CADE

Voto de Cristiane Alkmin com cálculo de vantagem auferida

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Capítulo 1

Empresas prejudicaram distribuição de GLP no Estado do Pará

PROCESSO ADMINISTRATIVO no 08012.002568/2005-51

Representados: Liquigás Distribuidora S/A (ex-Tropigas), Supergasbras (ex-Minasgás Distribuidora de Gás Combustível Ltda) e Paragás Distribuidora Ltda.

Advogados: Antônio Garbelini Júnior, Christiane R. Pantoja, Ângela Burgos Moreira, Fernanda Pulcherio de Medeiros Campos, José Arnaldo da Fonseca Filho, Alessandro Marius O. Martins, Joyce Ruiz Rodrigues Alves e outros.

Relator: Conselheira Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt

EMENTA: Processo Administrativo. Mercado de distribuição de gás liquefeito de petróleo (GLP) no Estado do Pará. Cartel hard core, fixação de preços de revenda e recusa de contratar. Pareceres da SDE, da ProCade e do MPF pela condenação de todas as representadas. Celebração de TCCs com Liquigás e Supergasbras. Condenação da representada Paragas. Imposição de multa, nos termos do art. 37, I, da Lei 12.529/2011.

VOTO

VERSÃO PÚBLICA

ÍNDICE

1        Das Partes.

1.1        Representante.

1.2        Representadas.

2        Do Histórico.

2.1        Denúncia.

2.2        Representação da SEAE e instauração de PA pela SDE.

2.3        Defesa da Paragás.

2.4        Instrução do processo administrativo pela SDE.

2.5        Pareceres da SDE, da ProCade e do MPF.

2.6        Termos de compromisso de cessação: Liquigás e Supergasbrás.

3        Da análise das condutas imputadas à Paragás.

3.1        Das preliminares.

3.1.1        Ilegalidade da gravação ambiental e documentos derivados desta.

3.1.2        Desrespeito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

3.2        Conjunto probatório.

3.2.1        Cartel

3.2.2        Fixação de preços de revenda.

3.2.3        Acordos de exclusividade.

3.2.4        Recusa de venda a outros distribuidores.

3.2.5        Distribuição de GLP para revendedores clandestinos.

3.2.6        Conclusão do item 3.2.

4        Cartel: definição, forma de análise e conjunto de sanções.

4.1        Definição e análise: hard core/per se e soft/regra da razão.

4.2        Conjunto de sanções no caso de cartel hard core

5        Do dano em cartel hard core.

5.1        Introdução.

5.2        Métodos de cálculo de dano em cartel hard core.

5.3        Estimação da vantagem auferida e do dano no presente caso.

6        Comentários sobre as alegações finais e o parecer econômico.

7        Da sanção pecuniária.

7.1        Introdução.

7.2        Dosimetria.

7.3        Valor monetário da sanção pecuniária.

8        Da sugestão não-pecuniária.

9        Da conclusão.

 

1. Das Partes

1.1 Representante

  1. Figura como representante a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE), que elaborou a sua representação (nº SEI 0001282, fl. 3/28) com base em denúncia apresentada pela Federação Nacional de Gás Liquefeito de Petróleo (Fergas) sobre a prática de supostas condutas anticompetitivas por distribuidoras de GLP no Estado do Pará no final de 2004.

1.2 Representadas

  1. Figuram como representados as três seguintes empresas: Tropigás Distribuidora S.A. (Liquigas), Minasgás Distribuidora de Gás Combustível Ltda. (Supergasbras), e ParagásDistribuidora Ltda., atuantes como distribuidoras de GLP do Estado do Pará.

  2. Tropigás Distribuidora S.A. pertencia, à época dos fatos investigados, à empresa Agip do Brasil S/A. A marca Tropigás era usada em suas operações na Região Norte do país. Em 2004, a Agip do Brasil S/A foi adquirida pela Petrobrás Distribuidora S/A. Posteriormente, em janeiro de 2005, a Tropigás passou a operar sob a denominação Liquigás Distribuidora S/A, (doravante Liquigás) sendo, atualmente, subsidiária direta da Petrobrás S/A.

  3. Minasgás Distribuidora de Gás Combustível Ltda. é distribuidora de gás GLP com atuação em âmbito nacional. Em 2004, foi sucedida pela SHV Gás Brasil Ltda., que, por sua vez, teve sua razão social alterada para Supergasbrás Energia Ltda. em 2011 (doravante Supergasbrás). Pertence ao Grupo SHV, de origem holandesa, que é o maior distribuidor mundial de GLP.

  4. Paragás Distribuidora Ltda. (doravante Paragás) é o braço da empresa Nacional Gás Butano Distribuidora Ltda. na Região Norte do país. Esta última, por sua vez, é empresa atuante, desde 1951, no armazenamento, envase e distribuição de GLP em todo o Brasil e é integrante do Grupo Edson Queiroz.

2. Do Histórico

2.1 Denúncia

  1. A SEAE, após apurar denúncia encaminhada pela Fergás, concluiu que as representadas teriam estabelecido um cartel no mercado de distribuição de GLP no Estado do Pará. Para assegurar a estabilidade do cartel, as representadas estariam aplicando, conjuntamente, restrições verticais a empresas atuantes no mercado de revenda de GLP, consistentes na: 1) imposição de acordos de exclusividade a revendedores do produto, 2) fixação de preços de revenda, 3) recusa injustificada de venda para revendedores originalmente credenciados junto a outras distribuidoras e 4) venda do produto para revendedores clandestinos, como forma de retaliação às revendedoras legalizadas, mas que não acatassem as condições propostas pelas distribuidoras (além de elevar as barreiras à entrada de novos competidores no mercado de revenda de GLP).

2.2 Representação da SEAE e instauração de PA pela SDE

  1. A SEAE encaminhou inúmeros ofícios a diversos revendedores que, de forma geral, declararam que existia um conluio entre a Liquigás, a Supergasbrás e a Paragás, assim como as demais condutas verticais, explicitadas no item 2.1 deste Voto, por parte das distribuidoras.

  2. Às fls. 184-185, foi acostado DVD contendo gravações efetuadas pela revendedora Gacibel, que contém conversas entre representantes das distribuidoras acertando preços, cujo teor é parcialmente transcrito no relatório conclusivo da SEAE.

  3. Além disso, acompanharam as respostas cópias dos contratos de exclusividade firmados com a Liquigás e diversas notas fiscais e cartas da Supergasbrás e da Paragás em que se recusam a vender GLP para determinadas empresas.

  4. Oficiada, a Fergás declarou que não existiam postos multibandeira no Pará, apesar de a Portaria nº 297 da Agência Nacional do Petróleo (ANP) ter passado a admitir expressamente a prática (fls. 120-128).

  5. Consta dos autos, ainda, representação do Ministério Público (MP) do Pará encaminhada à ANP, relatando que a Paragás e diversas revendedoras credenciadas estariam comercializando GLP para revendedores clandestinos, em descumprimento ao Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado em 31/08/2004. Por meio do referido TAC, distribuidoras, revendedoras credenciadas e em processo de credenciado junto à ANP se comprometeram a extinguir e a reprimir a venda ilegal de GLP [1].

  6. Por fim, aquele MP propôs ação civil pública em face do Estado do Pará com o objetivo de exigir que fossem tomadas as medidas necessárias para dar cumprimento ao TAC. Além do ressarcimento dos danos morais, o órgão ministerial requereu que o Poder Público fosse obrigado a repreender a prática criminosa, instaurando o competente procedimento administrativo e realizando todos os demais atos inerentes à atividade policial.

  7. Em 19/abril/2005, com base nas análises encaminhadas pela SEAE, a Secretária de Direito Econômico (SDE) abriu um Processo Administrativo (PA) contra a Liquigás, Supergasbras e Paragás com o objetivo de apurar a prática de diversas infrações à ordem econômica, passíveis de enquadramento no art. 20, I e III c/c art. 21, I, III, IV, V, XI, XII, XIII e XIV, ambos da Lei 8.884/94 (correspondentes, na Lei n.º 12.529/11, ao art. 36, I e III c/c art. 36, §3º, I, “a” e “c”, III, IV, IX, X, XI, XII), conforme Despacho de Instauração nº 299 da SDE (nº SEI 0001291, fl. 793).

  8. Mais especificamente, a SDE sugeriu que fosse instaurado PA para apurar se houve:

I.formação de cartel entre as representadas (art. 36, I);

II.imposição de acordos de exclusividade por parte das distribuidoras aos seus revendedores e em que medida essa prática foi imposta com vistas a possibilitar eventual divisão de mercado e manutenção da suposta combinação de preços (art. 36, III e IV);

III.recusa concertada de venda aos revendedores das outras distribuidoras e em que medida essa prática foi imposta com vistas a possibilitar eventual divisão de mercado e manutenção da suposta combinação de preços (art. 36, XI);

IV.fixação conjunta de preços de revenda do GLP (art. 36, IX);

V.práticas por parte das distribuidoras que fomentavam revendas clandestinas no Estado do Pará, com o intuito de retaliar revendedores que não se submetessem ao regime de bandeira única e aos preços de revenda supostamente fixados pelas representadas (art. 36, XII, III, IV).

2.3 Defesa da Paragás

  1. Instaurado o PA, todas as empresas foram notificadas para a apresentação de defesa. Como a Liquigás e a Supergasbrás já firmaram termo de compromisso de cessação, apenas os argumentos suscitados pela Paragás serão descritos nesta seção.

  2. Preliminarmente, a representada alegou que as gravações anexadas aos autos seriam ilícitas por terem sido obtidas sem o conhecimento dos interlocutores e sem autorização judicial, motivo pelo qual todo o feito seria nulo, ante o disposto no art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal. Além disso, com base no art. 372 do Código de Processo Civil e na aplicação da doutrina do “fruto da árvore envenenada”, impugnaram todos os demais documentos produzidos a partir das gravações ilícitas. Sustentaram, ainda, que teria havido desrespeito aos princípios do devido processo legal, contraditório e da ampla da defesa por não ter sido assegurado às partes a possibilidade de se manifestar sobre os elementos probatórios acostados aos autos.

  3. No mérito, concordou com a definição de mercado relevante realizada pela SDE e destacou que a análise antitruste teria de ser refeita, pois, além das representadas, a Fogástambém atuava no mercado. Além disso, devido à elevada dimensão territorial, outras companhias distribuidoras poderiam suprir determinados municípios por meio de representantes. Refutou, assim, que o mercado de GLP seria caracterizado por elevadas barreiras à entrada. Segundo a Representada, a Fogás estaria aumentando, gradativamente, sua participação no mercado e teria capacidade para contestar as representadas, assim como outras empresas que não atuam no Estado do Pará como a Copagás, a Amazongás e a Ultragás.

  4. Alegou, ainda, que o mercado de GLP está sujeito a estrita fiscalização do Poder Público, mesmo após o regime de livre fixação de preços. Ademais, afirmou que o preço do produto de cada distribuidora seria semelhante em razão da similaridade dos serviços prestados, da forma de comercialização e das peculiaridades no mercado.

  5. Apontou também que, em razão do elevado nível de competição no mercado, os revendedores é que imporiam o preço de aquisição de produto (dado o seu elevado poder de barganha), assim como o preço final cobrado do consumidor.

  6. Quanto aos revendedores clandestinos, afirmou que, para a empresa, não é economicamente viável esse tipo de venda, em razão de comercializarem baixas quantidades de GLP. Segundo a Paragás, são os revendedores credenciados que repassam o produto a esses agentes para aumentar sua rede de distribuição.

  7. Sobre a exclusividade, declarou que a empresa jamais havia patrocinado medidas que importassem restrição à competição e que a divisão de mercado seria impossível em razão das próprias características do mercado nacional de GLP. Refutou, ainda, as acusações da SDE relativas à recusa de venda. Segundo a empresa, se determinado revendedor, em algum momento, deixou de ter sua demanda atendida é porque estava inadimplente e/ou não preenchia as condições cadastrais exigidas. Além disso, a nota técnica teria se equivocado ao concluir que a empresa havia se recusado a fornecer o produto ao revendedora da Agip, pois a Paragás teria se limitado a informar as condições em que o fornecimento seria viável. Por fim, ela alega que os pretensos compradores não teriam apresentado autorização específica da ANP para a comercialização de mais de uma marca.

  8. Quanto à prática de cartel, afirmou que os depoimentos dos revendedores são imprestáveis para demonstrar o ilícito antitruste, pois as declarações são contraditórias quanto aos locais das reuniões, além de não haver nenhuma prova de sua ocorrência. Ademais, nenhum preposto da Paragás teria competência para fixar preços, pois os valores seriam definidos pela matriz em Fortaleza.

2.4 Instrução do processo administrativo pela SDE

  1. Após a apresentação das defesas, a SDE emitiu nota de saneamento, rejeitando todas as preliminares arguidas pelos representados e abrindo prazo para que especificassem as provas que pretendiam produzir.

  2. A Paragás deixou transcorrer in albis [2] o referido prazo. Todavia, em sua defesa, já havia protestado pela produção de todas as provas admitidas em direito. Na ocasião, manifestou seu interesse no depoimento pessoal de seu representante legal, na realização de perícias, na oitiva de seis testemunhas e na produção de provas documentais, notadamente o envio de ofícios à ANP para o esclarecimento dos fatos descritos na defesa.

  3. A SDE, contudo, determinou que a representada restringisse o rol de testemunhas, em razão de a Lei 8.884/94 só admitir três oitivas, e indeferiu o pedido de provas pericial e documental ante sua generalidade. Ressalvou, contudo, a necessidade de encaminhar ofícios à ANP para que a Autarquia apresentasse dados relativos ao mercado de GLP dos principais municípios do Pará, em especial sobre os preços de revenda e de distribuição assim como sobre as respectivas margens.

  4. Em 09/abril/2010, a representada Paragás apresentou o rol de testemunhas devidamente corrigido (fis. 1155-1156). Em seguida, a SDE encaminhou ofícios às testemunhas arroladas para que comparecessem ao órgão.

  5. Às fls. 1517-1518, foi acostado termo de depoimento do Sr. José Crisótomos Frota Filho, testemunha indicada pela Paragás, que, em linhas gerais, negou a existência de cartel. Consta dos autos, ainda, termo de depoimento de Silvany Araújo, que exerceu funções de gerente regional da referida empresa entre 2001 a 2009. A testemunha também negou a existência de quaisquer ajustes de preços. Dentre outras coisas, ressaltou que os preços mínimos e máximos eram fixados pela matriz em Fortaleza, que não existia fixação de preços de revenda e que os preços eram diferenciados de acordo com a localização do revendedor. Além disso, negou a imposição de exclusividade. De forma semelhante, Raimundo Soares Resende Filho, presidente do SINCEGÁS e revendedor na Paragás em Fortaleza, também informou que desconhecia eventual acordo de distribuição de mercado no Nordeste e que cada revendedor estipulava seu preço em razão de seus custos.

  6. Após as oitivas, a SDE encaminhou ofício à 9ª Vara Cível de Belém para que encaminhasse cópia do acordo homologado na ação nº 2004.1.018504-2, ajuizada por revendedores de GLP contra a Liquigás. Segundo as autoras, a distribuidora estaria exigindo cartas de franquia em valores muitos superiores às obrigações principais para impedir a aquisição de GLP de outros fornecedores. Ante a recusa dos revendedores em providenciar a garantia, a Liquigás teria suprimido o pagamento a prazo e estaria exigindo preços excessivos, sem justificativa legítima, o que motivou a instauração da referida ação judicial, que culminou na celebração de acordo.

  7. Em 03/maio/2010, a SDE oficiou a ANP para que esta apresentasse dados referentes ao mercado de GLP no Estado do Pará. Em resposta, a agência encaminhou CD-ROM contendo planilha eletrônica com os dados solicitados.

  8. Em 18/janeiro/2011, a SDE sugeriu o encerramento da instrução e abriu prazo para que as representadas apresentassem alegações finais. Apenas a Liquigás e a Supergasbrás manifestaram-se, enquanto a Paragás deixou transcorrer in albis o prazo fixado.

2.5 Pareceres da SDE, da ProCade e do MPF

  1. Em 29/maio/2012, a SDE publica despacho em que recomenda a condenação de todas as representadas, por ter entendido que as distribuidoras haviam atuado, de forma concertada, no mercado de GLP no Estado do Pará. Além disso, destacou que as representadas teriam se valido de restrições verticais como a fixação de preços de revenda, a imposição de acordos de exclusividade, a recusa injustificada de contratar, assim como teriam criado barreiras artificiais à entrada de novos concorrentes, por meio do fornecimento de GLP a revendedores clandestinos. Enfatizou, ainda, existência de inúmeras características estruturais do mercado que facilitariam a conclusão. Ao final, recomendou a condenação das representadas, ante a violação do art. 20, I e III c/c art. 21, I, II, IV, V, XI, XII, XIII e XIV, ambos da Lei 8.884/94.

  2. Em 3/dezembro/2012a ProCADE [3] também sugeriu a condenação de todas as representadas. Em primeiro lugar, reiterou a licitude das gravações ambientais utilizadas como prova e afastou a existência de violação ao contraditório e à ampla defesa, destacando que as partes tiveram ampla oportunidade de se manifestar sobre o conjunto probatório acostado aos autos. Além disso, apontou que a conduta praticada pelas representadas se tratava de um típico caso de cartel, em que os agentes econômicos fixaram, de forma concertada, os preços de revenda e aplicaram restrições verticais – acordos de exclusividade, recusa injustificada de venda, criação artificial e ilegal de barreiras à entrada – aos revendedores. As gravações ambientais, aliadas às respostas dos revendedores, além das demais provas acostadas aos autos, formariam um acervo probatório robusto, suficiente para demonstrar a prática de infração à ordem econômica pela Liquigás, pela Paragás e pela Supergasbrás.

  3. Em 12/dezembro/2012, o Ministério Público Federal (MPF) também recomendou a condenação das representadas. Antes de analisar as condutas, destacou que não havia óbice à utilização de gravações ambientais, desde que respeitado o princípio da proporcionalidade e que não fossem violados os princípios da privacidade e da intimidade. Afirmou, assim, que as provas decorrentes das gravações ambientais que contribuíram para as conclusões da SDE eram perfeitamente lícitas. Além disso, destacou que as declarações dos revendedores e o documento intitulado “Programação de Visitas e Plano de Trabalho – Área Comercial, produzido pela Agip do Brasil, que tratava da necessidade de “acertar detalhes da política de preços a ser adotada na área” demonstravam a configuração do ilícito antitruste.

2.6 Termos de compromisso de cessação: Liquigás e Supergasbrás

  1. Em 28/agosto/2013, a Liquigás celebrou com o CADE um TCC [4], comprometendo-se a recolher ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDDD) contribuição pecuniária no valor de R$ 17.891.081,00. Além de se abster de praticar condutas colusivas, teve que manter um programa de complianceNão houve reconhecimento ou confissão quanto à matéria de fato e de direito objeto da investigação, em razão de a proposta ter sido apresentada no período de transição para o novo regimento interno.

  2. Vale destacar que a Petrobras adquiriu a Liquigás em agosto de 2004, sendo que o procedimento administrativo foi instaurado pela SEAE em julho de 2004. Nas palavras do Conselheiro Relator do Requerimento, Ricardo Machado Ruiz: “me parece claro que não houve participação da Petrobras na conduta investigada, uma vez que até então não era controladora da empresa representada”.

  3. Em 06/agosto/2014, a Supergasbrás também celebrou o acordo com o CADE [5], comprometendo-se a recolher ao FDDD contribuição pecuniária de R$ 10.083.457,66. Houve reconhecendo sua participação na conduta e obrigação de cessação da prática,. Na fixação desse valor, foram considerados: “ (i) a relevância da conduta investigada; (ii) o mercado relevante envolvido e (iii) o fato de já haver um TCC celebrado no âmbito do mesmo processo administrativo”, segundo a Relatora deste TCC, Conselheira Ana Frazão.

  4. Na linha do tempo (Figura 1) sobre o caso em análise pode-se notar que há indícios de cartel a partir da 11/02/2003 até, pelo menos, a instauração do Processo Administrativo feito pela SDE em 20/04/2005. Além disso, observa-se a realização de dois TCCs: um, em 28/08/2013 (Liquigás), e outro em 06/08/2014 (Supergasbrás).

Figura 1 – Linha do tempo de 11/02/2003 até 06/08/2014

3. Da análise das condutas imputadas à Paragás

3.1 Das preliminares

3.1.1 Ilegalidade da gravação ambiental e documentos derivados desta

  1. Preliminarmente, a Paragás, assim como as demais representadas, alegou que as gravações de DVD, nas quais teriam se baseado as conclusões da SEAE, eram ilícitas por terem sido realizadas sem autorização judicial e sem o conhecimento de todos os interlocutores. Além disso, sua autenticidade não teria sido comprovada.

  2. O argumento não prospera. Como ressaltou a ProCade, é pacífico na jurisprudência do STF a licitude de gravações ambientais clandestinas realizadas por um dos interlocutores da conversa, sendo dispensável a autorização judicial na hipótese.

  3. Constatado, assim, que as gravações ambientais foram realizadas por um dos interlocutores da conversa, o qual entregou livremente as gravações ao órgão da defesa da concorrência, não há que se cogitar a ilicitude.

  4. Com efeito, as gravações ambientais não se confundem com as interceptações telefônicas, de modo que, ao contrário destas últimas, as gravações ambientais não estão sujeitas à reserva jurisdicional.

EMENTA: CHAMADA TELEFÔNICA. GRAVAÇÃO FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES. PROVA LÍCITA. A ilicitude na obtenção ou manipulação da fonte probatória conduz à ineficácia absoluta da prova produzida, por força do artigo 5º, LVI, da Constituição, o qual torna clara a ressalva contida no artigo 332 do CPC, alusiva à admissibilidade dos meios de prova moralmente legítimos. Sob o prisma processual, no entanto, esse veto poderá implicar severa limitação do direito à prova, pois exigirá do juiz ignorar fatos seguramente comprovados, por causa da origem da prova. Por essa razão, a ilicitude deverá ser reconhecida quando a obtenção ou manipulação da prova revelar ato manifestamente ilegal, cabendo ao julgador, encontrar o equilíbrio entre a proteção visada pelo legislador constituinte quando impôs a restrição às provas ilícitas, com a garantia de acesso à justiça, a qual traz ínsita a promessa de tutela jurisdicional a quem tiver razão. Consoante entendimento já firmado pelo STF, não se considera ilícita a gravação de conversa telefônica efetuada por um dos interlocutores, mesmo que o outro não seja cientificado, especialmente quando destinada ao exercício de defesa. Sobre o tema vale mencionar a seguinte decisão: STF- AI-AgR 503617 / PR, 2ª Turma, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 04/03/2005. (TRT-3 – RO: 001902014083030000000190-11.2014.5.03.0083, Relator: Cristiana M.Valadares Fenelon, Primeira Turma, Data de Publicação: 12/09/2014  11/09/2014. DEJT/TRT3/Cad.Jud. Página 33.)

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO QUE NÃO ATACA TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIA PROBATÓRIA. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA. PROVA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. CONTROVÉRSIA DECIDIDA COM BASE NO CONJUNTO FÁTICOPROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 279/STF. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

 1. A petição de agravo não impugnou todos os fundamentos da decisão que inadmitiu o recurso. Nesses casos, é inadmissível o agravo, conforme a orientação do Supremo Tribunal Federal. Precedente. 2. O Supremo Tribunal Federal já assentou a inexistência de repercussão geral da questão relativa à obrigatoriedade de observância das garantias constitucionais do processo ante o indeferimento, pelo juiz, de determinada diligência probatória. Precedentes. 3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, após assentar a repercussão geral da matéria, reafirmou sua jurisprudência no sentido de ser válida a gravação obtida por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. Precedente. 4. O exame do recurso extraordinário permite constatar que, de fato, a hipótese envolveria alegadas violações à legislação infraconstitucional, sem que se discuta o seu sentido à luz da Constituição. 5. A resolução da controvérsia demandaria o reexame dos fatos e provas constantes dos autos, o que é vedado em recurso extraordinário. Incidência da Súmula 279/STF. 6. Quanto à alegação de ofensa ao art. 93, IX, da Constituição, o Plenário deste Tribunal já assentou o entendimento de que as decisões judiciais não precisam ser necessariamente analíticas, bastando que contenham fundamentos suficientes para justificar suas conclusões. 7. Agravo regimental a que se nega provimento.(RE 685764 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 07/04/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-075 DIVULG 22-04-2015 PUBLIC 23-04-2015)

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. INVIABILIDADE DE REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS NA VIA DO HABEAS CORPUS. ESCUTA AMBIENTAL REALIZADA SEM O CONHECIMENTO DO INTERLOCUTOR. LICITUDE. AGRAVO IMPROVIDO.

