daqueles constantes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, nos termos seguintes: (…) Parágrafo único – As omissões dos Poderes do Estado que inviabilizem ou obstaculizem o pleno exercício dos direitos constitucionais serão sanadas na esfera administrativa sob pena de responsabilidade do agente competente, no prazo de trinta dias após o requerimento do interessado, sem prejuízo da utilização do mandado de injunção, da ação de inconstitucionalidade e demais medidas judiciais. Nos casos deste parágrafo único: I – será destituído do mandato administrativo ou do cargo ou função de direção na Administração Direta ou Indireta, se o agente integrar o Poder Executivo; II – haverá previsão de medida semelhante na Lei de Organização Judiciária e no Regimento Interno da Assembleia Legislativa, referentes aos agentes dos Poderes Judiciário e Legislativo, respectivamente.

[10] Art. 3º O Estado e os Municípios asseguram, em seus territórios e no limite de suas competências, a plenitude e inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais que a Constituição Federal reconhece e confere aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, bem como outros quaisquer decorrentes do regime e dos princípios adotados. § 1º Incide na penalidade de destituição de mandato administrativo, de cargo ou função de direção, em órgão da administração direta ou indireta, o agente público que, dentro de noventa dias do requerimento do interessado, deixar, injustificadamente, de sanar omissão inviabilizadora do exercício de direito constitucional.


[11] Art. 5º O Estado assegura, no seu território e nos limites de sua competência, a inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais que a Constituição Federal confere aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país. § 1º Incorre na penalidade de destituição de mandato administrativo, de cargo ou função de direção, em órgão da administração direta ou indireta, o agente público que, dentro de noventa dias do requerimento do interessado, deixar, injustificadamente, de sanar omissão inviabilizadora do exercício de direito constitucional.


[12] Art. 3º O Estado, nos limites de sua competência, assegura, em seu território, a brasileiros e estrangeiros, a inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais declarados na Constituição da República. §1º As omissões do Poder Público que tornem inviável o exercício dos direitos constitucionais serão sanadas, na esfera administrativa, dentro de noventa dias do requerimento do interessado, incidindo em penalidade de destituição de mandato administrativo ou de cargo ou função de direção, em Órgão da administração direta ou indireta, o agente público que injustificadamente deixar de fazê-lo.

[13] Art. 5º. O Estado do Pará acolhe, expressamente, insere em seu ordenamento constitucional e usará de todos os meios e recursos para tornar, imediata e plenamente efetivos, em seu território, os direitos e deveres individuais e coletivos, os direitos sociais, de nacionalidade e políticos, abrigados no Título II da Constituição Federal. § 2º. Incide na penalidade de destituição de mandato administrativo ou de cargo ou função de direção, em órgão da administração direta ou indireta, o agente público que, dentro de noventa dias do requerimento do interessado, deixar, injustificadamente, de sanar omissão inviabilizadora do exercício de direito constitucional.

[14] Art. 4º – O Estado assegura, no seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias fundamentais que a Constituição da República confere aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País. § 1º – Incide na penalidade de destituição de mandato administrativo ou de cargo ou função de direção, em órgão da administração direta ou entidade da administração indireta, o agente público que deixar injustificadamente de sanar, dentro de noventa dias do requerimento do interessado, omissão que inviabilize o exercício de direito constitucional.

[15] Art. 10 – As omissões do Poder Público na esfera administrativa, que tornem inviável o exercício dos direitos constitucionais, serão supridas, no prazo fixado em lei, sob pena de responsabilidade da autoridade competente, após requerimento do interessado, sem prejuízo da utilização do mandado de injunção, da ação de inconstitucionalidade e demais medidas judiciais.

[16] Art. 4º — O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos na Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos princípios e do regime por elas adotados, bem como os constantes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte, observado o seguinte: I – as omissões do Poder Público que tornem inviável o exercício dos direitos constitucionais serão supridas na esfera administrativa, sob pena de responsabilidade da autoridade competente, no prazo de trinta dias, contados do requerimento do interessado, sem prejuízo da utilização de medidas judiciais;

[17] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28 ed. Atlas, São Paulo, 2015, p. 47.
[18] Vale ressaltar que a lei em comento ainda não foi criada. Trata-se de uma hipótese de verdadeira ‘’omissão da omissão’’.
[19] Cf. FIGUEIREDO, Marcelo. In: CANOTILHO; MENDES; SARLET; STRECK; (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 1898.   

[20] GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito Processual Coletivo. Sem data. p. 02-03. Disponível em <http://www.ufrnet.br/~tl/otherauthorsworks/grinover_direito_processual_coletivo_principios.pdf> Acesso em 27 de março de 2016
[21] ZAVASCKI, Teori. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. Tese de Doutorado, UFRS, 2005, p. 92.
[22] ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 93.