1. A denúncia narrou de forma individualizada e objetiva a conduta atribuída à paciente, adequando-a, em tese, ao tipo descrito no art. 299 do Código Eleitoral. Ademais, há indicação dos elementos indiciários mínimos aptos a tornar plausível a acusação, o que permite à paciente o pleno exercício do direito de defesa, nos termos do art. 357, § 2º, do CE. 2. Não há como avançar nas alegações postas no recurso sobre a inexistência de um mínimo de prova a sustentar as acusações, que, a rigor, não passa de uma tentativa de exame do suporte probatório. Como se sabe, caberá ao juízo natural da causa, com observância ao princípio do contraditório, proceder ao exame dos elementos probantes colhidos e conferir a definição jurídica adequada para o caso. Precedentes. 3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 583.937 QO-RG, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJe de 18/12/2009, cuja repercussão geral foi reconhecida (Tema 237), decidiu pela validade da prova produzida por meio de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores.  4. Agravo regimental a que se nega provimento. (RHC 125319 AgR, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 10/02/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-039 DIVULG 27-02-2015 PUBLIC 02-03-2015)

  1. Além disso, o Judiciário vem afastando expressamente a necessidade de perícia para a identificação das vozes, para efeitos da validade de tal tipo de prova, como revelam os precedentes acostados abaixo:

PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES. LICITUDE DA PROVA. DEGRAVAÇÕES REALIZADAS POR PERITOS. DESNECESSIDADE. NULIDADE DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. IMPUGNAÇÃO APÓS AS ALEGAÇÕES FINAIS. PRECLUSÃO. OCORRÊNCIA. PROVA QUE NÃO INFLUIU NA DECISÃO DA CAUSA. INTELIGÊNCIA DO ART. 566 DO CPP. ORDEM DENEGADA.

1. A gravação realizada por um dos interlocutores é considerada prova lícita, e serve como suporte para o oferecimento da denúncia, tanto no que tange à materialidade do delito como em relação aos indícios de sua autoria. 2. Não há necessidade de que a perícia, ou mesmo a degravação da conversa, seja realizada por peritos oficiais. 3. A nulidade da instrução criminal nos processos de competência do juiz singular, não suscitada até o momento das alegações finais, encontra-se preclusa. 4. Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa. 5. Ordem denegada.

(HC 112.386/RS, Rel. Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), QUINTA TURMA, julgado em 01/12/2011, DJe 03/02/2012) (grifo nosso)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL E PROCESSO PENAL. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO PARÁGRAFO 4º, I, DA LEI 9455/97. PATAMAR ADEQUADO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. PERDA DO CARGO PÚBLICO. EFEITO AUTOMÁTICO DA CONDENAÇÃO. PRECEDENTES. GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. TORTURA. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. REVISÃO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ.

1. A oposição de embargos declaratórios não é suficiente para suprir o requisito do prequestionamento, sendo indispensável o efetivo exame da questão pelo acórdão recorrido, em atenção ao disposto no artigo 105, inciso III, da Constituição Federal, de modo a se evitar a supressão de instância. 2. A perda do cargo, função ou emprego público é efeito automático da condenação pela prática do crime de tortura, não sendo necessária fundamentação concreta para a sua aplicação. Precedentes. 3. De acordo com a jurisprudência desta Corte, é lícita a gravação, por parte de um dos interlocutores, de conversa havida junto a pessoa que, supostamente, vinha empreendendo comportamento que lhe seria constrangedor, não sendo imprescindível a realização da perícia para a identificação das vozes. 4. A análise acerca do enquadramento da conduta dos recorrentes no tipo penal previsto no artigo 1º, I, da Lei nº 9.455/97 demandaria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas na instância ordinária, com o revolvimento das provas carreadas aos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos do enunciado da Súmula 7/STJ. 5. Agravo regimental improvido.

(STJ – AgRg no Ag: 1388953 SP 2011/0059171-2, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 20/06/2013, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/06/2013) (grifo nosso)

  1. Ante o exposto, entendo que as gravações ambientais acostadas aos autos não se revestem de ilicitude, motivo pelo qual afasto a preliminar de nulidade do processo. Desta forma, as demais provas que decorrem das referidas gravações são plenamente lícitas.

3.1.2 Desrespeito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa

  1. A Paragás também alegou que teria havido a violação ao princípio do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, por não ter sido concedida às partes oportunidade para se manifestar sobre as provas acostadas aos autos. Segundo ela, o conjunto probatório teria sido obtido unilateralmente pelo Ministério Público no bojo de procedimento investigatório.

  2. O argumento não prospera. Como argumentado pela ProCade e pelo MFP, a Paragás e as demais Representadas foram regularmente notificadas para a apresentação de defesa, oportunidade em que puderam se manifestar, de forma ampla, sobre todas as provas acostadas aos autos, motivo pelo qual afasto a preliminar de nulidade do processo.

  3. Acresce que a Lei de Defesa da Concorrência admite expressamente a atribuição de caráter sigiloso, no interesse das investigações, aos procedimentos administrativos instaurados pela autarquia. Assim, desde que às partes seja assegurado o direito de se manifestar sobre as provas produzidas, não haverá violação ao contraditório e/ou à ampla defesa.

3.2 Conjunto probatório

  1. Como descrito anteriormente, o PA foi instaurado em razão da existência de indícios de que as Representadas atuavam, de forma concertada, no mercado de GLP no Pará. Para garantir a estabilidade do (1) cartel, as empresas atuaram para (2) fixar preços de revenda, (3) impor acordos de exclusividade com revendedores, (4) recusar vendas para revendedores vinculados a outras distribuidoras e (5) comercializar gás para revendedores clandestinos, como forma de retaliação aos revendedores que se recusassem a aderir às suas determinações.

3.2.1 Cartel

  1. As principais evidências do cartel consistem em gravações ambientais realizadas por Francisco Antônio Santos, sócio da revendedora Gacibel, em cujo estabelecimento foram produzidas as gravações. As conversas, parcialmente transcritas às fls. 13 e 15 pela SEAE, registram conversas entre representantes de distribuidoras de GLP no sentido de combinar preços e condições de venda.

  2. A primeira das duas gravações, datada de 11/02/2003, gravada por Francisco Antônio Santos, envolve uma conversa entre dois representantes da Paragás, os Srs. Pedro Sérgio e Raimundo José Cardoso, gerente comercial e promotor da distribuidora, respectivamente, e o Sr. Francisco Antônio Santos, proprietário da Gacibel. O trecho colacionado abaixo revela que, durante o encontro, os funcionários da Paragás telefonaram para um representante da Supergasbras (ex-Minasgás), chamado Bruno, para discutir os preços cobrados pelo botijão de 13 kg de GLP por seus revendedores:

“”RAIMUNDO —-Não, privada. Um único dono. É uma família. Pra você ter uma ideia ( … ) pra mim poder viajar hoje … o dono tem que assinar. Uma passagem de R$ 72.00 ( setenta e dois reais). Isso é uma questão de comentário. Não é brincadeira, não. (…) Você tem que ver que é um trabalho pra representar eles. Tudo é dinheiro.

PEDRO SÉRGIO —- O Manfrine vai se encontrar com o Bruno agora. PEDRO SÉRGIO —-(ao telefone) Manfrine, você já tá com o Bruno da Minasgás [Supergasbrás]? pó, já são, ahhh vinte pras três. Assim, que você tiver com ele você me liga. Eu tô com uma situação na Guanabara aqui, tá. Aqui tá realmente a R$ 26,00. (…) Já marca pra confirmar. ( … ) Não vá deixar ele sair de mansinho não. (…) Mas, você definiu aonde? ( … ) Via( … )

PEDRO SÉRGIO —-(ao telefone) Alô? Quem fala? Oi, Bruno. Boa tarde. Bruno, você ta com ( … ) e com Manfrine, né? Certo. Bruno, aconteceu uma coisa aqui na Guanabara. Uns pontos seus tá a 26. 

RAIMUNDO —-26 e 25 

FRANCISCO —-26 e 25”.

[Destaques acrescidos].

  1. A segunda gravação, datada de 12/07/2004, também foi gravada por Francisco Antônio Santos, confirma a participação da Paragás no ajuste de preços. Além do proprietário da Gacibel, estiveram presentes à reunião os Srs. Robson Barata, promotor da Supergasbrás, e Mário Moraes Chermont, então promotor da Paragás:

“FRANCISCO —–(ao telefone) X, você pode falar? Eu tô com o Robson aqui da Minasgás [Supergasbrás]. E… E até ( … ) só pra passar a confirmação pra ele. (…) O “x” , segundo ele não tem preço pra colocar a R$ 20,00 no mercado. (…) FRANCISCO —- (ao telefone) Como é que ele compra a 23 e pouco e põe a 20. Eu só gostaria ( … ) (…)Vou te perguntar uma coisa. Você constatou também o preço de 20 dele aí? Constatou? E o Fábio mesmo. ( … ) só dá um OK. Só dá uma palavrinha com o Robson aqui, vou passar pra ele. 

ROBSON —-(ao telefone) Alô! Como é que tá? ( … ) O que é que houve? Ah, ele ofereceu, não vendeu. Ah, até que eu queria até depois, tipo, dar uma passadinha lá no Fábio pra saber. Onde, onde que foi? E, também tem que ver isso porque ele não vendeu. Ah, então tá bom. Ou o cara tá jogando com vocês ou ele tá de graça. E, eu tô sabendo. Falou, valeu. ( … ) 

ROBSON — ah, então ele não vendeu.

FRANCISCO —–Não vendeu mesmo não.

ROBSON —- Não (…) ele ofereceu.

FRANCISCO —-de graça há (…) Uma semana e quinze dias não dá vinte. A gente é obrigado a cobrir o que tem (…)

ROBSON —- Mas, sabe o que acontece também? Eu fiquei sabendo, mas só que por outro lado, o revendedor dele fica muito prejudicado. Porque eu vou te dizer assim. Porque as multas que eles queriam lançar eram absurdas(…) Uma multa de 40 mil. (…) Volta aquela história, a corrupção. O cara vai lá, pó, R$20 mil numa multa, o cara diz assim: vai me quebrar. Aí, o próprio sindicato vai dizer assim: não, dá uma força pro cara e libera. Paga lá o cara ( … )

MÁRIO —– ( …) Mesmo assim, vamos supor que seja 20 mil, aí morri em 5 mil, aí tem a segunda, mais 5 mil, mais a terceira, 5 mil e ai? Não dá, o cara quebra.

FRANCISCO —– ( …) Tem que ser numa porrada só(…) Botou clandestino, Cadeia. Pega algum pra ver se aparece alguém mais pra botar. (…)

ROBSON —-O problema é que não tem a integração pra fiscalização. Se você pegar a ANP, a ANP são dois caras. A não ser que fizesse um, se pegasse o governo do Estado. Pegasse junto com a polícia militar, polícia civil (…), corpo de bombeiros (…)

MÁRIO — O bombeiro é tão corrupto quanto…

ROBSON —- Todos são. (…)

ROBSON —- O corpo de bombeiro é um dos órgãos que mais poderia fiscalizar. (…)

ROBSON —- Todo mundo precisa comprar gás. (…) ROBSON —-Vamos fazer o seguinte. Qual é o melhor preço pra trabalhar? É vinte e sete?

MÁRIO — Cara, eu acho que

ROBSON —- Como é que era antes? Desculpa ai.

FRANCISCO —– Olha, amigo, o gás tinha preço final de trinta. Mas botava, se botava a vinte e seis. 

MÁRIO — O mais barato a vinte e sete, clandestino. 

FRANCISCO —– Era o mais barato, vinte e sete. (…) 

FRANCISCO —–Vinte e sete? 

ROBSON —- Vinte e sete, vinte e oito. Por mim 

MÁRIO — Vinte e sete ou vinte e oito. Vinte e sete é melhor. 

ROBSON— Boto vinte e sete”.

  1. O trecho transcrito acima não deixa dúvidas da existência do cartel. Durante a conversa, o promotor da Paragás pergunta expressamente ao representante da concorrente (Supergasbrás, ex- Minasgás) qual seria “o melhor preço para trabalhar”. Ao final, resolvem que o valor deveria ser estabelecido em R$ 27,00.

  2. Além das gravações ambientais, o documento intitulado “Programação de Visitas e Plano de Trabalho – Área Comercial” (fl. 778) também comprova a existência da colusão. No referido documento, a Liquigás registrou a realização de uma “reunião com congêneres”, ocorrida em 14.02.2003, para acertar “detalhes da política de preço a ser adotada”:

3.2.2 Fixação de preços de revenda

  1. Os diálogos também demonstram claramente que as distribuidoras definiam os preços de revenda de seus revendedores, de forma concertada. De fato, como apontou a SEAE, a fixação de revenda, aliada às demais condutas verticais, fazia parte da estratégia geral de manutenção do cartel na etapa anterior (distribuição) de comercialização do GLP no Pará.

  2. Além das gravações ambientais, diversas declarações dos revendedores corroboram a conclusão. Com efeito, praticamente todas as empresas oficiadas pela SEAE declararam que os preços cobrados do consumidor final eram fixados, de forma coercitiva, pelas distribuidoras, que ameaçavam retaliar os revendedores que se recusassem a observar as determinações.

a) Total Distribuidora: (…) temos certeza que existe acordo de preços combinado entre as empresas, Inclusive os 3 (três) promotores sendo um de cada marca, em conjunto nos visitavam assim como aos demais revendedores, e impunham os preços que tínhamos de praticar, inclusive estabelecendo rotas para veículos, de forma que um não entrasse na área do outro, do contrário, seríamos penalizados, a exemplo do que vem ocorrendo com a nossa firma desde Janeiro de 2003.

b) AL Barreto CV Lopes: (…) tenho conhecimento de acordos entre as distribuidoras Agip do Brasil e Nacional Gás Butano, estes acordos sempre foram notórios e comentados entres promotores de vendas das referidas distribuidoras, porém não possuo provas, pois no dia em os gerentes se encontram no Aeroporto Val de Cans fomos impossibilitados por funcionários das referidas empresas de registrar o encontro através de fotografias.

c) E. Borges: Essa era uma prática muito comum e de muitos anos, sempre que tinha aumento de produto era de praxe reunirem todos os promotores e revendedores das três companhias para acertarem preços e se o revendedor não fosse era retaliado com preços diferenciado dos outros. E é importante frisar que isso nunca funcionou. Quando terminava a reunião o próprio promotor dizia para não obedecermos a acordo nenhum e que o preço seria aquele determinado por ele.

d) F.M. Valeriano Lopes: Sempre que há reajuste no preço do gás os promotores que hoje se denominam consultores de vendas de todas as distribuidoras se reúnem para decidirem o preço que vai ser praticado em cada região, nós revendedores somos obrigados a acatar, caso contrário sofremos retaliações diversas, tais como: reajuste de preço na compra, as outras distribuidoras ordenam que seus revendedores vendam num preço muito baixo até que se cumpra o preço por elas determinado.

e) M.V. Alves: Várias reuniões eram promovidas a fim de haver combinação de preços. A revendedora era sempre solicitada para participar. (…)

As reuniões promovidas para tal finalidade, aconteciam sempre com a presença de promotores de vendas das distribuidoras.  Da Agip do Brasil S/A o senhor Beckman e da Paragás, o senhor Roberto Cruz. (…) Elivaldo Trindade da Silva (Gerente Regional), se fazia presente em nossa região somente quando haviam (sic) invasão de postinhos clandestinos nas cidades vizinhas. (…)

Não havia data determinada. As reuniões eram marcadas mediante a algum problema ocorrido ou quando surgia aumento de preços.  Acontecia sempre em restaurantes desta referida cidade. (Restaurante Vitoria e Restaurante Solar do Caeté). (…).

O reajuste dos preços ficava sempre a cargo das distribuidoras após as reuniões de fixação de preços. E os esclarecimentos eram dados por intermédio de telefonemas.  (…) 

Sim, os preços estabelecidos pelas distribuidoras tinham que ser aceitos, caso contrário a revendedora era sempre nomeada como causadora de problemas e sempre propensa a sofrer possíveis retaliações por parte das distribuidoras.

A.L. Barreto C.V. Lopes (2ª resposta a ofício): Desde que a nossa revenda atua no mercado é que temos conhecimento de acordos de preços entre as três companhias (Agip do Brasil S/A, Paragás/ Butano e Minas gás) combinando preços entre si através de gerentes e promotores de venda em reuniões.

Depois das decisões tomadas nestas reuniões os promotores de vendas das três companhias saem juntos colocando os preços de revenda nas portarias de todas as revendedoras.

O participante destas reuniões é difícil citá-los, pois depende sempre de quem está assumindo o cargo, na última reunião estavam presentes os seguintes representantes das companhias:

ELIVALDO TRINDADE (GERENTE DE VENDAS AGIP DO BRASIL S/A), BRANDINI SARAIVA (GERENTE DE VENDAS PARAGÁS/BUTANO) e CARLOS ALBERTO (GERENTE DE VENDAS MINAS GÁS)

Eles nomeiam estes acordos de preços como ‘ACORDO DE CAVALHEIROS’. Temos conhecimento de que estas reuniões eram autorizadas e orientadas por representantes superiores das companhias, como gerentes regionais e superintendências, citam: GLAUCIO CRAVEIRO (GERENTE REGIONAL AGIP DO BRASIL S/A), COVAS (SUPERINTENDENTE AGIP DO BRASIL S/A), TADEU CARRARA (GERENTE REGIONAL PARAGAS/ BUTANO), RICARDO REIS (GERENTE REGIONAL MINAS-GÁS)

Antes do governo Lula estes acordos de reajustes de preços aconteciam de três em três meses, hoje com o governo Lula estes acordos e reajustes ocorrem quando existem guerra de preços.

As retaliações que ocorrem quando alguma revendedora se nega a reajustar os preços são as seguintes: AUMENTO DO PREÇO NA COMPRA DO GLP, RETIRADA DO PRAZO PARA O PAGAMENTO DO GLP, INVASÃO DAS NOSSAS ÁREAS DE ATUAÇÃO DA REVENDA POR OUTROS REVENDEDORES E ATÉ MESMO PELAS PRÓPRIAS COMPANHIAS, COM PREÇOS BAIXOS E ABASTECENDO ESTABELECIMENTOS CLANDESTINOS”.

  1. Embora os efeitos da fixação de preço de revenda sejam considerados ambíguos pela literatura econômica e pela jurisprudência nacional e estrangeira, em razão de a prática estar associada tanto a efeitos anticompetitivos como procompetitivos, no caso em exame [6]verifica-se que a medida era utilizada para reforçar a estratégia colusiva das representadas, logo, com uma indubitável intenção anticompetitiva.

  2. De fato, como explica Paula Forgioni [7], a imposição de preços de revenda torna mais provável a cartelização tanto no mercado em que atua o fabricante (entremarcas) quanto no das distribuidoras da mesma rede (intramarca). No primeiro, a prática garante o respeito ao cartel, desestimulando a concessão de descontos secretos e reduzindo os efeitos desestabilizadores da concorrência intramarca.

  3. No caso em exame, verifica-se que a Paragás não apresentou nenhuma justificativa legítima para a conduta, de modo que a fixação dos preços aos revendedores também se revelou ilícita, por ter funcionado como estratégia para a manutenção do cartel. De certo, quando as restrições verticais são praticadas por integrantes de um cartel, é possível concluir pela inexistência de efeitos compensatórios e/ou benéficos à livre concorrência.

3.2.3 Acordos de exclusividade

  1. Antes da introdução da Portaria ANP n. 297/03 havia a obrigação de que cada revendedora estivesse credenciada a apenas uma distribuidora e que recebesse GLP somente desta. Com a edição daquela portaria, tornou-se possível para uma revendedora ser multibandeira, ou seja, comprar GLP de mais de uma distribuidora.

  2. Essa nova dinâmica de mercado, porém, faria diminuir a margem das distribuidoras, o que causou descontentamento nas distribuidoras de GLP. No afã de manter dita margem, as Representadas passaram a exigir que seus revendedores cadastrados assinassem contratos de exclusividade, a fim de manter a divisão de mercado estabelecida outrora legalmente (só que agora, liderada pelo cartel), e que os revendedores dos demais membros do cartel não pudessem comprar dos “não cadastrados” (isto é, as distribuidoras se recusavam a vender injustificadamente aos revendedores credenciadas aos demais membros do cartel).

  3. Algumas revendedoras, portanto, acabaram por assinar tais acordos de exclusividade, pois as que não o faziam sofriam vários tipos de retaliações, dentre elas a alteração das condições de pagamento, para condições muitos custosas para a revendedora, ou mesmo a venda direta feita pela Distribuidora nos pontos de revenda das empresas dissidentes, a preços que inviabilizariam os negócios destas.

  4. É incontroverso – como será visto a seguir pelas denúncias, respostas a ofícios e depoimentos – que as distribuidoras aqui referidas assinaram contratos de exclusividade com as suas respectivas redes de revendedores e se recusaram a vender para as não credenciadas. A imposição de celebração desses acordos, no entanto, foi praticada para manter a divisão de mercado pelo cartel estruturado entre Paragás e demais Representadas.

  5. De fato, houve respostas a ofícios, corroborando este ponto, de recusa de venda, tais como:

(i) Distribuidora Total Ltda. (Agip), de Belém/PA. “Existe pressão por parte das 3 (três) distribuidoras, Liquigás, Paragás e MinasGás para que nenhuma distribuidora abasteça o revendedor da outra, haja visto (sic) que ninguém conseguiu comprar em mais de uma bandeira. (…) Temos certeza que existe acordo de preços combinado entre as empresas, inclusive os 3 (três) promotores sendo um de cada marca, em conjunto nos visitavam assim corno aos demais revendedores, e impunham os preços que tínhamos de praticar, inclusive estabelecendo rotas para veículos, de forma que um não entrasse na área do outro do contrário seríamos penalizados, a exemplo do que vem ocorrendo.” (negrito nosso) (resposta ao Oficio n°08070/2004 COGDC-DF/SEAE/MF).

(ii) Antônio R. K. Reis (Agip), de Belém/PA “(…) Depois de termos sido prejudicados, procuramos outra distribuidora de gás para que nos atendesse (PARAGAS e MINASGAS), mas apesar de vários telefonemas e fax, não obtivemos resposta positiva, ficando descartada a compra de gás junto a essas duas companhias” (negrito nosso). (resposta ao Ofício nº 08068/2004 COGDC-DF, SEAR/MF).

(iii) Andrade Batista & Cia Ltda./ Lig Gás (Agip), de Belém, PA. “Sobre a tentativa de adquirir produtos de outra distribuidora: Pensamos em adquirir, mas não chegamos a formalizar o pedido, pois estava claro que não seria aceito. (grifos nossos) (resposta ao Oficio n° 08067/2004 COGDC-DF/SEAE/MF).

(iv) Kuroki & Silva Ltda. (Agip), de Belém/PA. “Sim, solicitamos para as outras companhias Paragás e Minasgás [Supergasbrás] o pedido de compra obedecendo a nova portaria e nos foi negado.” (negrito nosso) (resposta ao Oficio n° 08078/2004 COGDC-DF/SEAE/MF).

 (v) D. C. Lopes Ltda. (Agip), de Marituba/PA. “Sim, tentei comprar da Nacional Gás Butano (Paragás) mas não obtive sucesso.” (negrito nosso) (resposta ao Oficio 11°08069/2004 – COGDC-DF/SEAE/MF).

 (vi) E. Borges Distribuidora Ltda. (Agip), de Belém/PA “Sim, solicitamos para as outras companhias Paragás e Minasgás [Supergasbrás] o pedido de compra obedecendo a nova portaria e nos foi negado.” (negrito nosso) (resposta ao Oficio n° 08071/2004 COGDC-DF/SEAE/MF).

  1. Além das respostas acima, há denúncias à referida imposição de exclusividade:

“Sobre pressão exercida para manter exclusividade à distribuidora: Tivemos que assinar um contrato de uso de marca que antes da portaria não existia, tentamos discutir os termos do contrato, mas fomos informados que este contrato era padrão e não poderia ser negociado. Sobre se acatamos a imposição da distribuidora: aceitamos e assinamos o contrato.” [8] (grifos nossos).

“Após a portaria 297 de 18/11/2003, a companhia que na época era Agip do Brasil S/A, nos obrigou a assinar contratos absolutamente leoninos e que ignorava até a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor e se não assinássemos sofreríamos retaliações e sanções (sic) por parte dela, foi o que ocorreu. Começaram pelos prazos, pegaram todos os nossos clientes (argumentando uma série de infâmias a respeito de nossa empresa) e por estas e outras é que hoje corre um processo na justiça em nosso Estado”. [9] (grifos nossos).

“A situação ficou ainda pior com a liberação da chamada MULTI-BANDEIRA portaria nº 297 de 08 de novembro de 2003, porque chamaram-nos para assinar um contrato unilateral que só beneficiava os mesmos, o qual não aceitamos e recusamos a assinatura dos mesmos, como retaliação eles aumentaram ainda mais os nossos preços e colocaram ainda mais distribuidores em nossa área, e até alugaram caminhões e foram para [sic] vende GLP mais barato para os consumidores do que os representantes ficando nossas empresas praticamente falidas… ” [10]

“Agip obrigou todos os revendedores a assinar contrato de venda e carta de fiança nas quais são claras as imposições de exclusividade de venda do produto (…) Não acatei a imposição de exclusividade e por isso minha empresa foi retaliada da seguinte forma: – Aumento de preço do gás de
R$ 23,00 para R$ 24,83 por botijão de 13 Kg – A Agip do Brasil colocou caminhões da sua propriedade revendendo gás ao consumidor final ao preço de R$ 25,00 (…). Na minha área usou o representante Alex Borges proprietário da empresa Ted Gás para revender o gás ao consumidor final a R$ 25,00 (…). ” [11]

“A distribuidora induziu a própria revendedora a assinar um termo de fidelidade sem que a mesma pudesse ter conhecimento do tratado. Impôs ainda a assinatura de um termo de compromisso pondo em fiança os próprios bens da revendedora. Esta por sua vez se recusou a assinar, ocasionando retaliações por parte da distribuidora. As medidas usadas foram: Aumento considerável de preço do produto, corte do prazo de pagamento, estipulação de número diário de produto disponível a revendedora (180 botijões), sendo que este número indiscutivelmente poderia se tornar cumulativo. A revendedora que outrora pagava o preço sem problema algum o preço de R$ 780,00 para o recebimento de (600 botijões), acabou entrando em sérios prejuízos por fretes obrigatoriamente diários (…) [12] (grifos nossos).

“Sim, houve pressão. A Distribuidora Tropigás exigiu de seus representantes exclusividade de compra através de uma carta fiança e um contrato de venda em que favorecia apenas a distribuidora. Segue em anexo xerox da carta de fiança e do contrato de outro revendedor que contém o mesmo teor do que foi enviado a mim, pois como me recusei a assinar me obrigaram a devolver todos os documentos. (…). Não acatei. A partir do momento que me recursei a assinar os documentos em anexo o meu preço de compra passou de vinte e três reais para vinte e quatro e oitenta e três centavos por botijão. E no mesmo momento a distribuidora Agip me retaliou colocando os seus caminhões na minha área vendendo ao consumidor final ao preço de vinte e cinco reais (…) o que impossibilitou a minha revenda e me fez entrar na justiça que a obrigou a me vender de vinte e um reais e mesmo assim, no início ela se recusou, porém, após as sanções e ameaças de multa a distribuidora passou a vender ao preço solicitado pela justiça. ”[13] (grifos nossos).

  1. Por fim, cabe apresentar a resposta da Fergás ao Ofício nº 07923/2004 encaminhado pela SEAE que sugere que a estratégia para impedir a instalação de postos multibandeira estaria sendo eficaz, ante a inexistência de revendedores que comercializassem mais de uma marca:

“Conforme informações da própria Agência Nacional de Petróleo, confirmadas através do site da mesma, até o presente momento não existe nenhuma empresa autorizada a atuar como multibandeira no estado do Pará (resposta ao Ofício n º 07923/2004 COGDC-DF/SEAE/MF).

3.2.4 Recusa de venda a outros distribuidores

  1. As respostas da Pargás e da Supergasbras, que seguem abaixo, revelam que a recusa de fornecer estava revestida de caráter anticompetitivo, sem motivação clara e com argumentos duvidosos.

  2. É o que se depreende da carta encaminhada pela Supergasbras ao revendedor Antônio Reis:

“Acusamos o recebimento de sua correspondência de 20 de maio de 2004. Estranhamos que, de forma quase simultânea, diversos revendedores de GLP não credenciados pela Minasgás, demonstraram, também através de correspondência, súbito interesse em adquirir gás desta empresa. Todos, inclusive V. S, requisitaram informação sobre preço de venda de GLP, quando, qualquer relação comercial principalmente de produtos perigos (sic), não se estabelece com a simplicidade que se lhe quer dar. Em razão de tais fatos, somos induzidos a crer na pouca seriedade dos pedidos em tela, motivo pelo qual desconsideramos como proposta firme e certa o teor da sua correspondência acima citada.

Atenciosamente, Roger Morgado Carvalho MINASGAS BELÉM” (ou Supergasbras), (negrito nosso).

  1. Em resposta à E. Borges Distribuidora Ltda., a Paragás limitou-se a informar que a seleção de revendedores era feita pela matriz em Fortaleza e que era necessário passar por um processo seletivo, sem, contudo, discriminar os procedimentos que deveriam ser tomados pela representada. Além disso, na carta diz-se sobre a necessidade de “comprovação de bens livre e desembaraçados de quaisquer ônus” para a garantia de compras a prazo, ignorando o fato de que a revendedora pretendia adquirir o produto à vista. Vale transcrever a solicitação e a resposta da Paragás:

(ii) “À Paragás – Regional Norte. Reiteramos a solicitação do pedido de aquisição de produtos comercializados por esta distribuidora, onde os produtos que serão adquiridos por esta empresa serão com pagamento à vista e ou pagamento antecipado. E no que tange a documentação, equipamentos de segurança e etc, estão dentro da norma vigente; ou seja (portaria 297/03 da ANP). Portanto solicitaríamos apenas o preço para tal transação comercial. Aguardamos o mais breve retorno.

Belém, 13 de maio de 2004. E.Borges Distribuidora LTDA.

À E. BORGES DISTRIBUIDORA LTDA. TV. Maunti, 431, Sacramenta Belém – Pa Prezados Senhores: Respondendo à consulta gentilmente endereçada a esta Distribuidora de GLP informamos que a seleção dos nossos revendedores autorizados é feita pela matriz, em Fortaleza-CE em homenagem a Portaria ANP —297/03, 18/11/2.003. O processo seletivo compreende a avaliação da estrutura socioeconômica da firma comercial pretendente, idoneidade comprovada da pessoa jurídica e de cada um dos sócios, referências bancárias e comerciais, área de atuação, qualidade do atendimento ao consumidor, documentação hábil de empresa revendedora de GLP, inclusive quanto a licença do Corpo de Bombeiros, balança, equipamento de detecção de vazamento de GLP, requisitos mínimos de segurança, etc. Como vê, a relação comercial não depende única e exclusivamente de preço, prazo e condições de pagamento, mas é dependente e posterior ao conjunto documental e ambiental avaliado e aprovado, sendo necessária comprovação de bens imóveis livres e desembargados de quaisquer ônus para garantia de eventual venda a prazo. Acreditando haver satisfeito à honrosa consulta formulada, aproveitamo-nos da oportunidade para renovar a Vossas Senhorias os nossos protestos de elevado apreço e distinta consideração. Cordialmente, Francisco Cláudio C. de Mendonça

Gerente Regional”

  1. Em sua defesa, a Paragás informou que não era obrigada a fornecer para empresas inadimplentes e que, para a atuação como postos multibandeira, era necessária autorização específica da ANP, documento que nenhum dos pretensos compradores teria apresentado. Nota-se, contudo, que a inadimplência não pode ser considerada justificativa legítima para a recusa, na medida em que a E. Borges Ltda pretendia adquirir o produto à vista.

  2. Assim como a Supergasbras, a Paragás também se recusou a fornecer GLP para Antônio Reis, o que reforça a estratégia colusiva. Embora, a resposta da Paragás não tenha sido acostada aos autos, nota-se que o revendedor encaminhou reiterados pedidos de fornecimento, que, ao final, segundo a empresa, não foram atendidos.  Assim como a E. Borges Ltda, o revendedor declarava em sua carta que estava de acordo com a Portaria nº 297 e que o pagamento seria efetuado à vista.

“PARAGÁS – Regional Norte Estamos confirmando nossa solicitação do pedido para compra de GLP 13 kg (gás de cozinha) que são comercializados por essa distribuidora. Informamos que possuímos veículos (caminhões) e vasilhame para retirado dos produtos nessa empresa, e que o pagamento será efetuado à vista em moeda corrente. Antecipo à essa distribuidora que nossa empresa está adequada com a Portaria 297/03 da ANP. Para que possamos concretizar esta transação comercial, aguardamos somente que V. Sas. nos informem urgente o preço que irão nos vender os produtos. Atenciosamente – Belém, 20 de maio de 2004. ANTÔNIO R. K. REIS CNPJ 03.834.755/0001-80”

  1. Embora a recusa de contratar seja uma das infrações de difícil constatação no direito antitruste, no caso sob exame fica evidenciado que esta prática estava sendo utilizada para assegurar a divisão de mercado entre as Representadas. Instada a se manifestar, a Paragás valeu-se de justificativas evasivas que, como visto, corroboram a conclusão.

3.2.5 Distribuição de GLP para revendedores clandestinos

  1. As Representadas foram acusadas de estarem criando dificuldades à entrada de concorrentes e aos que estão no mercado, por meio da venda de GLP a revendedores clandestinos. Nos termos da nota de instauração, haveria indícios de que a que as Representadas estariam vendendo botijões de gás a preços inferiores para revendedores clandestinos, como forma de retaliação contra os demais revendedores.

  2. Dos autos, constam inúmeras fotografias [14] extraídas do procedimento investigatório do Ministério Público que atestariam o abastecimento dos postos ilícitos pelos caminhões das representadas. As fotos mostram caminhões da Liquigás (ex-Tropigás) e de um revendedor clandestino realizando a venda direta de botijões de gás, a R$ 25,00, em datas coincidentes. Ressalta as revendedoras A L Barreto C V. Lopes Ltda. e D. C. Lopes Ltdaque tais vendas se deram logo após a recusa por parte destas de assinar os contratos de exclusividade impostos pela Liquigás (ex-Tropigás), após a edição da Portaria da ANP já referida acima.

  3. Várias das revendedoras oficiadas pela SEAE também acusaram, em suas respostas, as distribuidoras de utilizarem um “esquema paralelo de revenda” (isto é, venda para revendedores clandestinos) para punição e intimidação, como pode ser visto abaixo:

“As retaliações que ocorrem quando alguma revendedora si (sic) nega há reajustar os preços (sic) são as seguintes: – aumento do preço na compra do GLP – retirada do prazo para o pagamento do GLP – invasão das nossas áreas de atuação da revenda por outros revendedores e até mesmas (sic) pelas próprias companhias, com preços baixo (sic) e abastecimentos clandestinos” [15] (negrito nosso).

“Sempre que há reajuste no preço do gás os promotores que hoje se denominam consultores de vendas de todas as distribuidoras se reúnem para decidirem o preço que vai ser praticado em cada região, nós revendedores somos obrigados a acatar, caso contrários sofremos retaliações diversas, tais como: reajuste de preço na compra, as outras distribuidoras ordenam que seus revendedores vendam num preço muito baixo até que cumpram o preço por elas determinado” [16]

  1. Por último, outros indícios dessa prática vieram de investigação conduzida pelo Grupo Especial de Prevenção e Repressão às Organizações Criminosas (GEPROC) do Ministério Público do Estado do Pará, que, em diligência realizada entre os dias 5 e 13 de outubro de 2004, constatou venda de GLP para revendedores clandestinos pelas três distribuidoras Representadas, valendo conferir, no que se refere à Paragás, o trecho abaixo:

“Às 08h57min acompanhamos o caminhão da DISTRIBUIDORA PARAGAS placa HXD-9194 que circulava pelos Bairros da Cidade Velha, Jurunas e Condor, onde flagramos, às 09h27min, descarregando em um depósito clandestino no canal da Trav. 9 de Janeiro, próximo à Av. Bernardo Saião, cerca de quarenta botijões de gás”.[17]

  1. Após uma análise conjunta dos elementos acima, fotografias, respostas a ofícios e diligência realizadas pelo Ministério Público Estadual, constata-se aqui mais uma forma de retaliação contra os revendedores credenciados. Quanto à racionalidade econômica, nos dizeres da SEAE, “a revenda clandestina viabiliza o controle dos revendedores, bem como possibilita o escoamento do sobreinvestimento em botijões, sem qualquer aumento dos custos operacionais. Assim o excesso de botijões funciona como verdadeira barreira artificial à entrada” (fl. 23). Assim, além da clara afronta à regulação da ANP, o conjunto probatório presente nos autos permite concluir que a conduta também configurou uma violação à livre concorrência.

3.2.6 Conclusão do item 3.2

  1. Os elementos probatórios acostados aos autos, portanto, demonstram que a representada Paragás incorreu na prática de cartel, fixando preços com as demais concorrentes, além de ter cometido restrições verticais para reforçar e manter a colusão, impondo preços de revenda, recusando-se injustificadamente a fornecer o produto a determinados revendedores, fazendo acordos de exclusividade e distribuindo a revendedores clandestinos.

  2. Os depoimentos das testemunhas arroladas pela Representada não comprometem a conclusão. Das três pessoas ouvidas pela SDE, duas eram funcionárias da Paragás, o que demonstra seu nítido interesse sobre o deslinde da causa. Além disso, todas atuavam na região Nordeste e não no Estado do Pará, de modo que é possível que não tivessem conhecimento da conduta. Além disso, diante da existência de gravações ambientais em que se discute expressamente a fixação de preços, dificilmente seria possível concluir pela inexistência do cartel tendo como parâmetro unicamente provas testemunhais.

  3. Acresce que a Supergasbrás reconheceu expressamente sua participação na conduta ora analisada no TCC firmado com o CADE no Requerimento nº 09700.008299/2013-98, o que reforça o conjunto probatório em detrimento da Paragás. Demonstrada a materialidade da conduta, é forçoso reconhecer que esta Representada praticou cartel do tipo hard core, com condutas verticais subsidiárias a manutenção da dita prática criminosa.

  4. Com efeito, em casos como este, em que a conduta compreende um acordo entre concorrentes, organizado com a finalidade de fixar preços e/ou dividir mercado, a prova da conduta e de suas especificidades traz consigo, automaticamente, o potencial lesivo que a Lei Antitruste brasileira exige para configuração da infração à ordem econômica. Assim, a análise de outros elementos passa a ser dispensável.

  5. Diferentemente de outras práticas empresariais, acordos entre concorrentes com o objetivo de elevar preços e/ou de dividir o mercado não são capazes de gerar quaisquer benefícios sociais (ganhos de eficiência, aumento de facilidades ao consumidor, etc.), servindo apenas para que os participantes do acordo se apropriem ilicitamente da renda dos consumidores. De fato, enquanto quase todas as práticas submetidas ao escrutínio antitruste podem gerar diferentes benefícios sociais, cartel hard core não se vislumbra qualquer aspecto positivo. Não há razão, desta forma, para realizar uma análise dos efeitos agregados da prática sobre o bem-estar social.

4. Cartel: definição, forma de análise e conjunto de sanções

4.1 Definição e análise: hard core/per se e soft/regra da razão

  1. Cartel é um ilícito administrativo e criminal [18]. Ainda que previsto em lei, sua definição não está presente neste marco legal, mas na primeira parte da Resolução no 20/1999 do Cade. Vale, assim, começar por este ponto:

Definição de cartel pela Resolução 20 de 09/06/99 do Cade: Cartéis são acordos explícitos ou tácitos entre concorrentes do mesmo mercado, envolvendo parte substancial do mercado relevante, em torno de itens como preços, quotas de produção e distribuição e divisão territorial, na tentativa de aumentar preços e lucros conjuntamente para níveis mais próximos dos de monopólio. Fatores estruturais podem favorecer a formação de cartéis: alto grau de concentração do mercado, existência de barreiras à entrada de novos competidores, homogeneidade de produtos e de custos, e condições estáveis de custos e de demanda.

  1. Na tentativa de especificar mais detalhadamente a definição de cartel, pode-se dizer que cartel é uma ação coordenada (explícita ou tácita) entre concorrentes de um determinado mercado relevante [19], com a finalidade de forjar o lucro de monopólio, em que, para isso, seus membros precisam compartilhar algum tipo de estratégia, independentemente do tempo de duração, que, obviamente, é agravada por este. Ambas são premeditadas e intencionais. O que as diferencia são as estratégias. Há dois conjuntos de estratégias possíveis: aquelas entendidas como hard core e aquelas que poderiam ser chamadas como soft (um contraponto ao hard). Vale qualificar, então, estes dois subconjuntos macros de tipos de estratégias (hard e soft).

  2. No tocante ao cartel hard core [20], há três tipos de estratégias, reconhecidamente e inequivocamente danosos para a sociedade, quais sejam: a) quando concorrentes se juntam para fixar preço ou quantidade de um certo bem/produto em um determinado mercado relevante; b) quando concorrentes se juntam para dividir um determinado mercado relevante entre eles, fazendo com que cada um seja monopolista em um dado submercado relevante; e c) quando concorrentes se juntam para combinar como se dará o rodízio dos ganhadores em licitações públicas (bid rigging). Ainda que a primeira parte da Resolução no 20/99 não tenha explicitado de forma direta, interpreta-se que este marco normativo se refira a estes três tipos de estratégias, isto é, as estratégias de um cartel hard core, observando, inclusive, a segunda parte desta mesma Resolução. É, aliás, a descrição do conteúdo do inciso I do artigo 21 da lei n8884/94 ou do inciso I, parágrafo 3o, do artigo 36 da lei n12.529/11.

  3. O intuito deste ato ilícito (cartel hard core) é unicamente aumentar o lucro total do grupo de empresas pertencentes ao conluio, por meio da mimetização de uma situação de monopólio – que é o pior tipo de organização industrial que se pode observar sob o prisma do bem-estar social, em geral, e do bem-estar do consumidor, em particular –, havendo uma transferência de renda do consumidor para o produtor ou para ninguém[21]. Dada uma situação inicial, então, os ganhadores com o conluio são apenas os membros do cartel, pois não se verifica qualquer eficiência econômica com o ato. Pelo contrário: há geração inequívoca de ineficiência social.

  4. O resultado que esse tipo de cartel gera, assim, é a supressão (total ou parcial) da concorrência, resultando em aumento do preço e/ou diminuição da quantidade, na transferência do excedente do consumidor para o produtor e na consequente criação do deadweight loss (DWL), que representam os consumidores que tiveram que sair deste mercado, porque o preço ficou muito acima do que eles poderiam/desejariam pagar. Essa, aliás, é a razão econômica para justificar que cartel tenha análise per se[22]. Na verdade, esta é a única condutaanticompetitva que, diante da literatura econômica, pode ser compreendida como per se. Não há qualquer outra conduta (discriminação de preço, fixação de preço de revenda, etc.), assim, que justifique uma análise per se. Somente cartel hard core se justifica.

  5. Deveras, se na análise pela regra da razão faz-se um contrapeso entre custos e benefícios (eficiências) e se um cartel hard core só traz custos sociais, conclui-se que analisar benefícios inexistentes é ilógico. De fato, realizar uma análise pela regra da razão, sob o prisma econômico, só se justifica quando “o possível e o provável custo social” de um ato (seja este derivado de um ato de concentração ou de uma conduta anticompetitiva) puder ser confrontado com as “eficiências” que possam tornar o resultado líquido daquele ato não-negativo[23]. Mas se não há eficiência, por menor que o custo social seja, o resultado líquido será sempre negativo. Esta é a razão econômica para se analisar de forma per se carteis hard core.

  6. É verdade que os artigos 36 e 37 da lei no 12.529/11 não fazem referência explícita ao fato de que uma determinada conduta deve ser compreendida “por objeto” (ou per se). Por isso, a priori, apenas lendo cuidadosamente a lei, não se pode dizer quais as condutas o legislador pensou que pudessem ser interpretadas desta forma, ao impor na lei o “por objeto”, ainda que se possa dizer que, se ele impôs, é porque pensou em ao menos um tipo de conduta. Se, no entanto, a lei (da concorrência) for sobreposta no âmbito do “law and economics”, no ambiente “antitruste”, como diante da teoria econômica, a única conduta que pode ser identificada como “por objeto” (ou per se) é o cartel hard core, então, quando se lê a lei antitrustehá que se considerar o que a teoria econômica nos ensina. Esse é o mundo do “law and economics do antitruste”, portanto, não se pode fazer uma leitura da lei descolada desta realidade. Esta é a beleza da interação do mérito da lei (law) com os fundamentos econômicos (economics).

  7. Cabe observar que a interpretação per se (ou por objeto) é razoável, independentemente se o cartel tenha sido constituído pelo conjunto total de empresas no mercado relevante ou por um subconjunto destas com a inclusão dos líderes[24]. Vejamos a razão. Se há N firmas no mercado relevante e todas fazem parte de um conluio (para auferir “vantagens indevidas extras”), o dano causado nesta sociedade (que é maior do que a vantagem auferida pelas empresas do cartel) é indubitável. Este é o caso clássico de livro-texto[25]. Se, no entanto, um subconjunto das M < N firmas deste mercado se carteliza, o dano social será tão menor. Ou seja, quanto menor for a “soma das participações de mercado das firmas no cartel”, menor será o dano. Assim, não há que se falar em análise custo-benefício do cartel, mas discutir quanto foi o dano causado por este, isto é, quais foram os seus efeitos nocivos à sociedade.

  8. Uma observação vale ser feita. Não se deve confundir uma análise “pela regra da razão” com o cálculo dos “efeitos do ato ilícito”. Numa análise pela regra da razão há que demonstrar e estimar os “custos e benefícios” para, então, a partir disso, obter o resultado líquido do ato em termos de bem-estar social. No caso do cartel hard core, como não há benefício (eficiência), por economia processual, não há que analisar os custos (isto é, demonstrar a possibilidade e a probabilidade do exercício do poder de mercado em um determinado mercado relevante). Neste caso, basta calcular os efeitos nocivos da conduta à sociedade, através do cálculo de dano, uma vez que este representa o “resultado líquido negativo” do ato ilícito.

  9. Por exemplo: se no mercado relevante há 20 firmas e duas delas, que detêm conjuntamente 20%, se juntam, o dano deve ser menor do que se elas detivessem 60%. Há aí dois pontos: o primeiro, é que, ainda que o dano no primeiro caso fosse menor, este existe, e mais, derivou de um ato ilícito sem apresentar qualquer eficiência para a sociedade. O segundo, que decorre do primeiro, é que a análise segue sendo per se, independentemente da participação de mercado das empresas do cartel.

  10. Em geral um cartel só se forma se as empresas detiverem poder de mercado. Caso contrário, ainda que teoricamente seja possível empresas com baixa participação de mercado se juntarem (e que do ponto de vista legal ou jurídico elas tenham que ser multadas pelo crime cometido), do ponto de vista econômico, como este cartel não deve ser exitoso, este não deve se formar. Há custos não desprezíveis em fazer, monitorar e coordenar um cartel hard core e as empresas (racionais e maximizadoras de lucro) não vão se aventurar em formar um cartel que tenha baixa probabilidade de êxito (desde que entendam as consequências deste ato). Se a estratégia de cartel não tiver elevada probabilidade de aumentar contundentemente os lucros dos participantes, seria curioso que houvesse incentivo por parte destes em cometerem um ato anticompetitivo e criminoso, considerando que os agentes econômicos são racionais (como no exemplo 1 acima).

  11. Pode-se argumentar, então, que, mesmo para carteis de mesma duração, as sanções pecuniárias[26] devem ser distintas em cada uma das situações do exemplo exposto acima, pois os danos são distintos. Totalmente de acordo. É a proporcionalidade do ato ilícito. Essa é a razão, vale comentar, para se cobrar sanções pecuniárias de acordo com o real dano causado por uma determinada empresa para a sociedade. Cobrar um valor, de acordo com um critério contábil arbitrário, isto é, conforme um percentual estipulado de forma exógena por lógica desvinculada ao dano causado (por uma dada empresa à sociedade) é “injusto” e desprovido de racionalidade econômica. Destarte, se o tema antitruste é da área do law and economicse não do law and accounting, é interessante que a sanção tenha relação com o dano cometido.

  12. Afinal, quando as sanções pecuniárias não derivam de uma função do dano causado à sociedade, pode-se cometer erros de se estar cobrando além ou aquém da “sanção adequada” para aquele dano que foi causado à sociedade.

  13. De fato, em geral, um cartel hard core é deveras danoso, tanto no upstream, com efeitos em toda a cadeia, quanto no downstream, com efeitos diretos para os consumidores finais (difusos). O cartel do cimento, condenado em 2013 no Cade, é um bom exemplo de cartel no upstream. Aumentou-se o preço do insumo para as construtoras, que, por sua vez, repassaram para os compradores de casas, apartamentos, lojas, etc., prejudicando, assim, os consumidores finais. Se uma sanção pecuniária tivesse que ser calculada, ela deveria considerar não somente o preço mais elevado que parte dos consumidores passaram a pagar, mas aqueles que tiveram que deixar de consumir também (refletidos no DWL).

  14. Além dos cartéis hard core, há também os que poderiam ser chamados de cartéis soft (sendo o nome dado apenas para fazer o contraponto do hard). Estes, apesar de na prática serem chamados de cartel e, de fato, poderem resultar em graves danos para a sociedade, podem não ter uma definição precisa, como tem o cartel hard core. A Resolução no 20 não foi pensada para estes casos e, na minha humilde interpretação, nem o inciso I do artigo 21 da Lei no 8.884/94 ou o inciso I, parágrafo 3o, do artigo 36 da Lei no 12.529/11, que, por isso, não deveriam ser usados para descrever um cartel soft[27].

  15. Diferentemente do cartel hard core, esses cartéis soft podem ter diversas outras estratégias, muitas vezes não previstas na literatura econômica e que podem apresentar algum tipo de eficiência no ato ilícito, como, por exemplo, apresentar poder compensatório, um tipo de eficiência. A motivação pode advir, por exemplo, do desejo de diminuir a assimetria de informação entre um grande número de ofertantes em um determinado mercado, o que foge ao “espírito” dos mercados concentrados, oligopolizados do hard core.

  16. Exemplos de soft cartel: (1) conduta para promover ou influenciar[28] uma conduta de terceiros concertada entre concorrentes (inciso II, do parágrafo 3o do artigo 36); (2) conduta concertada entre concorrentes para enviar cartas de descredenciamento (ex: por hospitais a planos de saúde); (3) conduta concertada entre concorrentes para expulsar players do mercado via preço predatório conjunto; (4) conduta concertada entre concorrentes para contratar uma firma de consultoria (contabilidade, publicitária, jurídica, econômica, etc.) para fazer análises, com o objetivo de diminuir o custo de cada um dos concorrentesetc.

  17. Se há possibilidade de eficiência, destarte, não há que se falar em condenação per se (ou por objeto), sendo sempre necessário balancear “os custos versus os benefícios” da conduta[29], para, assim, alcançar o efeito final. A análise nos casos de soft cartel deve ser feita pela regra da razão, portanto, porque, como dito, pode haver uma ação genuína e de boa-fé dos agentes envolvidos. No caso da ação de associações de classe ou de sindicatos, estas podem querer compensar um poder de mercado pré-existente, gerando, talvez, alguma eficiência. É preciso que o caso, assim, seja analisado pela regra da razão[30].

  18. Não é possível relatar as infinitas estratégias que as empresas, agentes ou entidades do mesmo setor podem fazer conjuntamente. O que é possível afirmar é que, excluindo-se os casos hard core, uma “ação coordenada” deve ser tratada pela regra da razão, dado que a literatura econômica só logra afirmar que haverá indubitavelmente custo social líquido no caso do cartel hard core. O dano deve ser estimado, considerando-se as idiossincrasias de cada caso, para servir como base para o cálculo da sanção pecuniária[31].

  19. Nesta vertente, diferentemente do cartel hard core, as condutas que chamo de soft cartel (apenas para fazer um contraponto à palavra hard) não deveriam ser tipificadas no inciso I do artigo 21 da Lei no 8.884/94 ou no inciso I, parágrafo 3o, artigo 36 da Lei no 12.529/11. Os demais incisos, apesar de terem interpretação de “condutas unilaterais”, em nenhum momento se exclui a possibilidade de estas condutas serem “coordenadas”.

  20. Esta breve digressão sobre cartel objetivou trazer ao debate reflexões sobre o tema, não tendo por objetivo criticar interpretações de Conselheiros (do presente Tribunal ou do passado) ou de colegas que militam na área. De fato, é um assunto com aspectos controversos e argumentos interessantes, que precisam ser mais debatidos. Afinal, no Brasil, não é consenso que cartel hard core devesse ter análise “por objeto” ou que o cartel soft devesse ser analisado pela “regra da razão”. São, assim, apenas pontos para reflexões, que podem resultar em futuras melhoras nos artigos 36o e 37o da lei no 12.529/11 ou da própria Resolução no 20.

  21. No próximo subitem, faz-se outra digressão, desta vez sobre sanções.

4.2 Conjunto de sanções no caso de cartel hard core

  1. Cartel hard core tem ao menos três temas distintos de discussão: o primeiro é aquele relativo ao conjunto probatório da conduta, que pode se dividir em provas diretas e indiretas (neste subgrupo encontra-se a “doutrina do paralelismo plus[32]). O segundo trata do tipo de análise: se pela regra da razão ou se pela regra per se. O terceiro tema, por fim, é o conjunto de sanções. No item anterior, fez-se uma digressão sobre o tópico dois. O texto que segue trata do terceiro assunto. O primeiro tema foi discutido por mim em voto vogal do PA n08012.008855/2003-11.

  2. conjunto de sanções de um cartel hard core refere-se a sanções pecuniárias e não-pecuniárias e diz respeito a três esferas: 1) administrativa (Lei n.º 12.529/11, artigos 36, 37 e 45 – Cade – vale para pessoas jurídicas e físicas); 2) penal (Lei n.º 8.137/90, artigo 4o – Judiciário – vale para pessoas físicas apenas); e 3) civil (Lei n.º 10.406/02, Título IX e Lei 7.347/85, art. 1º,V, – Judiciário – vale para pessoas jurídicas e físicas). As sanções e reparações de dano a serem aplicadas são em função de lesão aos direitos difusos (livre concorrência) ou aos direitos de particulares (a sociedade, na figura das empresas e dos indivíduos, lesada diretamente e especificamente pelo ilícito). Interessante observar que em duas das três esferas (administrativa e civil) é sempre oportuno estimar o dano causado pelo cartel, para que seja o principal referencial para as sanções pecuniárias a serem impostas, ainda que as esferas sejam independentes. Mesmo na esfera penal, porém, que tem caráter punitivo (e não ressarcitório), calcular o dano pode contribuir para que o Juiz forme sua convicção acerca de qual sanção pecuniária deve impor[33]. Isso traz, ao menos, objetividade e lógica econômica, caso o objetivo seja punir. Além disso, permite que as partes possam se defender calcada em parâmetros mais precisos.

  3. Cabe notar que, não obstante o Ministério Público (MP) tenha papel de custos legis[34] nos processos administrativo e cível, e tenha legitimidade ativa (ser o autor da ação) nas esferas criminal e cível (nesta última, ele agindo quando há lesões a direitos difusos e coletivos, oriundas de uma conduta anticompetitiva), cabe observar que nenhuma instituição é mais qualificada do que o Cade para estimar o dano causado à sociedade acerca de qualquer comportamento anticompetitivo, uma vez que esta é a sua especialidade. Desta forma, conquanto as três esferas sejam independentes (logo, sabe-se que não há qualquer ordem nas condenações e imposição de sanções), no caso particular de cartel hard coreseria deveras conveniente que houvesse uma coordenação processual entre estas esferas (ainda que essa inusitada sugestão tivesse que partir, por exemplo, de um acordo de cooperação entre os órgãos públicos ou de uma intervenção a título de amicus curiae[35], quando a titularidade processual for limitada), para dar maior eficiência aos trâmites e garantir maior proporcionalidade das sanções[36].

  4. Mesmo entendendo que os direitos protegidos são distintos entre as esferas (porque o bem jurídico protegido é diferente) e que o padrão de prova é também diferente (em especial o administrativo e civil versus o penal), uma possibilidade de fluxo processual otimizado seria: primeiro, o Cade condenaria e aplicaria determinada sanção pecuniária em função do dano causado, além de aplicar outras sanções não-pecuniárias, se for o caso. Depois, o MP ajuizaria o caso na esfera penal, que tomaria em consideração o que o órgão antitruste já fez. Só depois, por fim, haveria reparação dos danos na esfera civil[37], em que o Juiz poderia considerar as sanções já impostas nas duas outras esferas e avaliar como deve proceder na esfera civil. O importante, com isso, é punir os cartelistas para criar incentivos dissuasórios à formação de cartel e redistribuir (ressarcir) a sociedade do dano causado (que representa o resultado líquido negativo ao bem-estar social, obtido em uma análise da regra da razão, lembrando que cartel hard core não tem eficiência a considerar), tanto de forma agregada (reparação de dano à sociedade) quanto de maneira individual (reparação de dano privado).

  5. Vale repetir e enfatizar que o cartel hard core não só faz com que parte dos consumidores paguem mais pelo mesmo produto/serviço, mas como também resulta na expulsão de consumidores do mercado, por não poderem/desejarem pagar mais pelo produto/serviço afetado pelo cartel. Assim, seria no mínimo questionável se o Cade desconsiderasse estes últimos consumidores desta estimativa, dado que a sua função é proteger o direito difuso à concorrência, que beneficia, sempre, em última instância, o bem-estar do consumidor. Sua função é proteger o conjunto dos consumidores que sofreram pelo abuso cometido pelas empresas cartelistas e não apenas os que continuaram a consumir o produto/serviço com o preço majorado. Seria um erro desconsiderar aqueles consumidores.

  6. A proposta teórica do “procedimento otimizado entre as esferas” pode ser inexequível, dada a independência das esferas, mas seria desejável, não somente para não apenar excessivamente as empresas cartelistas, mas para dar balizadores mais objetivos para a sociedade (em especial para as partes) acerca das suas potenciais penas, minimizando as incertezas e arbitrariedades inerentes ao processo em cada esfera e a elas em conjunto. É indiscutível a importância de se preservar a previsibilidade das ações do Estado como um todo, mas como também é indiscutível que se deve sancionar de forma proporcional, preocupada com os incentivos econômicos que a mesma pode gerar e não-arbitrária.

  7. Como mencionado, aquele conjunto de sanções por parte do Estado (que vai além do Cade), para ser efetivo[38] tem que punir os cartelistas para cumprir dois objetivos primordiais: promover justiça redistributiva e ter papel dissuasório. Note-se aqui um jogo de palavras entre os objetivos das esferas (punir, dissuadir e redistribuir). No âmbito penal, por exemplo, o objetivo é punir. No civil, é ressarcir. Mas o ato de punir gera incentivos econômicos, como a dissuasão. Além disso, quando o Estado pune e recolhe o montante monetário das empresas ao Tesouro (via CFDD), o Estado pode redistribuir este valor à sociedade da forma que considera mais apropriado, via gasto em saúde, educação, etc.. Portanto, quando se fala em “ressarcimento ao dano causado” há dois tipos a considerar: o particular (esfera civil) e o difuso (esfera administrativa).

  8. Para um economista, preocupado com os incentivos que as leis e punições geram nos agentes econômicos, assim, o importante é que uma lei bem desenhada e uma punição bem dada garantam que os agentes econômicos entendam de forma clara a lei e tenham comportamentos adequados, não sendo estimulados a agir ilegalmente.

  9. Assim, como houve um ato ilegal no passado, prejudicando um grupo de agentes, o Estado, também por meio do Cade (que se preocupa em garantir a livre concorrência), precisa se preocupar em estimar o dano também com o objetivo do ressarcimento (além da dissuasão), de forma agregada, difusa (através do recolhimento da multa ao ao FDD), ou de forma direcionada, privada (através da esfera civil) [39]. Por isso é que se deve considerar, assim, todos os consumidores prejudicados: aqueles que passaram a pagar mais e aqueles que tiveram que parar de consumir.

  10. Sobre a promoção da justiça redistributiva, desta forma, a sociedade, de forma geral, e as partes prejudicadas, em particular, devem ser ressarcidas pelo dano/prejuízo causado pelo cartel. Além disso, se houvesse um diálogo fluído entre as esferas administrativa e civil, se na civil o Juiz entender que os cartelistas já pagaram o “justo”/suficiente na esfera administrativa (onde os titulares dos diretos difusos são indeterminados por definição legal, logo abarcam a sociedade toda), mas considera que as partes que estão reivindicando devem ser ressarcidas ou indenizadas, segue outra sugestão inusitada a ser refletida: que o Juiz talvez possa recorrer ao valor monetário recolhido pelo FDD (Fundo de Defesa dos Direitos Difusos) para ressarcir tais consumidores prejudicados, uma vez que, em tese, os cartelistas já devolveram à sociedade o que deviam e esta devolução foi recolhida em dito Fundo. Isto poderia ocorrer, por exemplo, como uma compensação entre multas pagas no administrativo e no cível e em sede de ação civil pública, desde que haja previsão legal, claro.

  11. No tocante à dissuasão, esta deve alcançar a todos: tanto aos que cometeram o delito, quanto aos que pensam na possibilidade de cometê-lo. Ou seja, a dissuasão deve ocorrer com relação a todo e qualquer empresário. Afinal, a simples observação, por parte do agente econômico, da atuação contundente do Estado sobre outrem, o faz perceber que tal atuação pode incidir sobre ele próprio, o que por si só é um inibidor. Neste sentido, é indubitável que a sanção pecuniária (total entre as esferas) precisa ser maior do que a vantagem auferida pelo cartel. Até porque, se o Cade assim não fizer, estará se esquivando de zelar pelos consumidores que tiveram que sair do mercado por causa do cartel. Caso o Cade não atue efetivamente, a sanção jamais será dissuasória. E como saber se a multa foi dissuasória, sem a estimação do dano? Não por menos nos EUA, além da sanção dada pelo DoJ, tem-se a sanção imposta na bem atuante esfera civil (o que ainda não ocorre com tanta maturidade no Brasil), que impõe o valor da multa em 3 vezes o valor do dano cometido à sociedade. Claro que cada país tem as suas idiossincrasias, logo, não se pode copiar o que ocorre em uma dada jurisdição. Lá, não há o âmbito administrativo, como é o caso da atuação do Cade. De qualquer forma, cabe observar o que é feito nos melhores bechmarks (EUA é certamente um deles), e adaptar para as idiossincrasias do Brasil.

  12. No caso específico de cartel, ainda que este pensamento valha para as demais condutas anticompetitivas, se aquelas sanções passarem a ser críveis pela sociedade, ainda que a probabilidade do cartel ser detectado pelo Estado possa ser baixa, as empresas saberão que: (a) se o cartel for detectado, as empresas serão certamente condenadas, se possível, nas três esferas; (b) se o cartel for detectado e condenado, o valor das sanções pecuniárias (perda monetária esperada por violar a lei) será maior do que o valor monetário dos seus benefícios obtidos no cartel, que são as vantagens auferidas (deterrence); e (c) as três esferas agem de forma complementar e harmônica, tornando a perda esperada pelo crime ainda mais crível. Em resumo, o Estado deve criar um conjunto de incentivos (sanções efetivas) para que a punição aos cartéis promova justiça redistributiva e dissuasão.

  13. Para se ter uma ideia da ordem de grandeza do espaço que há para o aperfeiçoamento da atividade sancionadora antitruste, basta dizer que no Cade foram julgados e condenados mais de 70 casos de cartéis entre 1999 e 2016. Destes, menos de 10 referem-se a hard core[40] e todos esses estão ainda sendo analisados pelo Judiciário. Quantas condenações penais e quantas pessoas físicas foram presas por causa de um cartel condenado pelo Cade? Dos cartéis hard core condenados pelo Cade, quantos tiveram reparação de dano? Neste contexto de dissuasão (ainda muito) imperfeita, o Cade, como o órgão antitruste do país, precisa ser exemplar, estimar o dano causado a todos os consumidores[41], liderar esse processo em prol da sociedade e criar incentivos corretos para que esta prática seja desestimulada.

  14. Feita esta digressão – ainda incompleta, mas com o intuito de trazer mais reflexões sobre este tão importante assunto –, na próxima seção pretende-se trazer luz ao tópico de como estimar o dano causado por um cartel hard core, seguindo critérios da literatura internacional. Como será visto, o que se chama de “estimação do dano” (“importação da palavra damage”) é, na maior parte das metodologias a estimação da soma das vantagens indevidamente auferidas por cada membro do cartel.

5. Do dano em cartel hard core

5.1 Introdução

  1. Conquanto haja diversas formas de estimar o dano de um cartel hard core [42], a problemática é sempre a mesma: quer-se aferir o custo causado pelo cartel hard core à sociedade/aos consumidores. Para fins didático e esquemático, de acordo com o Gráfico 1, pode-se notar que, teoricamente, o que se deseja encontrar é o dano causado aos consumidores pelo cartel (ou o efeito nocivo que dispõem os artigos 2o e 36o da Lei 12.529/11), sendo este dano igual à soma do sobrelucro das empresas cartelizadas (retângulo) e da perda do peso morto (triângulo, também conhecida como a perda do peso morto ou deadweight loss – DWL), que representa os consumidores que estavam consumindo o produto/serviço, mas que tiveram que parar de demandá-los porque o preço ultrapassou o quanto eles estariam dispostos a pagar por este produto/serviço

  2. Não seria uma discriminação por parte do Cade em zelar somente por parte destes consumidores, isto é, por aqueles que tiveram seus custos aumentados por conta do cartel? E aqueles que foram expulsos do mercado por conta da colusão? O Cade deveria proteger por todos os consumidores afetados pelo cartel, neste caso: tanto os que permaneceram no mercado pagando um preço maior, quanto aqueles que acabaram sendo expulsos. É como no caso do cartel de gases industriais, o Cade só se preocupar com os hospitais que passaram a consumir tais gases a preços maiores, desconsiderando aqueles que não puderam mais ter acesso àquele insumo, resultando em mortes de cidadãos brasileiros. Entendo ser inconcebível.

  3. A vantagem extra auferida indevidamente pelas empresas durante o período do cartel, portanto, é menor do que o dano causado à sociedade, pois a soma daquelas vantagens auferidas não considera o DWL, ou seja, não considera aqueles que foram afetados pelo cartel de forma draconiana.

  4. sobrelucro das empresas cartelizadas (soma das vantagens auferidas) ,é o sobrepreço observado durante o período do cartel multiplicado pela quantidade total vendida durante o período do cartel, que é menor do que o dano causado à sociedade.

  5. Fica a ressalva, no entanto, de que quando se fala em “estimativa de dano” (expressão utilizada internacionalmente) causado por um cartel, trata-se, em geral (exceto por modelagens econométricas estruturais, mais complexas) da estimação da vantagem indevidamente auferida por todas as empresas participantes do cartel. Como este ganho obtido pelas firmas cartelizadas (vantagem auferida) é sempre menor do que o prejuízo total causado aos consumidores, há inequívocas ineficiências econômicas. O Juiz precisa, por isso, majorar o valor encontrado na estimação da vantagem auferida. Não só para considerar os efeitos nocivos a todos os consumidores deste mercado, mas também para que as empresas sejam desestimuladas a reiterar esse comportamento. Imagina se o ladrão fosse punido apenas com a devolução do objeto roubado? Por que ele pararia de roubar? Nos EUA, por exemplo, como dito na seção 4, o valor é multiplicado por 3 na esfera cível, mesmo o DoJ (esfera criminal) tendo já apenado as empresas.

  6. Do ponto de vista econômico, por isso, se justifica a proibição per se de cartéis hard core (como devidamente argumentado no item 4 deste voto [43]). Além disso, há que estimar os efeitos nocivos aos consumidores envolvidos. Se a contribuição pecuniária das empresas do cartel for igual à soma do sobrelucro das empresas cartelizadas, então, o efetivo dano causado à sociedade não terá sido sequer reparado e terá valido a pena fazer o cartel hard core[44], pois existe uma probabilidade de o cartel não ser pego, ou se pego, de não ser punido adequadamente. Assim, dita contribuição pecuniária tampouco será dissuasória. Para que a punição da sanção pecuniária seja reparadora e dissuasória, esta precisa ser maior do que o a soma do sobrelucro do cartel (soma da vantagem auferida pelas empresas cartelizadas).

  7. Vale enfatizar – para não se perder a verdadeira dimensão de quão ruim é o crime do “colarinho branco” como o cartel hard core – que a ineficiência trazida pelos cartéis hard coretem impacto relevante na produtividade agregada do país, tornando-o menos competitivo. O encarecimento de um insumo como aço, vergalhão, cimento, etc. aumenta o custo não só das empresas compradoras, mas do restante da cadeia produtiva, reduzindo a produção em todas as etapas e aumentando o preço de cada produto desta cadeia até afetar o consumidor final.

  8. Pior ainda é quando este ilícito ocorre em licitações públicas, quando o Estado fica refém de certos grupos. É sempre bom lembrar, aliás, que quando uma licitação fraudulenta ocorre com produtos e serviços relativos à saúde (SUS), à segurança pública ou à educação, o crime tem ainda um caráter social extremamente perverso, pois afeta diretamente a camada social de baixa renda, que precisa inexoravelmente dos serviços públicos para se educar, se proteger e até viver. O cartel é, assim, um problema econômico e social, que precisa ser combatido com veemência.

  9. Os efeitos lesivos do cartel hard core, assim, podem ser sentidos (além dos efeitos indiretos) na subtração direta de renda do consumidor, na sua eventual expulsão do mercado e na deterioração das estruturas de mercados. Cartéis hard core geram ineficiência econômica, elevando preços e reduzindo a oferta, o que diminui o poder de compra dos consumidores e propicia a obtenção de sobrelucros pelos participantes do conluio. São, portanto, os prejuízos estruturais ao mercado que revelam o alto grau de lesividade da conduta. Nesse sentido, além de tornar ineficientes as relações de consumo diretas, dentre outras coisas, tal ilícito: (i) sobrecarrega os vendedores intermediários; (ii) desestimula a demanda por parte de consumidores potenciais; (iii) obsta o aparecimento de novos produtores e (iv) gera ineficiências em cadeias produtivas, dentre outros pontos. Tais efeitos demonstram a inegável gravidade da conduta de cartel. No caso sob exame, as representadas se valeram de restrições verticais (fixação de preço de revenda e recusa de venda) para assegurar a estabilidade do crime de cartel.

GRÁFICO 1 – Comparação teórica entre a situação de cartel e a contrafactual

  1. Embora não se tenha uma definição legal de “sobrepreço”, pode-se definir [45] como sendo a diferença entre o preço pago pelo consumidor (ou comprador/adquirente, não necessariamente o consumidor final) durante o período de cartelização e aquele preço que prevaleceria na ausência do cartel hard core. Note-se que o cartel hard core em geral não ocorre em um único mês ou ano, mas em um espaço de tempo, maior do que um ano. O dano causado à sociedade devido ao cartel hard core, destarte, é também uma função do seu tempo de duração, que pode ser maior ou menor do que um ano (diferentemente do que prevê o artigo 37, da Lei no 12.529/11, Anexo I).

  2. As variáveis “tempo do cartel”, “preço estabelecido pelo cartel” e “quantidade vendida pelo cartel” são (ou podem ser) obtidas nos autos do processo, aí inseridas na instrução processual realizada pela Superintendência-Geral ou auxiliada pelo Departamento de Estudos Econômico/Cade (leniência, TCCs, pesquisas, etc.). Já o “preço contrafactual” é derivado do método a ser usado.

  3. O preço contrafactual é também chamado de “but-for-price”, “preço benchmark” ou “preço de comparação”. É o preço que deveria ter sido adotado, caso não houvesse o cartel. Essa é a variável contrafactual que não se sabe a priori.

  4. Antes de prosseguir, é importante salientar que a estimação do dano é uma tendência internacional e não há razão para o Brasil não avançar neste quesito. Não por menos, em 2010, a Comissão Europeia produziu um amplo e detalhado documento sobre o assunto (no Anexo II há um quadro-resumo dos métodos, com a devida referência bibliográfica, que foi exposto na mesa sobre cálculo de dano do encontro IBRAC de 2015).

  5. É verdade que é possível se deparar com problemas com os dados, com a escolha do modelo e com as especificações dos mesmos, mas tudo pode ser contornado, desde que devidamente argumentado e utilizando técnicas conhecidas e solidificadas no meio acadêmico. Se fosse tão controverso como alguns argumentam, nenhum economista poderia produzir qualquer trabalho na área acadêmica. Entendo ser importante dar racionalidade econômica a qualquer tipo de multa ou contribuição pecuniária imposta pelo órgão antitruste (já que é um tema relativo à law and economics). Além disso, é uma forma menos arbitrária (logo, menos subjetiva) do que eleger um determinado percentual (seja este de 0,1%, 10%, 15% ou 20%) e aplicar sobre o faturamento da empresa no Brasil (já que não há referência a um mercado menor) de um determinado ano (ainda que o cartel tenha durado 6 meses ou 20 anos) sobre o ramo de atividade (que pode ser bem maior do que o mercado relevante na sua dimensão produto do referido cartel, vide os diversos casos de autopeças – aind que este ponto em particular tenha sido flexibilizado pela Resolução no 3/Cade).

  6. Cartéis de estruturas diferentes, com durações variadas, atuando em mercados distintos devem ter valores de dano diferenciados (ainda que o sobrepreço seja de 10% por exemplo). Até porque 10% de um preço de R$10 é diferente de outro, de R$1000. Indubitavelmente escolher exogenamente um percentual é mais simples e direto, porém mais arbitrário, incorreto do ponto de vista econômico e “injusto” (seja para melhor ou para pior, do ponto de vista da empresa). Por isso advogo que o Cade comece a estimar ditos danos. Não vejo melhor instituição para fazer isso e fomentar que as sanções tenham racionalidade econômica, com o intuito de alterar os incentivos dos agentes para não cometerem ilícitos ou para não os penalizar demasiadamente acima do dano causado. Cabe ressaltar, aliás, como já expressei em inúmeras ocasiões, que considero a escrita do artigo 37 ruim e gostaria que fosse aprimorada [46]. Isto não quer dizer, contudo, que eu não o respeite. Leis existem e devem ser cumpridas. Apesar de não gostar o artigo, não cabe a mim descumpri-lo quando estiver calculado a sanção pecuniária.

  7. Connor e Lande (2005) [47], analisando sete estudos de cartel hard core, demonstraram que a média do sobrepreço é de 25%, variando entre 17%-19% para cartéis nacionais e entre 30%-33% para internacionais. Dos casos analisados, 79% dos sobrepreços foram superiores a 10%, enquanto 60% foram superiores a 20%. Depois, Connor (2014) apresenta uma análise compilada de mais de 700 estudos e decisões judiciais de antes de 1890 até 2013, com 2.041 estimativas de sobrepreço de cartéis hard core, e conclui que: em cartéis de licitação a mediana do sobrepreço é de 24%; em carteis de fixação de preço, a mediana é de 24%; e em cartéis de compra, a mediana é de 26%. No geral, a mediana do sobreprço é de 23%.

  8. Santos (2016) apresenta, ainda, uma média ponderada de sobrepreço de 36,7% (e uma mediana ponderada de 34,6%), encontrada a partir de um total de 102-104 cartéis estudados ao longo de seis pesquisas econômicas de sobrepreço de cartel[48] (Anexo III). Por fim, Mello e Carrasco (2011) encontraram sobrepreço de 50% e 30% nos cartéis dos vergalhões e dos gases medicinais.

5.2 Métodos de cálculo de dano em cartel hard core

  1. Os métodos de estimação de dano de cartel hard core podem ser econométricos ou não. Em geral, os modelos não captam o DWL, só o sobrelucro do cartel. Por isso a contribuição pecuniária precisa ser um múltiplo do valor da vantagem auferida pelo cartel. Não só para a sanção refletir os reais efeitos negativos aos consumidores (como expressam os artigos 2o e 36o da Lei 12.529/11), mas para, também, ser dissuasória. Nos EUA, como já dito, o DoJ aplica multa punitiva e, além dessa, a esfera civil usa o conceito do “treble damage”, em que uma nova multa é aplicada, sendo esta três vezes o valor do dano causado [49]

  2. ideal no Brasil é que o Cade fosse o responsável pela “estimação do dano” e o Judiciário, no caso de reparação do dano na esfera civil, em especial, tomasse em consideração o que o Cade fez para, então, decidir qual indenização aplicar. Como já mencionado na seção anterior deste Voto, é sabido que há independência entre as esferas (e que, portanto, esse desejo pode ser inexequível), mas seria desejável que, ao menos, nos casos de cartel hard core houvesse uma “lógica processual no fluxo das decisões”. De forma geral, o importante é ter em mente que o conjunto das punições acerca das sanções pecuniárias imposta pelo Estado precisa ser redistributivo e dissuasório. Estes deveriam ser os objetivos maiores do Estado como um todo.

  3. Há diversas metodologias para se estimar o dano causado por uma conduta anticompetitiva qualquer, que podem ser escolhidas a partir dos dados disponíveis ou das características dos mercados. No caso particular do cartel hard core, contudo, há uma sólida literatura desenvolvida, como mostrado por Oxera (2009) e Davis e Garcés (2010). Oxera, em particular (Anexo I), apresenta uma interessante classificação de métodos, contrafacutuais e modelos que podem ser usados, dividindo-a em três grupos: a) à base de comparação, b) à base de análise financeira e c) à base da estrutura do mercado[50].

  4. Nenhum desses métodos, obviamente, é perfeito, mas, se usados criteriosamente, resultam em valores mais próximos à realidade do que arbitrar de forma ad-hoc um certo percentual sobre o faturamento de um determinado ano (que pode ou não ter sido de cartel). Por isso a importância dessas metodologias para um Juiz, se ele deseja punir os agentes com relação aos efeitos nocivos que o cartel provocou à sociedade, como argumentam Davis e Garcés.

  5. Dentre as metodologias utilizadas para se estimar o sobrepreço, pela teoria econômica e pela prática norte-americana e europeia (Anexo I), Connor[51] indica quatro métodos: a) baseado em custo; b) antes-e-depois; c) comparado (yardstick approach) e d) econométricos, ainda que haja diversas outras formas mais rudimentares. Abaixo, para fins didáticos, amplio o conjunto de Connor para nove a saber:

1. Método baseado em custo: período do cartel e mesmo mercado relevante (MR): produto e geográfico. Comparação da situação de cartel com a de concorrência perfeita ou advinda de um modelo de Bertrand com produtos homogêneos. Compara os preços cartelizados com os custos marginais de produção das empresas. Um problema a ser considerado é que firmas em mercado imperfeito devem adotar preços maiores que o custo marginal mesmo sem estarem em conluio. Por isso, esse modelo acaba sendo utilizado quando o produto diz respeito a uma commodity. O sobrepreço, neste caso, seria a diferença entre “o preço do produto no cartel” e o “custo marginal estimado” da empresa mais eficiente do cartel, em cada momento do tempo. O sobrelucro, assim, seria a soma do sobrepreço multiplicado pela quantidade, em cada momento do tempo.

2. Método antes-e-depois: mesmo mercado relevante (MR): produto e geográfico. Compara os preços durante o período de cartel aos preços fora do período do cartel. Um cuidado a ser considerado é identificar se as características do mercado se mantiveram constantes ao longo do tempo. Caso tenham se modificado, há que considerá-las na análise, pois, caso contrário, pode-se ter conclusões enviesadas[52]O sobrepreço, neste caso, seria a diferença entre “o preço médio no período cartelizado” e o “preço médio no período sem o cartel”. O sobrelucro, então, seria o sobrepreço médio do cartel multiplicado pela quantidade total vendida em todo o período do cartel.

3. Método do produto comparado (yardstick approach 1): período do cartel e para o mesmo mercado relevante geográfico. Compara os preços de um produto similar na mesma região aos preços do produto do cartel no período do cartel. Um cuidado a ser considerado é identificar se as características do produto são parecidas (produtos substitutos) ou se as variações de preço no tempo são similares no período não-cartel[53]O sobrepreço, neste caso, seria a diferença entre “o preço do produto fruto do cartel” e o “preço do produto similar[54] não cartelizado”, em cada momento do tempo no momento do cartel. O sobrelucro, assim, seria a soma do sobrepreço multiplicado pela quantidade, em cada momento do tempo. Ex: Se houver um cartel de leite tipo Longa Vida no Rio de Janeiro. Leite tipo C no Rio de Janeiro pode ser o “but-for”.

4. Método intermediário 1 (entre antes-e-depois e produto comparado): período do cartel e para o mesmo mercado geográfico (como se fosse um produto comparado). A diferença deste método para o anterior é que em vez de tomar a série de preços de um produto comparado, constrói-se uma série de preços do próprio produto – gerando uma série de preços contrafactuais (ou sintéticos) no período do cartel –, com data de referência antes (ou depois) de iniciar (ou findar) o cartel(como se fosse um antes-e-depois). Uma forma de construção pode ser via interpolação de dados. Outra, pode-se tomar o preço do produto em uma data antes (ou depois) do início do cartel e faz-se a correção monetária por um índice de preço (que tenha a ver com o produto) para todo o período do cartel. O sobrepreço, neste caso, seria a diferença entre “o preço do produto fruto do cartel em valores nominais” e o “preço sintético deste mesmo produto”, em cada momento do tempo. O sobrelucro, assim, seria a soma do sobrepreço multiplicado pela quantidade, em cada momento do tempo.

5. Método da região comparada (yardstick approach 2): período do cartel e para o mesmo produto relevante. Compara os preços de um mesmo produto em duas regiões distintas, uma onde houve o cartel e outra onde não ocorreu o cartel. Um cuidado a ser considerado é identificar se as características das regiões são parecidas. Caso não sejam, há que considerá-las como tais.[55]O sobrepreço, neste caso, seria a diferença entre “o preço do produto do cartel” e o “preço deste mesmo produto em outra região, em que não houve o cartel ”, em cada momento do tempo. O sobrelucro, assim, seria a soma do sobrepreço multiplicado pela quantidade, em cada momento do tempo. Ex: se houve um cartel de GLP no Pará, o  preço do ?GLP no Rio de Janeiro poderia ser o “but-for”.

6. Método intermediário 2 (intermediário 1 e região comparada): mesmo produto relevante. Faz-se o método intermediário 1 e encontra-se o sobrepreço em cada período de tempo (na região cartelizada). Faz-se a mesma coisa em uma região não-cartelizada. Com isso, têm-se dois sobrepreços na mesma época do cartel. O sobrepreço final será a diferença entre o sobrepreço na região cartelizada e aquele na região não-cartelizada. Desta forma, minimizam-se problemas relativos à região e ao tempo. Percebe-se uma similitude com a metodologia diff in diff, que será explicada mais adiante. A diferença é que no diff in diff há a comparação antes-e-depois e em termos de sobrelucro médio.

7. Método de Cournot: como se fosse o método antes-ou-depois ou o método intermediário 1, em que os preços “but-for” seriam aqueles derivados do modelo de oligopólio de Cournot ou, na prática, de uma lógica de Cournot. Como é sabido[56], nesse modelo a quantidade final que cada firma produzirá/venderá é uma função do número de firmas (n). Assim, o preço final também será uma função (convexa) de n. Dito isso, na prática, o preço “but-for” tem que derivar de uma lógica da estrutura do mercado, como a relação “preço-número de empresas no mercado em questão”[57]. Faz-se uma regressão para o período do cartel e compara-se o preço da região cartelizada com a curva de regressão. Este será o sobrepreço, que, multiplicado pela quantidade, dará o sobrelucro em cada ano. O sobrelucro total é a soma de cada sobrelucro.

8. Métodos econométricos: Há aqueles na forma reduzida e aqueles outros na forma estrutural, que estimam a demanda-oferta do produto em uma dada região. Qualquer um desses tipos pode ser estimado com técnicas de séries transversais, séries de tempo ou em dados em painel. Pode-se usar técnicas de interpolação também. Exceto o modelo estrutural, os demais, assim como nos métodos não-econométricos, não estimam o DWL.

8.1.Método difference in difference (diff-in-diff ou DID): é é uma técnica estatística usada em pesquisas empíricas nas áreas das ciências sociais (por exemplo, avaliação de políticas públicas), biológicas e na medicina (impacto de um novo medicamento), que mede um evento/choque em um grupo de agentes econômicos comparando com um outro que não o recebeu. Em economia, muitas pesquisas são feitas analisando os chamados experimentos naturais. Nas palavras de Wooldridge (2003)[58]os experimentos naturais ocorrem quando algum evento exógeno, como, por exemplo, uma mudança de política do governo, altera o ambiente no qual indivíduos, famílias, firmas ou cidades operam. No presente caso, não seria uma mudança de política, mas a constituição de um cartel em um dado período e em uma certa região do Brasil.

  1. Para se analisar um experimento natural há que se ter um grupo de controle (grupo que não foi afetado pela mudança, pelo evento, pela intervenção ou pelo tratamento) e um grupo de tratamento (grupo que foi afetado pela mudança). Ao contrário de um experimento real, em que os grupos de tratamento e controle são escolhidos aleatoriamente para impedir viés nas estimativas, os grupos em um experimento natural emergem da forma com que a mudança é efetuada. Para se estudar as diferenças entre os dois grupos há que se dispor de dados de antes e/ou depois do evento para os dois grupos (pode-se usar o período antes, depois ou ambos). Assim, a amostra é dividida em quatro grupos: o grupo de controle antes e/ou depois da mudança, o grupo de tratamento antes e/ou depois da mudança, o grupo de controle durante o evento e o grupo de tratamento durante o evento. Além disso, neste tipo de modelo é importante considerar que a única diferença entre os grupos é o evento, que na ausência deste, as séries deveriam se manter estatisticamente inalteradas ao longo do tempo.

  2. Assim, no caso em questão, a principal hipótese é que os preços da distribuição do GLP entre os grupos apresentam trajetórias paralelas que se desviam quando há incidência de cartel. Deste modo, o sobrepreço é obtido quando a média de preços do grupo de controle é estatisticamente diferente da média de preços do grupo de tratamento por razão exclusivamente da ocorrência do cartel.

  3. Note-se, assim, que este tipo de metodologia abarca a ideia de duas das metodologias ora descritas: a “antes-e-depois” e a “da região comparada”, minimizando, desta forma, problemas que possam ocorrer se cada modelo for computado isoladamente: elimina-se o efeito de características locais (ICMS diferente nas regiões) e o efeito de características que tenham ocorrido no tempo e que tenham incidido em ambos os grupos (inflação, desregulamentação do preço do GLP, alguma intervenção estatal em nível nacional, variação de preço da Petrobrás, etc.). Para garantir que apenas o evento é o causador da diferença, é indicado fazer testes de “efeitos fixos”. O que o método faz, em suma, é tirar a média do sobrepreço em cada grupo (que é a diferença entre a média dos preços no período do cartel e a média dos preços no período não cartel) e, depois, tirar a diferença dessas médias de sobrepreço (entre o grupo de tratamento e o de controle).

9. Controle Sintético: Assim como no caso do diff-in-diff, para se analisar um experimento natural, há que se dispor de um grupo de tratamento e de um grupo de controle. Em ambos os casos, para o caso em questão, o “grupo de tratamento” seria unitário, composto unicamente pelo estado do Pará, onde ocorreu o cartel, e o “grupo de controle” [59] refere-se os estados onde não se observou o cartel. Também, em ambos os casos, a variável em tela é o preço do GLP no Pará e o objetivo é identificar o sobrelucro ocorrido no Pará no período do cartel.

  1. Apesar destas similaridades, a diferença metodológica, entretanto, é grande. No caso do diff-in-diff, se as variáveis estiverem em nível, o resultado da estimação econométrica é o valor em unidades monetárias do sobrepreço médio que ocorreu no grupo de tratamento (Pará), no período sob o tratamento (período do cartel), considerando o que ocorreu com o grupo de controle e no período fora do tratamento.

  2. No caso da metodologia do controle sintético, tal como proposto por Abadie e Gardeazabal (2003)[60] e posteriormente refinado por Abadie, Diamond e Hainmueller (2010)[61], o resultado da estimação estatística não é uma média (como no diff-in-dif), mas uma trajetória do “preço do GLP hipotético” do grupo de tratamento (que seria o “preço sintético” do GLP no Pará), no período do tratamento (período do cartel). Seria, assim, a trajetória de preço que deveria ter ocorrido no Pará, caso não tivesse ocorrido o cartel. É a ideia do preço contrafactual já abordada anteriormente.

  3. Tal trajetória é construída a partir de uma combinação linear (ou convexa) dos preços de GLP dos estados do grupo de controle, no período fora do tratamento (isto é, no período em que não houve cartel), onde os pesos (controles sintéticos) são aqueles que melhor alinham o resultado da combinação convexa à variável de interesse (trajetória do preço do GLP no Pará) no período sem intervenção, através do ajuste pelo erro quadrático médio e com o auxílio de covariadas. Em outras palavras, no período fora do cartel é criada uma série de preços hipotética que será a mais próxima possível da série real do preço do GLP no Pará.

  4. De posse desses pesos, então, traça-se a trajetória de preços do GLP no Pará para o período do tratamento (isto é, do cartel) – chamada de trajetória contrafactual, de referência ou but for – e compara-se com a trajetória real. O sobrepreço será a diferença destas duas séries em cada momento do tempo e o sobrelucro será a multiplicação deste sobrepreço pela quantidade.

  5. Em suma, a ideia subjacente a esta metodologia é que a série de preços sintética seja a mais similar possível aos preços reais que ocorreram no Estado do Pará fora do período de tratamento (isto é, antes e/ou depois do período do cartel) e que seja útil para identificar como teria sido a série dos preços do GLP no período do tratamento (ou do evento ou da intervenção ou do cartel). Em outras palavras, se o desempenho do grupo de tratamento (preço do GLP no Pará) e do controle sintético (aquele preço que deveria ter ocorrido) for similar no período anterior/posterior ao tratamento (o período não-cartel), diferenças em desempenho durante o tratamento (o período cartel) representam o efeito resultante do tratamento.

  6. Feitas estas breves apresentações sobre alguns dos diversos métodos para se encontrar o preço contrafactual e, consequentemente, o sobrepreço, passa-se para o cálculo de dano deste Voto especificamente.

5.3 Estimação da vantagem auferida e do dano no presente caso [62]

  1. Trata-se de um cartel hard core formado por três empresas distribuidoras de GLP no Pará: Paragás, Liquigás (ex-Tropigás) e Supergasbras (ex-Minasgás). O mercado relevante na dimensão produto é, assim, a distribuição de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) e, na dimensão geográfica, o estado do Pará.

  2. Antes de mais nada, vale fazer uma análise mais abrangente sobre o setor, para se ter uma ideia do contexto sobre o qual o caso está inserido. A organização do mercado do GLP nos vários estados brasileiros é dada da seguinte forma: cada estado tem entre 2 a 17 empresas distribuidoras de GLP, indicando que há mais concorrência em alguns estados e menos em outros. O ICMS (Gráfico 2), imposto mais relevante, ficou estável durante o período do cartel em todos os estados, exceto por um. Tomando o preço médio da distribuição do GLP (das empresas e no período do cartel) em cada estado – descontando ou não o ICMS –, comparativamente ao número de empresas em cada estado, ao C3 e ao HHI, é possível observar (Gráfico 3-6) que existe uma relação negativa entre o preço e o número de distribuidoras e positiva entre o preço e o grau de concentração no mercado, seja este medido pelo C3 ou pelo HHI, conforme indica a teoria econômica. De fato, quanto mais empresas ou quanto menos concentrado for o mercado, menor deve ser o preço médio do estado.

Gráfico 2 – ICMS médio entre fev/2003 – abril/2005, por estado

                                                                                               Fonte: Sindigas

  1. Observando o eixo horizontal dos Gráficos 3 e 4, da esquerda para a direita, observa-se que há estados que parecem mais competitivos do que outros. No Gráfico 3, a ordem seria: RJ, AL, SP e MG, e, no Gráfico 4, seria: MG, ES, RN e RJ (quando o preço é descontado pelo ICMS). Curioso notar que o estado que tem o ICMS mais alto (18%), Minas Gerais, consta como um dos mais competitivos no Brasil, por ambos os Gráficos.

Gráfico 3 – Preço médio GLP x N.º de empresas Gráfico 4 – Preço médio GLP desc. ICMS x N.º empresas

                                    Fonte: Elaboração própria, com dados da ANP. Preço médio = preço médio das empresas em cada Estado e no período do cartel (fev/2003 a abril/2005).

Gráfico 5 – Preço médio GLP x HHI                              Gráfico 6 – Preço médio GLP x C3

                               Fonte: Elaboração própria, com dados da ANP. Preço médio = preço médio das empresas em cada Estado e no período do cartel (fev/2003 a abril/2005).

  1. Focando no estado onde ocorreu a conduta anticompetitiva, no caso, o estado do Pará, a participação de mercado das 3 maiores empresas que formaram o cartel é de pouco mais de 85% ao longo do tempo, desde 2002 até 2005 (Tabela 1 [63]. Em 2016, esta representatividade aumentou para 90%, provavelmente por alguma aquisição feita pela Supergasbras após 2006.

  2. Já se forem consideradas somente as três participantes do cartel (Tabela 2), da participação de mercado dessas empresas no cartel, pode-se notar que a Paragás é a líder, com aproximadamente 60% no período do cartel (2003-2005), seguida pela Liquigás, com algo ao redor de 39% e finalizando com a Supergasbras, com uma pífia participação de menos de 1% entre 2002 a 2006.

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Tabela 1 – participação de mercado – GLP no Pará (%)

         Fonte: Elaboração própria, com dados da ANP. A participação do mercado foi tomada com os dados de quantidades vendidas de GLP no Estado do Pará.

 

Tabela 2 – participação de mercado das três empresas no cartel – GLP no Pará (%)

      Fonte: Elaboração própria, com dados da ANP. A participação do mercado foi tomada com os dados de quantidades vendidas de GLP no Estado do Pará.

  1. De acordo com a segunda parte da Resolução 20/99-Cade, “fatores estruturais podem favorecer a formação de cartéis” (hard core), como: i) alto grau de concentração no mercado, ii) existência de barreiras à entrada a novos competidores, iii) homogeneidade de produtos e iv) homogeneidade de custos e condições estáveis de custos. Complementaria esta lista com outras três características: v) baixa substitutibilidade do produto, vi) estabilidade da demanda e vii) fragmentação (ou atomização) dos compradores. Decerto, no presente caso, todas estas características estruturais são observadas[64], como se pode notar a seguir:

(i) Alto grau de concentração no mercado: as três representadas detinham parte relevante do mercado de GLP no Pará em 2004, de acordo com dados da ANP Tabela 1. A Paragás, em particular, era a maior.

(ii) Existência de Barreiras à entrada: embora a entrada nesse mercado não exija elevados investimentos iniciais, há barreiras institucionais, decorrentes da necessidade de autorização da ANP, de licenças municipais relativas à legislação urbanística, etc.

(iii) Homogeneidade do produto: o GLP constitui produto homogêneo (qualidade semelhante), sujeito a rígidos padrões impostos pela ANP, cujo descumprimento sujeita os infratores a diversas sanções. Além disso, o produto é refinado por uma única empresa e vendido às distribuidoras. Embora haja total substitutibilidade pelo GLP entre as empresas do setor, não há qualquer substituição com outro produto.

(iv) Homogeneidade na estrutura de custos e estabilidade dos custos: de forma geral, observa-se que as empresas exibem estruturas de custos semelhantes nesse mercado, sendo o preço fixado de forma previsível pela ANP. Nesse sentido, vale dizer que a ANP regulamenta a atividade dos fornecedores e impõe que o preço cobrado do consumidor seja exposto de maneira clara, o que facilita o monitoramento do cumprimento dos acordos de preços e da fixação de preços de revenda.

(v) Baixa elasticidade do produto: É um produto com baixa substitutibilidade. Quem compra GLP em botijão e se não tem acesso ao gás encanado, não tem outra opção senão usar fogão de lenha ou fogão elétrico.

(vi) Estabilidade da demanda: é o que se observa em todos os estados brasileiros, segundo os dados da ANP, gerando previsibilidade das empresas acerca da demanda, com respeito aos ciclos econômicos.

(vii) Atomização dos compradores: a pulverização do consumidor, presente nesse mercado, diminui sua possibilidade de contestação das práticas colusivas.

(viii) Histórico de tabelamento de preços (conduta): existência histórica e cultural, em nível nacional, de controle direto de preços no mercado de GLP.

  1. Feita esta introdução sobre o setor e sobre os fatores estruturais que favorecem os cartéis, passa-se para a metodologia usada. A chamada estimação do dano, como dito na seção 5 deste Voto, é feita como sendo uma proxy da soma da vantagem auferida de cada uma das empresas participantes do cartel no período que durou o cartel. Como também dito naquela seção, essa soma da vantagem auferida é sempre menor do que o dano total causado à sociedade, pois, em geral, calcula-se apenas o sobrelucro que ocorreu no período do cartel, desconsiderando a perda do peso morto (DWL). É o caso quando a estimação é feita pelo modelo diff-in-diff, método usado no presente cálculo.

  2. De acordo com as informações contidas no PA (gravações ambientais), definiu-se a data inicial do cartel como sendo fevereiro de 2003 e, de acordo com a abertura do PA, definiu-se a data da suposta cessação do cartel como sendo abril de 2005, somando 27 meses. Não é certo que o cartel tenha se iniciado ou findado nessas datas (podendo ter ocorrido por mais de 27 meses), mas, para ser conservador, neste caso em particular, decidiu-se respeitar as provas que estão nos autos como os melhores indícios para essas escolhas. Pode ser que não seja assim em outro caso. Conquanto haja certo consenso sobre o fato de que o participante do cartel, em geral, tem comportamento “mais comedido” se sabe que está sob o escrutínio do Cade, da PF ou do MPF, não se pode afirmar com certeza que o cartel cessará, de fato, a prática do crime. Além disso, tomou-se como período não-cartel agosto de 2001 até janeiro de 2003, isto é, 18 meses que antecederam o início do cartel, basicamente pela disponibilidade dos dados. Portanto, o painel contém 45 meses.

  3. Como será usada a metodologia diff-in-diff, há que se definir os grupos de tratamento e de controle. Há, ao menos, quatro questões que precisam ser definidas: a) o grupo de controle em si, b) o período do cartel e c) o método e d) a especificação do modelo.

  4. grupo de tratamento é composto por uma unidade: o Pará. A variável endógena é o “preço de distribuição de GLP”.

  5. Para o grupo de controle, foram escolhidos dois grupos. O primeiro grupo foi formado pelos quatro estados com os preços mais competitivos no Brasil, quais sejam: Rio de Janeiro, Alagoas, São Paulo e Minas Gerais – que será chamado de Modelo 1. O segundo grupo foi formado por todos os estados do Brasil onde não houve condenação por cartel nesse mercado. Muito embora o Cade tenha feito investigações nessa época (Anexo IV), nenhum cartel foi condenado no período entre agosto/2001 a abril/2005. Portanto, muito embora possam ter ocorrido cartéis em diversos estados, não se pode excluir estados sem uma motivação/explicação objetiva. Por isso, ainda que possa haver ocorrido viés na escolha (pelo fato de ter havido cartel mas o Cade não ter condenado por falta de provas), optou-se por considerar todos os estados – o que será chamado de Modelo 2. Isto quer dizer que, se houve algum cartel não detectado pelo Cade, o valor do dano do Modelo 2 resultará em sobrepreço subestimado, ou seja, um valor com viés para baixo, que é um cenário conservador do ponto de vista do réu (Paragás).

  6. Com relação ao item “c” (especificação), pensou-se, por exemplo, em incluir no modelo do grupo mais competitivo a variável “preço do gás natural residencial”, que poderia ser um substituto ao GLP de botijão (que é o caso deste PA). Como seu preço é menos competitivo que o do GLP para uso residencial (fonte: Sindigás, documento “Gas LP, gás do Brasil”), decidiu-se por não incluir dita variável, pois não seria uma variável que explicaria o preço menor do GLP nas regiões Sul e Sudeste do país.

  7. Houve desregulamentação de preços de GLP de dezembro de 2001 a julho de 2002 (antes do cartel), que poderia ter alterado as tendências nas series analisadas no período anterior ao início do cartel. Como dita regra passou a valer para todo o país antes do cartel, ainda que possa ter tido uma volatilidade no curto prazo (porque o impacto da regulação pode ser diferente entre os estados), não deve ter afetado no médio/longo prazo. De qualquer forma, um teste de tendência comum foi feito. Além disso, cabe observar que os componentes dos custos das empresas estaduais são estáveis no tempo. Se o custo da Petrobras aumenta, por exemplo, (maior componente do custo das empresas), este recai sobre todas as firmas. O custo do frete, por sua vez, altera-se pouco no tempo. Se houver alteração nesta despesa em função do valor da gasolina, por exemplo, novamente, este efeito incidirá sobre todas as empresas. Por isso, considerando as idiossincrasias do setor (assim como Davis e Garcés sugerem que se faça), optou-se por utilizar um modelo simples, de alcance a todos, sem inserir variáveis exógenas que, ainda que pudessem melhorar um pouco mais o modelo, poderiam confundir e causar questionamentos.

  8. Tem-se assim, o modelo mais conservador possível e o menos conservador possível. É indicado, sempre que possível, estimar mais de um modelo ou mais de uma especificação, para que se possa eliminar vieses dos resultados e para que se possa avaliar de maneira mais apropriada qual o intervalo mais provável dentro do qual o verdadeiro valor de dano deva estar contido (lower and upper bound). A literatura recomenda que se faça uma média dos valores obtidos.

  9. Tem-se um painel de dados “tempo x Estados”: no Modelo 1, 45 meses x 5 estados (quatro estados de controle e o Pará) e, no Modelo 2, 45 x 27.

  10. A equação a ser estimada é a seguinte:

Tabela 3 – Possibilidades sobre os parâmetros do modelo diff-in-diff

  1. Dos resultados dos dois modelos (Modelo 1 na Tabelas 4 e Modelo 2, na Tabela 5) pode-se dizer que não é possível rejeitar a 1% de nível de significância a hipótese de que o sobrepreço médio do GLP ocorrido no Pará entre fev/2003 a abril/2005 foram os valores de RS$ 1,70 (Modelo 1) e de R$ 0,84 (Modelo 2), todos a preços constantes de dezembro de 2001. Isto quer dizer que o preço do GLP ofertado no Pará é 1,7 vezes maior do que o preço competitivo (Modelo 1) e 0,84 vezes (Modelo 2). Estes são os valores estimados para B3 . Como se pode notar, os testes estatísticos de todos os Modelos foram os esperados, assim como os P-values (o output do E-views está no Anexo IV).

  2. Os valores dos sobrepreços médios de R$1,70 e de R$0,84 estão a preços de dezembro de 2001. Se corrigidos pelo IPCA, estes são equivalentes a R$ 2,31e a R$ 1,14 em abril de 2005 (fim do cartel) ou a R$ 4,42 e R$2,19, a preços de agosto de 2016.

 

Tabela 4 – Modelo 1: Resultado do sobrepreço (R$ de dez/01)

Tabela 5 – Modelo 2: Resultado do sobrepreço (R$ de dez/01)

  1. O sobrepreço em percentual (%) é o valor do sobrepreço médio obtido pelo modelo dividido pelo preço do botijão de 13 kg, a preços constantes de cada mês[65] (Gráficos 7 e 9). Acompanhando destes Gráficos estão outros, com as séries de preços deflacionados pelo IPCA a preços de dez/2001 no período (Gráficos 6 e 8). O sobrepreço médio em % no período do cartel foi de 8,2% (Modelo 1) e 4% (Modelo 2), valores menores do que os sobrepreços observados nos trabalhos de Connor e Lande (2005) e de Santos (2016). Se de fato o sobrepreço estiver subestimado, o dano causado à sociedade também estará.

  2. Um teste para a suposição de tendência comum em um modelo de DiD é discutido em Pischke (2005) [66] e resumidamente apresentado no Anexo VI. A conclusão é  no Modelo 1 há uma evidência de que a hipótese de tendência comum poss ser garantida. Isso óde ser observado nos resultados da estimação do teste de tendência comum para este Modelo, em que os coeficientes das interações pré-tratamento são estatisticamente indistintos de zero. Para o Modelo 2, contudo, os testes foram inconclusivos.

  3. Portanto, o melhor Modelo dentre os dois apresentados neste voto – por todos os aspectos – é o Modelo 1, que gerou o sobrepreço maior. Vale comentar,  como argumenta Oxera (2009), que vários modelos podem ser estimados com as informações disponíveis e que tirar uma média deles retiraria qualquer tipo de viés que estivesse incorrendo cada modelo em particular.

  4. A diferença de sobrepreço observada no presente estudo aponta que o “verdadeiro sobrepreço” do cartel, que durou 27 meses, deve estar situado entre 4% a 8%. Em particular, pode-se inferir que ao tomar todos os estados, mesmo o Cade não tendo provas para condenar algum cartel neste período, é possível que tenha ocorrido algum outro conluio no Brasil, além do cartel do Pará. Caso contrário, a diferença de sobrepreço não teria sido tão significativa. Outro ponto interessante de se notar é que, apesar da literatura internacional apontar para sobrepreços ao redor de 20% a 25%, o resultado deste foi bem aquém não só com relação a estes parâmetros, mas também com relação a estimações feitas para o Brasil. Como mencionado neste voto, Mello e Casrrasco (2011) encontraram sobrepreços de 50% no cartel de vergalhões e 30% no de gases medicinais.

  5. Por sua vez, ainda que os sobrepreços estimados estejam baixos, entre 4% a 8%, não se trata aqui de fazer juízo de valor com relação a ocorrência ou não do cartel. Este cartel existiu, estando devidamente comprovado por um farto conjunto probatório, sólido o suficiente para mostrar a sua ocorrência. O que se faz agora é apenas estimar o dano que este cartel causou.

Gráfico 6 – Preços GLP (R$ a preços de 2001), Pará x 4 estados_Modelo1           Gráfico 7 – Sobrepreço GLP no Pará (%) – Modelo 1

                                               Fonte: Elaboração própria, com dados da ANP.

  1. É interessante observar também que nesta metodologia o importante não é que o preço contrafactual seja menor do que o de tratamento (como ocorre no Gráfico 6 e não no Gráfico 8), mas que o sobrelucro seja maior no tratamento vis-à-vis do grupo de controle, que é o que ocorre em todos os casos (Gráficos 7 e 9).

Gráfico 8 – Preços GLP (R$ a preços de 2001): Pará x demais estados_Modelo2                     Gráfico 9 – Sobrepreço GLP no Pará (%) Modelo 2

                                        Fonte: Elaboração própria, com dados da ANP.

  1. Para fazer a estimação da vantagem auferida de cada empresa que participou do cartel (Paragás, Liquigás e Supergasbras), há que se ter a participação de cada uma delas no cartel. Com dados da ANP de quantidade e preço, logra-se calcular o faturamento (Tabela 6). Pode-se notar que, tanto faz tomar o ano de 2004 quanto o período do cartel para fazer o cálculo da participação de cada empresa participante do cartel com relação à soma de seus faturamentos no Brasil, pois a conclusão é praticamente a mesma. Em ambos os casos, com relação ao Brasil, a Paragás tem 5,5% do mercado, a Supergasbras, 32% e a Liquigas, 62,5%.

Tabela 6 – Participação de mercado das empresas (em 2004 e no período do cartel) – Brasil

                                                                       Fonte: Elaboração própria, com dados da ANP.

  1. Além disso, pode-se verificar (comparando as Tabelas 6 e 7) que, embora a Paragás seja a empresa mais importante no mercado relevante onde se verificou o cartel, no estado do Pará, com 60% de participação; no Brasil, a Paragás tem apenas 5,5% do mercado. Por outro lado, a Supergasbras, que tem 32% no mercado brasileiro, tem menos de 1% no mercado do Pará. A Liquigás, por fim, tem participações de 62,5% no Brasil e 39% no Pará. Essas considerações são deveras relevantes quando se deseja calcular a sanção pecuniária como uma função ou do dano que cada empresa de fato causou à sociedade, que concerne ao mercado relevante onde ocorreu o ato ilícito, ou quando se usa os parâmetros do artigo 37, que se deve usar o faturamento no Brasil.

Tabela 7 – Participação de mercado das empresas (em 2004 e no período do cartel) – Pará

                                                                     Fonte: Elaboração própria, com dados da ANP.

  1. De fato, como o artigo 37 impõe que a multa se baseie no faturamento da empresa no Brasil (se fosse no mercado relevante, Pará no caso, o legislador teria o cuidado de especificar, dado que teve este cuidado ao definir “ramo de atividade”), as sanções pecuniárias – assim como as contribuições pecuniárias derivadas de leniência parcial ou de acordos (TCCs) – podem divergir sobremaneira do efeito nocivo causado (dano), para mais ou para menos.

  2. Não é correto inferir, destarte, que o valor da sanção pecuniária que uma empresa tenha que pagar, quando este tiver sido derivado das estimativas dos efeitos negativos ao mercado, venha a ser necessariamente maior ou menor do que aquele que seria obtido de forma exógena, obedecendo os critérios numéricos destacados no artigo 37. Nada se pode dizer, em princípio, pois, cada caso tem as suas próprias idiossincrasias.

  3. O Juiz, assim, pode se beneficiar quando estiver estipulando a sanção pecuniária em qualquer ato ilícito antitruste, em especial no caso de cartel, se tiver a estimação do dano, em que há literatura solidificada sobre o assunto. Afinal, trata-se de matéria da área do direto econômico ou da economia do direito e não de “law and accounting”. Decerto, para que a multa tenha eficácia, esta precisa ser dissuasória. Só se pode confirmar que esse objetivo está sendo de fato colocado em prática – e não o ter apenas no campo das ideias – se houver dita estimação. Sem quantificar a materialidade dos efeitos ocorridos no mercado (dano), não se pode dizer que a multa tenha sido dissuasória, por mais que o Juiz tenha este ponto na sua função objetivo.

  4. Para efeitos da estimação do dano (isto é, dos efeitos negativos ao mercado) o mercado relevante considerado será o da distribuição de GLP no estado do Pará. Esse fato é importante, pois o dano cometido pela empresa estará vinculado ao quanto ela “ganhou indevidamente” neste local específico, que está relacionado com a sua participação de mercado neste local. Com isso, a sanção é influenciada pela área em que a empresa cometeu a infração à ordem econômica. Esta racionale faz sentido, porque, se a empresa for “pega” fazendo cartel em outro estado brasileiro, a rigor uma nova multa deveria recair apenas sobre o novo local (que tem outro faturamento) e não, novamente, sobre o faturamento da empresa em todo o Brasil, conforme impõe o artigo 37 . Este fato levaria a empresa a ser cobrada sobre a mesma base de cálculo para a sanção (sobre o faturamento no país todo) e não sobre o dano causado em outro mercado relevante geográfico, o que eu, por não gostar do artigo 37, sou crítica. De qualquer forma, é o que a lei diz: “… faturamento da empresa, grupo ou conglomerado…” e, portanto, é o que deve ser feito, quando aplicados os parâmetros.

  5. Vale aqui fazer um importante comentário. O IPCA é índice que mede a variação de preços no período ao longo do tempo, cuja fonte primária é o IBGE. A Selic, por sua vez, é um índice diário, cuja fonte primária (e única, portanto) é o Banco Central do Brasil. A Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda não a calcula. Esta Secretaria a utiliza, assim com o faz o Cade e diversas outras instituições. Não é correto dizer, portanto, “a Selic do Tesouro”.

  6. Não se pode confundir correção monetária e custo de oportunidade do dinheiro. São dois conceitos distintos. A correção monetária é calculada a partir de algum índice de preços, por exemplo o IPCA (há outros[67]), para que um determinado valor monetário em uma data possa ser comparável com um outro valor monetário, em outra data. A diferença, neste caso, diz respeito apenas à inflação no período. O custo de oportunidade do dinheiro, por sua vez, reflete a rentabilidade que um indivíduo deixa de ganhar por fazer o uso do dinheiro de uma forma alternativa.

  7. Por exemplo, se João está na dúvida entre investir em um empreendimento que tem um ganho esperado de 13% a.a. e comprar uma LFT (que rende a taxa Selic, que é de 14,25% a.a.), ele provavelmente optará por comprar o título público. Se, por sua vez o empreendimento tiver um ganho esperado de 25%, ele fará um balanço “risco x retorno” e o empreendimento passa a ser mais atrativo.

  8. Outro exemplo. Se um empresário recebe um dinheiro extra derivado de uma conduta de cartel, por exemplo, e não sabe ainda o que fazer com este dinheiro (se compra um imóvel para alugar, se investe em ações, etc.), ele sabe que a remuneração mínima que poderá obter é a de um título público (ou um CDB de um banco), que rende Selic a juros compostos. Esta remuneração é, destarte, o limite inferior da remuneração extra indevida que um empresário obterá por ter participado do cartel. Por isso, a vantagem auferida obtida no período do cartel tem que ser corrigida pela taxa de remuneração do título público, qual seja: a Selic a juros compostos, um índice oficial do BCB.

  9. O menor custo de oportunidade do dinheiro para qualquer indivíduo, assim, é a rentabilidade de um ativo livre de risco, como um título público (NTB, LFT, LTN, etc.). Este custo de oportunidade, aliás, é a taxa de juros nominal básica da economia (inflação + juro real), chamada Selic[68]. Como a remuneração destes títulos públicos é dada pela Selic capitalizada a juros compostos, esta taxa é o custo de oportunidade do dinheiro no Brasil.

  10. É despropositada de lógica econômica, desta maneira, calcular o custo de oportunidade do dinheiro pela Selic corrigida a juros simples. Não se discute se esta é a prática vigente no Cade ou em outra instituição do Estado sancionador. Apenas deseja-se trazer ao debate o fato de que não há racionalidade econômica nesta opção. Esta forma de capitalização é incorreta, quando se deseja obter o custo de oportunidade sobre qualquer título público existente no Brasil.

  11. Assim, como o sobrepreço obtido nas estimações dos Modelos 1 e 2, está a preços de dezembro de 2001, fez-se a correção monetária deste sobrepreço para cada mês, desde fevereiro de 2003 até abril de 2005, pelo IPCA. Com os dados de quantidades vendidas de GLP[69] mensais no Pará por cada empresa (fonte: ANP), calculou-se o sobrelucro das três empresas que participaram do cartel a preços correntes. Esta é a vantagem auferida por cada empresa em cada mês em valores correntes.

  12. Estes valores foram corrigidos pela Selic composta até o final do cartel, abril de 2005. Somados, o resultado reflete o valor da vantagem auferida total do cartel em abril de 2005, que, como explicado, é menor do que o dano causado à sociedade, pois este cálculo desconsidera o DWL. Daí em diante, conquanto o montante da vantagem auferida tivesse parado de crescer, este foi capitalizado pela Selic a juros compostos, pois é a rentabilidade mínima que o empresário estaria obtendo caso deixasse este montante no banco, na compra de um ativo de renda fixa.

  13. Estas considerações são pertinentes para que o Juiz (seja ele em que esfera for) possa ter em mãos todos os insumos necessários para fazer uma correta avaliação acerca da sanção pela qual optará, tópico do próximo item.

  14. Na Tabela 8 encontram-se, na primeira coluna, os nomes aos quais as demais colunas estarão fazendo referência. A segunda coluna contém os valores arredondados das contribuições feitas pelas empresas de acordo com os TTCs[70] nas datas que foram feitas ditas contribuições. Na terceira coluna estão estes valores corrigidos pelo IPCA a preços de agosto de 2016, além de um resumo das vantagens auferidas pela Paragás, considerando-se os dois Modelos. Nas colunas que seguem estão expostos os valores das contribuições com relação ao faturamento de 2004 corrigidos pelo IPCA (e não pela Selic a juros simples, como de hábito), um com respeito ao faturamento da empresa no Brasil e outro, com relação ao mercado relevante em questão (compreendido pelo estado do Pará).

  15. Se a contribuição do TCC fosse comparada com o faturamento de 2004 de cada empresa em nível nacional, este resultaria em 0,46% e 0,48% para a Liquigás e Supergasbrás, respectivamente. Se, por sua vez, fosse comparado com o faturamento do estado do Pará, estes percentuais seriam demasiadamente distintos: 14% para a Liquigás e 300% para a Supergasbrás.

  16. No tocante à Paragás, na parte inferior da Tabela 8, na terceira coluna estão expostas as vantagens auferidas pelos dois modelos pela Paragás a preços de 2016, corrigidos pelo IPCA. Esta vantagem, dependendo do Modelo, varia de R$ 48 milhões a um pouco mais do que o seu dobro, algo ao redor de R$ 98 milhões. As duas colunas que seguem, mostram a representatividade desta vantagem auferida com relação ao faturamento da empresa em 2004 a preços de 2016, no Brasil e no Pará.

  17. Mais uma vez, cabem dois comentários. O primeiro, que, se o faturamento de 2004 no Brasil tivesse sido corrigido pela Selic a juros simples, o percentual (obtido endogenamente) teria sido menor. De 23% e 11% dos Modelos 1 e 2, respectivamente; para 19% e 9%, respectivamente. O segundo comentário é que a variação entre os resultados dos modelos está relacionada com a escolha dos grupos de controle. Quando se toma o preço médio dos estados mais competitivos como sendo os contrafactuais, têm-se valores de dano maiores. Quando se toma o preço médio de todos os estados, porém, considera-se a possibilidade de ter ocorrido cartel e o Cade não ter atuado. Estes resultados devem ser utilizados pelo Juiz (em qualquer esfera) como insumos para que ele possa fazer o seu melhor juízo de quanto concederá de sanção ou ressarcimento à parte lesada.

  18. Por fim, as últimas duas linhas da Tabela 8 referem-se à soma das contribuições feitas pelas empresas com a vantagem auferida pela Paragás em cada modelo a título de curiosidade. Os percentuais expostos nas colunas ao lado referem-se a esse valor dividido pelo faturamento total das três empresas no Brasil e no Pará, respectivamente.

(ACESSO RESTRITO)

  1. Com relação à Tabela 9, cada uma das suas subtabelas refere-se a cada um dos dois modelos. Na segunda coluna têm-se as participações de mercado a partir dos faturamentos de 2004 das empresas em questão no mercado do Pará. Na terceira coluna, apresenta-se o resultado da vantagem auferida do cartel em abril de 2005, quando o cartel findou, em tese. Na quarta coluna, encontra-se o resultado da vantagem auferida corrigido pelo custo de oportunidade do dinheiro até agosto/2016.

  2. Na quinta e última coluna encontram-se os percentuais relativos às contribuições pecuniárias pagas pelas empresas Liquigás e Supergasbrás vis-à-vis da vantagem auferida de cada empresa no mercado relevante em questão. Esses valores podem ser interpretados como: se as empresas Liquigás e Supergasbras não tivessem feito TCCs, elas teriam tido uma vantagem auferida em ago/2016 deste montante. Por exemplo, na Tabela 9, Modelo 2, é como se a Liquigás tivesse que pagar atualmente algo em torno de R$ 31 milhões e a Supergasbras menos de R$ 800 mil.

  3. Como na verdade estas empresas fizeram acordos e pagaram aproximadamente R$ 23 milhões e R$ 12 milhões a preços de 2016 (Tabela 8), é como se, no caso do Modelo 2, no caso da Liquigás, ela tivesse tido um desconto de 26%, e, como se, no caso da Supergasbrás, ela tivesse pago um valor muito superior à vantagem auferida obtida (1537% a mais).

  4. No caso da Paragás, o valor de 100% (coluna cinco) é apenas uma comparação didática entre o valor da vantagem auferida (Tabela 8) com o quanto ela teria que pagar de contribuição mínima, uma vez que a sanção pecuniária precisa ser maior do que a vantagem auferida obtida por ela.

  5. Nota-se, por fim, que, pela coluna 4, a vantagem auferida do cartel como um todo, dependendo do modelo a ser escolhido, varia, em ordem de grandeza, entre R$ 80 milhões e R$ 160 milhões, o dobro. De fato, como o sobrepreço no Modelo 1 era de 8,2% e no Modelo 2, de 4%, era de se esperar que a vantagem auferida dobrasse.

  6. Se for tomada uma média entre as duas vantagens auferidas, o que é indicado pela literatura econômica, o resultado é de: R$ 72.854.109. Se houver que escolher um dos dois Modelo, do ponto de vista da teoria econômica e de acordo com os testes de tendência, o Modelo 2 é o que deve ser usado, cuja vantagem auferida é de R$ 97.521.249. Mas, se o Juiz escolher um modelo em prol do reu, ainda que não seja o mais adequado do ponto de vista teórico, deve escolher R$ 48.186.970.

    .

(ACESSO RESTRITO)

  1. De acordo com o cálculo da vantagem auferida com a ilicitude de cartel pela Paragás, foram estimados valores a partir de dois modelos. O Modelo 1 acarretou em um montante mais elevado, pois o grupo de controle é formado pelos estados mais competitivos no Brasil. O Modelo 2 resultou em um montante consideravelmente menor (a metade daquele) porque o grupo de controle é formado por todos os estados menos o Pará. Mesmo não tendo sido condenado pelo Cade qualquer cartel de GLP no período investigado (e, por isso, não havia uma razão objetiva para retirar qualquer estado deste grupo), é fato de que deve ter havido, dadas as diversas investigações arquivadas, denúncias recebidas pelo Cade e complexidade do mercado.

  2. Oxera (2009) salienta que dois modelos em geral são suficientes para se ter um bom parâmetro e o melhor a fazer é tomar a média desses valores, para retirar qualquer possível viés de seleção.

  3. Neste caso específico, se há viés este é em prol do réu, tanto com respeito ao tempo de escolha do cartel (que pode e deve ter sido maior), como no concernente à escolha do grupo de controle utilizado (que deve ter captado os preços de estados cartelizados não detectados pelo Cade).

  4.  Observa-se que, diante da estimação da vantagem auferida, “o percentual sobre o faturamento da empresa” é obtido endogenamente, não sendo imposto de forma exógena pelo Cade, como é a forma usual de se fazer atualmente. Como é possível fazer a comparação do valor obtido nos Modelos com relação ao faturamento no ano anterior à abertura do PA (no caso, em 2004), pode-se trazer a valor presente utilizando-se do IPCA (índice de preços oficial do governo) ou pode-se capitalizar pela Selic, tanto a juros simples como a juros compostos. Por exemplo (Tabela 10): se for tomado o faturamento de 2004 no Brasil aos preços de 2016 sendo corrigido pelo IPCA, este percentual é de 11%. Se, por sua vez, prefere-se comparar o valor da vantagem auferida com o faturamento de 2004 no Pará aos preços de 2016 sendo corrigido pelo IPCA, este é de 20%. Se, por fim, for considerado o faturamento de 2004 no Brasil capitalizado pela taxa de juros Selic a juros simples, o percentual seria de 9,4%.

  5. Como a punição à empresa (sanção pecuniária) precisa ter finalidade última ressarcitória e dissuasória, há que cobrar um valor maior do que a vantagem auferida obtida pela empresa, conforme diz o artigo 37 e a teoria econômica (incentivos). Nos EUA, além da sanção imposta pelo DoJ na esfera penal (já que cartel não é tratado no âmbito administrativo), na esfera civil, cobra-se o treble damage (quando não for o leniente, e uma vez o dano, para o leniente), onde o valor da vantagem auferida é multiplicada por 3.

  6. Pergunto: se você é um Juiz e está julgando um rapaz que roubou um carro, como você o multaria? Apenas pediria para o rapaz devolver dito carro, que é igual a vantagem auferida por ele em dito delito? Isso seria uma punição dissuasória? O mesmo vale para ca. Mesmo no âmbito do Cade, cobrar uma multa equivalente a vantagem auferida, como há uma probabilidade do rapaz não ser pego, é estimular o ato ilícito.

  7. De forma geral, conforme menciona expressamente o caput do artigo 36, a conduta produziu efeitos, que foram calculados. A sanção deve ser equivalente a um valor igual ao efeito nocivo causado ao mercado sobre a probabilidade da detecção do cartel. Quanto menor for esta probabilidade, maior terá que ser a sanção, para que esta seja dissuasória. No caso dos EUA, esta é de 1/3, ou seja 33%. Por isso o treble damage!! Se a percepção fosse de que a probabilidade de detecção fosse menor, como por exemplo, 1/6, a sanção dobraria de valor.

  8. Como é o primeiro caso no Cade a ser estimado os efeitos danosos ao mercado, imporei um acréscimo à vantagem auferida de apenas 1,20, o que quer dizer que estou implicitamente tendo como hipótese que no Brasil há uma probabilidade de detecção de 83,3%, muito maior que nos EUA! Mais uma vez, conquanto eu não coadune com esta hipótese, como este voto inova nesta forma de sancionar, optei por ser a mais benéfica possível ao réu. Se este caso for levado à Justiça, assim, o juiz terá em mãos condições de verificar objetivamente quais foram as hipóteses que utilizei, de forma totalmente transparente, para, então, ampliar a sanção aqui imposta, se assim desejar.

  9. Pelas razões ora mencionadas, acrescendo 20% sobre o valor da vantagem auferida, resultando em uma estimação de dano concernente ao cartel hard core ao redor de R$ 9,6 milhões[71],  (Tabela 10 contém o valor preciso)

  10. Além disso, como houve a comprovação de quatro outras condutas anticompetitivas ilícitos adicionais (com o objetivo de manter a conduta principal, o cartel hard core), mais quatro sanções serão consideradas, todos como percentuais do valor da vantagem auferida. Essas condutas foram essenciais para que dito cartel se mantivesse por 27 meses, ao menos. Por isso, a sanção final foi acrescida em 5% sobre o valor da vantagem auferida para cada um dessas condutas.

  11. O montante que chamo de “total a pagar” é o cômputo final do dano tomando o modelo 2 (ou seja, o mais benéfico para a Paragas). O ideal, para efeitos de reparação de dano na esfera civil, é computar a média (Tabela 11).

  12. Portanto, o total desejado a pagar seria os descritos nas tabelas abaixo na coluna 3. No primeiro caso, este representa 13,1% do faturamento em 2004 da Paragás no Brasil corrigidos pela Selic a juros simples. No segundo, 19,8% e no terceiro, 26,5%.

Tabela 10 – Estimação do dano (1)

Tabela 11 – Estimação do dano (2)

Tabela 12 – Estimação do dano (3)

(ACESSO RESTRITO)

  1. Como bem alertado pelo Conselheiro João Paulo no seu Voto Vogal sobre esse caso, a razoabilidade da aplicação de parâmetros para cálculo de vantagem auferia “é reconhecida, inclusive, pela Superintendência-Geral na Nota Técnica do TCC firmado pela Samsung (SEI n.º 00191201) em fevereiro de 2015, no âmbito do PA referente cartel internacional de memória RAM, recentemente julgado pelo CADE”. Nas palavras da SG:

“De forma a se considerar o impacto anual da infração, propõe-se que seja aplicada à multa obtida um adicional proporcional à duração da prática. Para tanto, propõe-se que seja somada à multa um adicional de 10%, da alíquota base aplicada por ano, completo ou não, descontado o primeiro ano. Para fins de a multa ser efetivamente “superior à vantagem auferida”, reconhece-se que esse adicional ainda não seria suficiente. Nesse sentido, o modelo europeu, ao multiplicar a multa base pela quantidade de anos de duração da conduta, se mostra mais adequado para tal fim. Todavia, carecendo o CADE de normas próprias ou de jurisprudência nesse sentido, entende-se que a sua exigência em sede de negociação de TCC não seria razoável, uma vez que não guardaria relação, hoje, com um cenário de condenação crível. Por tal razão, a utilização dos 10% da alíquota-base se mostra adequada, não representando uma total ruptura com expectativas de condenação, mas, ainda assim, permite uma maior adequação da sanção às diferentes situações de duração das condutas”.

  1. Ao citar a Nota da SG, o Conselheiro João Paulo assevera que a mesma seguiu “no sentido de lamentar que este Tribunal não tenha uma jurisprudência que privilegie a fixação da multa a partir de critérios que guardem proporcionalidade com a vantagem auferida com a infração, em razão, principalmente, de desconsiderar a duração do cartel na definição da pena. Assim, propõe um adicional na alíquota, de 0,1%, em que pese reconhecer se tratar de critério insuficiente”.

6. Comentários sobre as alegações finais e o parecer econômico

  1. Primeiramente gostaria de manifestar meu apreço pelas alegações finais feitas neste caso. Não só porque continha um ótimo trabalho realizado pela equipe do Prof. Gesner de Oliveira, respeitado economista, mas, também, porque foi a primeira vez que vejo um documento como este (alegações finais) com tantos argumentos econômicos. Ainda que discorde de parte considerável deste, é com muito prazer e respeito que os recebi e li. Seguem abaixo meus comentários. Para ser didática, vou por partes, seguindo a manifestação da Paragas e parte do meu voto-vogal na Sessão 96a, do dia 07/12/2006.

Rejeição do TCC

  1. O TCC não foi aceito “por não ter sido oportuno e nem conveniente”, e não por inadmissibilidade. Além disso, o caso estava sob minha relatoria desde o início do meu mandato, há mais de um ano e já com dois TCCs celebrados (um em 2013 e outro em 2014), o que teria dado à Paragás tempo mais do que suficiente para que tivesse vindo ao meu gabinete para propor um TCC. Se tivesse vindo há um ano atrás, provavelmente eu teria aceitado tal pedido, mesmo com os três pareceres tendo sido emitidos. O mais impactante foi o pedido extemporâneo, lembrando que a Paragas só se manifestou quando o caso foi pautado e retirado de pauta no dia por mim mesma! Lamento, portanto, pela demora.

Dano, sanção e ilegalidade

  1. Para se chegar a uma sanção dissuasória e proporcional ao dano causado à sociedade, não há como evitar a estimação do dano, ainda que este assunto seja controverso e ainda que eu, neste Voto, tenha dado tratamento separado para “estimação do dano” e “sanção pecuniária”. De fato, se não conhecermos o tamanho do dano, como saberemos se estamos sendo proporcionais (entre a sanção e o dano) e aplicando multas de fato dissuasórios? Proporcionalidade é tudo que advogo! Vide o meu voto vogal caso da Oi x GVT.

  2. Sei que o tema é inovador e que obviamente o desconhecido traz incerteza, logo, ansiedade e desconforto. É normal, eu entendo e faz parte. Mas não se pode rejeitar o “novo” de forma per se. Temos que ao menos fazer aqui um debate à la regra da razão: identificando “os prós e os contras”.

  3. Pode ser que a falta de previsibilidade (no caso da sanção ser uma função do dano) seja, talvez, o maior empecilho para os advogados se aventurarem por esta vereda, mas entendo que um saldável diálogo levaria a uma conclusão. O “não conversar” é o que não agrega. O “calar-se” é o que impede a evolução. Por isso creio que seria produtivo se fazer verdadeiras discussões de “ponto e contraponto”,. Afinal, não é assim que se progride. Mesmo que o resultado final desse diálogo seja para ficar com o status quo, ainda assim, pela simples discussão, afirmo que terá havido progresso na forma de pensar. Ao menos na minha. Afinal, como diz Max Weber (jurista e economista): “o homem não teria alcançado o possível se, repetidas vezes, não tivesse tentado o impossível”.

  4. Portanto, aproveitando que na manifestação da Paragas ela explora esse ponto, quero esclarecer que para mim, leis (que inclui o artigo 37 da Lei 12.529/11) existem para serem cumpridas. Sou ortodoxa e gosto de respeitar o que nela se contém. Posso expressar descontentamento com a redação e ousar em sugerir uma nova redação para dito artigo. Isto, por sua vez, não quer dizer, em hipótese alguma, que eu queira violá-la ou que eu vá descumpri-la. Quando me manifestei pela não homologação da Resolução 3, quis fazer apenas uma manifestação sobre meu descontentamento com a sua escrita e com o seu vocabulário, não de iria violá-la.

  5. Neste sentido, o que pode estar ocorrendo é ruído na interpretação do artigo 37. A minha, por exemplo, é que não se pode cobrar menos do que 0,1% do faturamento (…), mas é possível que se cobre mais do que 20%, pois este valor “jamais pode ser inferior à vantagem auferida”. Além disso, o legislador foi específico ao definir “ramo de atividade”, mas nada falou sobre o faturamento da empresa, que, portanto, pressupõe-se ser no Brasil. Desproporcional pode ser. Eu acho. Não gosto da escrita deste artigo. Mas é o que a lei diz e é isso que temos que seguir, se utilizamos os parâmetros percentuais..

  6. Além disso, entre “dar um número fechado, de 12%, 15% ou 20% do FB do ano anterior a abertura do PA” e “fornecer uma maneira que você possa se defender a posteriori”, certamente a segunda opção é mais trabalhosa para a Administração Pública, porém mais justa, correta e proporcional com o administrado, principalmente para aquele que se sente injustiçado. Esse é um dos debate que falta para completar a grandeza do Cade. É o law and economics.

  7. No entanto, mesmo com esta interpretação da lei e ainda que eu tenha trazido no voto do GLP uma “inovação estimar a vantagem auferida”, no momento de sancionar, eu não ultrapassei os 20% expressos na lei, tendo aplicado uma multa referente a “13,1% do faturamento da empresa no ano anterior a instauração do processo administrativo”, estando abaixo, vale dizer, da própria jurisprudência do Cade, que tem usado os parâmetros estipulados no guia de TCC, página 28, que menciona em 15% como base para carteis hard core, que é o caso.

  8. Obviamente ao “julgador não cabem inovações reservadas à competência estrita do legislador”, mas, neste e em todos os casos que trouxe a Plenário segui a lei, tal qual está escrita e como sempre farei. Em que sentido, portanto, o resultado final da sanção que impus não respeita o que dispõe a lei concorrencial brasileira, como alega a Paragás? Quando eu violei dita lei? A resposta é: nunca.

Isonomia na multa e conformidade com os parâmetros da lei e jurisprudência

  1. Dito isso, a Paragás solicitou que fossem usadas as mesmas regras adotadas nos TCCs anteriores a este caso (eu considero um pedido justo, muito embora a própria Paragás reconheça que TCCS são negociáveis individualmente entre Cade e empresa[72]) e, concomitantemente, que seja adotada a jurisprudência do Cade, usando os parâmetros usuais. Com relação à jurisprudência é fácil verificar que, em casos de hard core, o Cade tem aplicado, como já mencionei, a alíquota de 15% como base para a multa final, como expõe o Guia do TCC, na página 28; e não a alíquota de 1% sugerida pela Paragás. Aplicar 1%, aliás, seria algo inédito no Cade de hoje, embora possa ter ocorrido no Cade de outrora. Além disso, ao meu ver, aplicando uma alíquota de 15% a uma multa esperada, pela lógica da estimação do dano apresentada por mim, o que deveria diferenciar entre os TCCs seriam as participações de mercado e os descontos dados.

  2. Com respeito a isonomia de regra, já tinha tentado identificar algum padrão nos autos do processo, mas não consegui. Pode ser falha minha, mas ao que parece, os parâmetros usados pelos ex-Conselheiros, não conversam entre si. A ver:

  3. O Conselheiro Ruiz usou como base o faturamento do Pará; desconta os tributos e rebatimentos; capitaliza com a Selic a juros simples e depois aplica uma alíquota de 13%; sem dar desconto, alcançando um valor de R$17.891.081.

  4. A Conselheira Ana Frazão, por sua vez, usa o faturamento no Brasil, não desconta os tributos, faz algum tipo de correção (que parece ter sido o IPCA, mas não tenho certeza), depois aplica uma alíquota de 0,5%; sem dar desconto, alcançando um valor de R$ 10.0834.457. Comenta ainda que este valor se refere à 23,71% do faturamento no Pará, acima dos 20% mencionados na lei (ainda que, como legalmente o relevante é o faturamento no Brasil, este dado torna-se meramente informativo).

  5. Desta forma, como eu não identifiquei um formato único a seguir, ainda que, repito, possa ter sido falha minha, fiz novos cálculos, utilizando dados públicos da ANP, para tentar chegar a alguma lógica entre ditos TCCs e a sanção da Paragás.

  6. Com dados da ANP (disponíveis e utilizado pela Paragás em sua manifestação), computei o faturamento de cada uma das empresas em 2004, apliquei o fator normalmente usado pelo Cade, que é relativo à renumeração da Selic capitalizada a juros simples, para cada caso (Liquigás até 2013, Supergasbrás até 2014 e Paragas até 2016) e, por fim, apliquei a este valor 15% e 20% do faturamento da empresa sobre ditas correções no Brasil e no Pará. Os resultados são os apresentados abaixo:

 

  1. Observando os números da tabela, nenhum deles parece conversar entre os TCCs. No caso da Paragás, considerando o Brasil, para novamente usar a jurisprudência do Cade, a mesma teria que ser de um valor de multa de R$ 77.264.686, 14,5% acima da sanção aplicada por mim, que foi de R$ 67.461.748. Desnecessário observar que a Paragas trouxe como jurisprudência dois casos peculiares: um em que a multa ficou oculta e outro cuja multa é de 1%!! Não mencionou, contudo, no Guia de TCC, pag. 28, em que diz que a alíquota base de hard core cartel é de 15%, nem o fato desta estar sendo a jurisprudência no Cade

Modelo Econométrico

  1. Primeiramente gostaria de dizer que a estimação de dano não é sinônimo de ter que se fazer exercícios econométricos, muito embora estes tragam grande ajuda nesta matéria. Como o grande charme, logo, complexidade, de toda essa econometria é encontrar o preço contrafactual do produto/serviço em questão ou o sobrepreço, pode-se, em grande medida tomar um percentual da jurisprudência, algo entre 10% e 30%, e aplicar sobre a quantidade do período do cartel. Esse é o que o Conselheiro João Paulo tem feito e esse seria um caminho a trilhar, na ânsia de dar previsibilidade e de se ter um cálculo fácil. Ainda que este caminho seja uma possibilidade, há pontos negativos a serem considerados neste debate, a saber:

  2. Primeiro, o Cade, nunca identificará de fato o verdadeiro dano dos carteis no Brasil, pois estará corriqueiramente importando parâmetros internacionais (considerando que os nacionais são da ordem de 50%). Sendo o Cade a maior autoridade e referência na matéria de concorrência no país e o único interessado em investir esforços nesta matéria, é no mínimo um argumento a ser sopesado. Como contrapartida, poder-se-ia ter a sanção calculada desta forma e o item “estimação do dano” a parte, para servir como base para a sociedade saber o quanto aquele cartel causou de dano no Brasil.

  3. Segundo, e mais grave, que se o setor privado já sabe de antemão que o valor da multa será de X% sobre o faturamento no período, fica mais fácil tomar a decisão de se fazer ou não um cartel. Por que não fazer? A previsibilidade pode ajudar o mercado a se cartelizar, apenas colocando um patamar mínimo para a entrada neste ato ilícito, que é o quanto seria a multa (completamente esperada) imposta pelo Cade. Assim, o que há que considerar, neste aspecto, é nos incentivos que as regras podem gerar nos agentes.

  4. Quando ao modelo econométrico que trouxe em meu voto, sei que este é inovador no Cade (muito embora seja corriqueiro na literatura econômica). Por ser inusitado, este foi duramente criticado por uns e efusivamente aplaudido por outros. Isso tudo faz parte do bom debate de ideias e não me importo ser hoje minoria. Minha satisfação, no entanto, não é com o fato de ter alguns (poucos economistas talvez) elogiando, mas em permitir que o representado possa ter formas de contestar a sanção imposta por mim, juíza, fazendo uso de argumentos econômicos, vinculados à estrutura do mercado, aos preços, às restrições legais, discutindo se faz sentido ou não o sobrelucro encontrado, etc., como o que ocorreu neste caso em concreto. Está aí justamente a beleza da discussão do law and economics, seja na área do antitruste, do crime ou da avaliação de políticas públicas.

  5. Fico muito feliz, assim, em ver pela primeira vez um memorial com comentários econômicos, mais especificamente, sobre o modelo econométrico que trouxe ao voto, ainda que estes consistam em críticas, algumas, equivocadas. O fato é que podemos discordar sobre algumas hipóteses e o que seria mais ou menos adequado a considerar, mas acho que é isso que está faltando no debate no Cade, o qual, vale reconhecer, já é muito denso e profícuo na parte jurídica. Trazer à mesa uma discussão mais profunda acerca dos números do mercado e de quão próximo ao verdadeiro valor de dano estamos sancionando, são ganhos indiscutíveis.

Críticas ao modelo

  1. Por último quero mais uma vez agradecer ao admirável Professor Gesner e aos demais brilhantes economistas que foram a sua equipe, que fizeram um belo parecer econômico. Abaixo gostaria de esclarecer algumas escolhas que fiz, dado que em uma apresentação em Plenário não há como detalhar o modelo feito, embora alguns dos pontos, tenham sido devidamente endereçados.

  2. Não há dúvida da necessidade de se ter uma tendência comum entre as séries (CRÍTICA 1), como, aliás, também expressou corretamente o DEE na sua pág. 4 da sua nota técnica. De fato, o melhor modelo dos dois foi indubitavelmente o que tem apenas 4 estados, que apresentou tendência comum. Não só porque é o grupo de controle mais apropriado e o que apresentou um sobrepreço mais realista (8%, ainda que seja baixo observando a evidência internacional), mas, sobretudo porque há tendência comum entre as séries. Desta forma, os efeitos da desregulamentação do setor a partir de 2001 (CRÍTICA 2), por exemplo, podem ser completamente afastados.

  3. Com relação às especificações, há uma infinidade de opções e poder-se-ia passar uma vida alterando modelos e especificações. Por isso, o mais sensato é identificar algumas hipóteses razoáveis, que sejam mais realistas e aplicáveis ao caso concreto, e evitar modelos estruturais, demasiados complexos. Incorporar o gás natural no modelo (CRÍTICA 3), por exemplo, foi aventada, mas, depois, foi afastada. Faço aqui duas argumentações para não incorporar este tipo de combustível no modelo de GLP. Primeiro porque há dúvidas se os dois gases competem. Em geral o consumidor residencial está preparado para receber um tipo ou o outro. Dificilmente ele tem esta discricionariedade. Em segundo, e mais importante, porque o GN residencial, de acordo com documento do Sindigas, sindicato que congrega as principais empresas do setor, intitulado “Gas LP, gás do Brasil”, é mais caro do que o GLP, ao contrário do que se pode pensar. Isto quer dizer que, se a ideia é incorporar o GN para que possa servir de variável para explicar por que os 4 estados são mais competitivos (que foi o que eu mesma havia aventado), esta hipótese torna-se inócua. De qualquer forma, ainda que sem prosperar, é uma crítica meritória e que poderia proceder.

  4. Já as CRÍTICAS 4, 5 e 6 são críticas curiosas porque depõem contra o próprio representado. Não poderia concordar menos. De fato, o Modelo 2, que teve como controle todos os estados, pode ter um tremendo viés de baixa (isto é, de estar subestimando o sobrepreço). Obviamente houve todo um cuidado de verificar com a SG se não havia denúncia com condenação no período em questão. Pasme que não houve. Concordo integralmente com os pareceristas, que, ainda que não tenha sido verificado cartel segundo a SG, é baixa a probabilidade de não ter havido cartel em algum dos estados. O problema está em escolher aleatoriamente quais estados retirar, sem uma condenação pelo Cade. Por isso, adotou-se uma regra geral, ainda que se tenha em mente o viés em prol do representado, como identificado corretamente pelo parecerista. Por isso, o sobrepreço ficou tão baixo (CRÍTICA 5), no que concordo mais uma vez com a Paragás. Esperava por um resultado de sobrepreço maior, mas não foi o que os dados mostraram. Portanto, mais uma vez, (CRÍTICA 6), estou completamente de acordo que o Modelo 2 tem viés para baixo, além de não ter sido possível concluir pela tendência comum..

  5. Data máxima vênia, o sinal do cartel foi negativo no modelo realizado pela consultoria GO (CRÍTICA 7), mas este não foi o resultado encontrado no caso da nossa modelagem, como apresentado no anexo deste voto.

  6. Além disso, com relação a estimação de sobrepreço do cartel utilizando apenas os estados do Norte que apresenta um coeficiente negativo e estatisticamente significante (Ver “Quadro 9: Resultado da metodologia Diff-Diff – grupo de controle  estados do Norte” do referido parecer), também replicamos (Resultados abaixo) e os resultados divergem. Na estimação apresentada na Tabela abaixo, há divergência no número de estados utilizados. O total de observações reflete a multiplicação de 45 meses pelos 7 estados do Norte, totalizando 315 observações. No referido parecer, o Quadro 9 apresenta apenas 270 observações. Isso significa que o referido parecer utilizou erroneamente apenas 6 dos 7 estados do Norte, sem trazer justificativa aceitável ou evidência estatística para a utilização de tal grupo de controle. Como o resultado que se chegou foi de insignificância estatística do coeficiente do cartel, não há que se fazer também nenhuma análise adicional sobre a questão de tendência comum. No caso que replicamos a estimação abaixo, não há tendência comum, crítica feita pelo próprio parecerista, sem indicar o resultado do referido teste de tendência comum, no caso da estimação feita por eles. Portanto, devolvo, respeitosamente a crítica.

  1. Não importa se os preços são maiores ou menores em uma região comparada com outra. No DiD o importante é a diferença do sobrelucro. (CRÍTICA 8). Além disso, há indícios nas séries de preços sim, presentes no Voto. (CRÍTICA 9).

  2. Em suma, foi deveras interessante rebater e rediscutir os modelos. Essa é a discussão interessante neste tópico acerca da estimação de dano. Por outro lado, entendo ser contraproducente discutir se há ou não indícios de cartel, pois não é essa discussão que se pretende fazer aqui. Aqui é o cálculo dos efeitos, de um cartel com um robusto conjunto probatório.

  3. Por fim, vale dizer que, uma coisa é a estimação da vantagem auferida, como feita. Outra, é o cálculo da multa. Note que ambos estão em itens diferentes neste voto. O que considero é que em dito cálculo a estimação da vantagem auferida tenha que ser considerada, quando for possível (conforme diz a lei). Não há dúvida que o melhor Modelo, do ponto de vista acadêmico, é o 1. Ou, que, no mínimo, como aponta a teoria, haveria que tomar a média dos dois modelos para se chegar em um valor com minimização de vieses para não causar polêmica, considerei os pontos levantados pelas Partes e pelo Tribunal e abaixo segue a sanção pecuniária, sem menção sobre o dano estimado (que na versão falada em Plenário e deixada para os conselheiros lerem em PDF, foi o caso).

7. Da sanção pecuniária

7.1 Introdução

  1. A sanção pecuniária da Paragás neste caso será uma função da sua vantagem auferida no cartel, muito embora, como já dito, há que se ter em mente que o dano causado aos consumidores deste mercado (isto é, os efeitos negativos pela conduta, conforme expressa a Lei 12.529/11) é maior do que o valor total da vantagem auferida pelo cartel. Além disso, o próprio artigo 37 diz que a multa deve ser maior do que esta vantagem auferida

  2. A lei que se utilizará, assim, pode ser qualquer uma das duas (Lei no 8.884/94 ou Lei no 12.529/11), pois a multa não será uma função do faturamento, mas derivada do cálculo dos efeitos negativos causados pelo cartel, cuja redação é muito próxima em ambas as leis[73] e cujo valor seria o mesmo independente da lei.

  3. Apenas como observação, ainda que se quisesse utilizar os parâmetros das leis e ainda que se desejasse utilizar a lei mais benéfica para as empresas, fica a pergunta, qual delas aplicar. Vejamos a razão da dúvida. Se, por um lado, o cálculo da multa ocorresse de acordo com a Lei no 8.884/94, embora esta mencione 30% do faturamento de um ano (no seu último exercício), esta retira os impostos (o que é correto, ainda que haja dúvidas sobre a objetividade da matéria). Além disso, como a Lei não define qual é o mercado em questão, interpreta-se como sendo todos os mercados relevantes que a empresa atua[74] (que considera o faturamento total da empresa). Há quem interprete que devesse ser o mercado relevante do produto. Concordo que deveria ser, mas não é isso que está escrito e por isso a confusão. Para eliminar as possíveis interpretações, a Lei mais recente qualificou o mercado ao qual o faturamento faz referência, no caso, o “ramo de atividade”.

  4. Lei no 12.529/11, contudo, conquanto tenha diminuído a alíquota de 30% para 20% do mesmo faturamento (ano anterior à abertura do processo, diferentemente da Lei 8.884[75]), passou a não subtrair os impostos (o que é em princípio um equívoco, porém um critério mais objetivo dada a subjetividade da matéria). Além disso, passou a incorporar um conceito subjetivo de mercado, que é chamado “ramo de atividade”. Esta definição de mercado é em tese maior ou igual ao de mercado relevante, porém menor ou igual a todos os mercados relevantes que a empresa atua. Desta forma, não se pode saber a priori (sem fazer as contas) qual é a Lei mais benéfica para a empresa.

  5. De fato, existe um break-even point. Genericamente falando, considerando que o ano do faturamento é o mesmo (o que não é!) e que a definição de “mercado” é igual para as duas leis (o que também não é), sempre que o faturamento for maior do que 3 vezes os impostos, a lei nova é mais benéfica a empresa[76]. Quando, porém, os anos dos faturamentos forem iguais, mas os mercados forem distintos, sempre que o faturamento sob a lei 12.529 for 3 vezes os impostos menos a diferença dos faturamentos, a lei nova é mais benéfica a empresa[77]. Quando, por fim, os faturamentos e os mercados divergirem, há que fazer o cálculo considerando a correção pela Selic simples, que é maior do que a correção pelo IPCA. Neste caso, há que fazer a conta para cada caso[78].

  6. Trago o tema à discussão, apenas para lembrar que este foi fruto de muita controvérsia no passado, que levou o legislador a alterar a redação deste artigo na lei nova, tentando dirimir aqueles problemas, ainda que tenha trazido outros, ao meu ver. O artigo 37, por isso, segue provocando acaloradas discussões.

  7. Como neste caso trata-se de um só mercado (GLP), faz-se a suposição de que 30% sobre o faturamento de GLP da empresa no Pará em 2004 descontados os impostos e trazidos pela Selic simples até 2015 geram um valor maior do que 20% sobre o faturamento de GLP da empresa no Pará em 2015. Sendo a suposição correta, se os parâmetros fossem usados, a Lei mais recente seria a usada, por ser mais benéfica à empresa.

  8. Vale, por fim, fazer um último comentário, este também a título de curiosidade aos menos direcionados aos curiosos economistas, como eu. A jurisprudência do Cade admite que se deve usar a lei mais benéfica para as empresas para fins de sanção pecuniária, em consonância com a doutrina e jurisprudência do STJ, que aplica princípios e garantias do direito penal aos processos administrativos sancionadores. De fato, há ao menos duas normas na esfera penal, que podem ser citadas nesta vertente:

  9. A primeira, do artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal de 1988, que diz que “ a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. A segunda, do artigo 2ºdo Código do Processo Penal (Lei n.º 2.848/1940) diz que: “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984), e o Parágrafo único diz que: “a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”.  (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).

7.2 Dosimetria

  1. dosimetria da pena no caso de hard core serve para dosar a multa final a ser imposta com agravantes e/ou atenuantes, descritos no artigo 27 da Lei 8.884/94 e/ou no artigo 45 da Lei 12.529/11 a partir de oito elementos, a saber:

(1) Gravidade da infração: Conforme já dito, cartel é o pior ilícito concorrencial, que gera os maiores efeitos lesivos ao mercado e, por isso, sua repressão é prioridade das autoridades antitrustes em todo mundo.

(2) Boa fé: Não houve. Pelo contrário. Houve inclusive condutas verticais e revenda para empresas clandestinas, como condutas subsidiárias para manter o cartel.

(3) Vantagem auferida: Como é conhecido na literatura econômica, cartel hard core produz a maior vantagem auferida possível para os cartelistas, vantagem esta que foi computada neste Voto.

(4) Consumação da infração: Cartel hard core dispensa a produção de efeitos (per se). Além disso, no caso sob exame houve dois TCCs, o mais recente com confissão de culpa.

(5) Grau de lesão à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores ou a terceiros: Como repetido diversas vezes neste texto, cartel hard core reduz a produtividade e a eficiência econômica, prejudicando a todos e ao país.

(6) Efeitos econômicos negativos produzidos no mercado: idem aos item (5).

(7) Situação econômica do infrator: O faturamento da representada demonstra que se trata de empresa de grande porte.

(8) Reincidência: Não houve reincidência conhecida pelo Cade.

  1. Conclusão: Considerando os oito itens acima descritos, não há nada para ser atenuado, mas agravado. De fato, para manter o cartel, as empresas, e dentre elas a Paragás, cometeram quatro outros ilícitos subsidiários anticompetitivos (Tabela 12).

7.3 Valor monetário da sanção pecuniária

  1. Ainda que eu considere possível cobrar um valor pela sanção pecuniária acima dos 20%, de acordo com o artigo 37, pois aquele valor não pode ser menor do que a vantagem auferida, a qual foi devidamente estimada no item 5 deste voto, para não trazer qualquer outra discussão ao tema, já controverso, acolhi as sugestões feitas em Plenário e pelas Partes e optei neste caso em escolher um parâmetro dentro do intervalo de 0,1% até 20%, sendo este de 13,1% do faturamento da Paragás no Brasil, valor este abaixo da jurisprudência do Cade para cartel hard core, devidamente explicitado no Guia de TCC, página 28, que é de 15%. O valor da sanção será de: R$67.461.758.

8. Da sugestão não-pecuniária

  1. De acordo com o inciso VII do artigo 37 da Lei n.º 12.529/11, é possível impor medidas comportamentais no âmbito de PAs. Em virtude da ocorrência do cartel hard core, seria conveniente que fosse imposto um Programa de Compliance (Anexo ao Voto) para ser seguido pela Paragas. É uma forma de divulgar o tema da defesa da concorrência por todo esse extenso Brasil.

  2. No entanto, como o enforcement deste Programa é inexequível por parte do Cade em âmbito de PAs, tal exigência se torna inócua. Desta forma, anexo este Programa para servir como sugestão não-pecuniária para ser adotado pela empresa.

9. Da conclusão

  1. Ante o exposto, voto pela condenação da Paragás pela prática de cartel hard core, além das quatro condutas auxiliares, a saber:

I. Formação de cartel entre as representadas (art. 36, §3º,  I, “a” e “c” – art. 21, I, III);

II. Imposição de acordos de exclusividade por parte das distribuidoras aos seus revendedores e em que medida essa prática foi imposta com vistas a possibilitar eventual divisão de mercado e manutenção da suposta combinação de preços (art. 36, §3º III e IV, X – art. 21, IV e V, XII);

III. Recusa concertada de venda aos revendedores das outras distribuidoras e em que medida essa prática foi imposta com vistas a possibilitar eventual divisão de mercado e manutenção da suposta combinação de preços (art. 36,§3º, XI – art. 21, XIII);

IV. Fixação conjunta de preços de revenda do GLP (art. 36, §3º, IX – art. 21, XI);

V. Práticas por parte das distribuidoras que fomentavam revendas clandestinas no Estado do Pará, com o intuito de retaliar revendedores que não se submetessem ao regime de bandeira única e aos preços de revenda supostamente fixados pelas representadas (art. 36, §3º, III, IV, XII – art. 21, IV, V e XIV).

  1. Todas estas condutas estão previstas no art. 20, I e III c/c art. 21, I, III, IV, V, XI, XII, XIII e XIV, ambos da Lei 8.884/94, correspondentes, na Lei nº 12.529/11, ao art. 36, I e III c/c art. 36, §3º, I, “a” e “c”, III, IV, IX, X, XI, XII, conforme Despacho de Instauração nº 299 da SDE (nº SEI 0001291, fl. 793).

  2. A sanção pecuniária ficou no valor de: R$ 67.461.758. Este valor deverá ser pago da seguinte forma em 6 vezes, com pagamentos a cada dia 30 do mês, iniciando em 30/11/2016.

          É o voto.

Brasília, 15 de dezembro de 2016.

CRISTIANE ALKMIN JUNQUEIRA SCHMIDT

Conselheira Relatora

 

 

 

Anexo I – Leis 8.884/94 e 12.529/11

Lei n.º 8.8884/94:

Art. 23. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas:

I – No caso de empresa, multa de um a 30% (trinta por cento) do valor do faturamento bruto no seu último exercício, excluídos os impostos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando quantificável;

II – No caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida por empresa, multa de dez a cinquenta por cento do valor daquela aplicável à empresa, de responsabilidade pessoal e exclusiva ao administrador.

III – No caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será de 6.000 (seis mil) a 6.000.000 (seis milhões) de Unidades Fiscais de Referência (Ufir), ou padrão superveniente.

Parágrafo único. Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro.

Lei n.º 12.529/11:

Art. 37.  A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas:

I – No caso de empresa, multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação;

II – No caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais);

III – No caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida, quando comprovada a sua culpa ou dolo, multa de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento) daquela aplicada à empresa, no caso previsto no inciso I do caput deste artigo, ou às pessoas jurídicas ou entidades, nos casos previstos no inciso II do caput deste artigo.

§ 1o  Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro.

§ 2o  No cálculo do valor da multa de que trata o inciso I do caput deste artigo, o CADE poderá considerar o faturamento total da empresa ou grupo de empresas, quando não dispuser do valor do faturamento no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, definido pelo CADE, ou quando este for apresentado de forma incompleta e/ou não demonstrado de forma inequívoca e idônea.

 

Anexo II: Classificação de métodos e modelos para cálculo de dano da Comissão Europeia[79]

Anexo III – Tabela Livro da Flávia Chiquito dos Santos e texto do Connor

Sumário de Seis Pesquisas de Sobrepreço de Cartel [80] – Elaboração: Flávia Chiquito dos Santos, Aplicação de Penas na Repressão de Cartéis, Lumen Juris, 2016, 1ª Edição.

Anexo IV

(ACESSO RESTRITO)

Anexo V – Outputs do E-views

 Modelo 1

Modelo 2

Modelo 3

Anexo VI – Teste de tendência Comum

  1. Em um modelo com múltiplos grupos de tratamento (estados) e múltiplos períodos, torna-se mais difícil prover uma simples inspeção visual para a evolução das tendências especificas dos estados nos períodos onde não há tratamento. Segundo Pischke (2005) [81], uma maneira de testar essa suposição é admitir interações entre a unidade tratada e os períodos de tempo da base utilizada. Abaixo demonstra-se uma especificação econométrica que poderia ser utilizada. Seja  (início do Cartel) o momento em que o tratamento está sendo iniciado no estado i (Estado do Pará). Então o modelo é:

  1. Ao invés de um único efeito de tratamento, temos agora de incluir interações entre dummies  de tempo e a unidade tratada (Pará) antes do início do Cartel e após o início do Cartel.  é o coeficiente sobre a j-ésima interação entre dummies de tempo e a unidade tratada. Um teste para a suposição de tendência comum no diff-in-diff é , i.e., os coeficientes sobre todas as interações, pré-tratamento, devem ser estatisticamente indistintos de zero. Além disso, os  não precisam ser necessariamente idênticos. Por exemplo, o efeito de tratamento pode acumular-se com o passar do tempo, por exemplo, então o  cresce com . Esta  abordagem é a utilizada em Autor (2003)[82].

  2. Vide abaixo os resultados grifados do log do Stata, com a série variando de de Agosto de 2011 a Abril de 2005 (e preços em dez/2001 pelo IPCA) para o teste de tendência comum do Modelo 1:

Anexo VII – Implementação de Programa de Compliance Concorrencial

I. Introdução

  1. programa de compliance é complementar ao papel corretivo da legislação de defesa da concorrência, uma vez que essa não se limita a punir atos de infração à ordem econômica, mas corrigir imperfeições que prejudiquem a livre concorrência.

  1. programa de compliance é de inteira responsabilidade das Partes e sua execução deve ser comunicada ao Cade de 4 em 4 meses até completar o período de 4 anos, a partir do julgamento pelo Cade. Após esse período, os valores e objetivos do programa deverão estar comprovadamente incorporados à cultura “corporativa” dos Representados.

  1. Os Representados devem planejar, desenvolver e executar, por sua conta e custo, um detalhado programa de compliance (ou programa pedagógico) específico para cumprimento das normas antitrustes brasileiras.

  1. Os Representados devem entregar ao Cade dito programa de compliance em até 30 dias corridos, a partir da data de julgamento no Cade, para a sua aprovação.

  1. O objetivo principal do programa, ao meu ver, é garantir que em menos de 360 dias (a contar a partir do julgamento no Cade) todos os membros da instituição estejam devidamente informados, treinados e educados no tocante a toda legislação e regulamentação de defesa da concorrência e condutas anticompetitivas no Brasil

II. Requisitos mínimos

  1. Todos os prazos aqui mencionados têm como data inicial o dia de publicação da ata de julgamento do Diário Oficial da União. Toda a distribuição de informação deve ser feita prioritariamente por e-mail, por envio de cartas ou por cartazes afixados na instituição. Os membros da instituição incluem presidente, diretores, gerentes e todos os demais funcionários.

  1. programa de compliance deve ter alguns requisitos mínimos. São eles:

a. Disponibilizar síntese desta decisão na página principal de seu sítio eletrônico por 90 (trinta) dias corridos, de forma visível e legível, a contar da data da publicação da decisão;

b. Comunicar a todos os seus filiados o teor da presente decisão, assim como todas as sanções previstas a todos os membros da instituição, por meio de qualquer meio interno de divulgação;

c. Distribuir trimestralmente folhetos informativos específicos sobre defesa da concorrência a todos os membros da instituição, a começar no 30o dia útil.

d. Promover eventos semestrais, com a participação de advogados, e/ou economistas, e demais representantes do setor antitruste, a todos os membros da instituição para apresentação detalhada da legislação antitruste e de defesa da concorrência, sendo o primeiro realizado em até 60 dias úteis;

e. Promover testes trimestrais de 15 minutos com perguntas específicas sobre a aplicação da legislação antitruste no setor em questão, conduzidos por profissionais no assunto, a todos os membros da instituição, a começar no 180o dia útil;

f. Incluir no site da instituição e entregar fisicamente um manual básico, simples e objetivo (de no mínimo 15 e máximo 30 páginas) acerca do que “se pode e do que não se pode fazer” com relação à legislação antitruste no setor em que a instituição atua, a todos os membros da instituição, em até 180 dias úteis;

g. Criação de uma “hotline”, um mailing específico para os líderes do compliance receberem toda e qualquer comunicação sobre eventual descumprimento, sugestões, melhorias e afins para atendimento da legislação antitruste e de defesa da concorrência.

III. Conclusão

  1. O objetivo principal do programa é garantir que todos os membros da instituição estejam devidamente informados, treinados e educados no tocante a toda legislação e regulamentação de defesa da concorrência e condutas anticompetitivas no Brasil, com o intuito maior de preservar a instituição e seus membros com relação a uma possível infração à ordem econômica.

 

 


[1] O  acordo foi firmado no bojo de procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público, motivado, dentre outras coisas, por denúncia encaminhada pelo Sindicato das Empresas Revendedoras de Gás Liquefeito de Petróleo do Estado do Pará.

[2] “Em branco”.

[3] Às fls. 1426/1467.

[4] Requerimento n° 08700.002028/2013-29, de relatoria do então Conselheiro Ricardo Ruiz.

[5] Requerimento n° 08700.008299/2013-98, de relatoria da então Conselheira Ana de Oliveira Frazão.

[6] Entendimento semelhantes exarado pela Conselheira Ana Frazão em seu voto no âmbito do Processo Administrativo n.º 08012.004736/2005-42 (n.º SEI 0034378).

[7] FORGIONI, Paula. Contrato de Distribuição. 3.ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2014, p.119.

[8] Revendedora Andrade Batista & Cia Ltda./ Lig Gás (Agip), de Belém/PA (Resposta ao Ofício n.º 08067/2004 COGDC-DF/SEAE/MF).

[9] Kuroki & Silva Ltda. (Agip), de Belém/PA (Resposta ao Ofício n. 08078/2004 COGDC-DF/SEAE/MF).

[10] Revendedora Antônio R. K. Reis (Agip), de Belém/PA (Resposta ao Ofício n. 08068/2004 COGDC-DF/SEAE/MF).

[11] Revedendora A. L. Barreto C. V. Lopes (Agip), de Belém/PA (Resposta ao Ofício n. 08066/2004 COGDC/SEAE/MF).

[12] Revendedora M. V. Alves Comércio de Gás (Agip), de Bragança/PA (Resposta ao Ofício n. 08084/2004 COGDC/SEAE/MF).

[13] Reproduzidas às fls. 1385/1387, na Nota Técnica da SDE.

[14] Revendedora A. L. Barreto C. V. Lopes (Agip), de Belém/PA, em resposta ao Ofício n. 08145/2004 COGDC-DF/SEAE/MF.

[15 F.M. Valeriano Lopes – ME (Agip), de Santa Maria do Pará/PA, em resposta ao Ofício n. 08085/2004 COGDC-DF/SEAE/MF.

[16] Reproduzido à fl. 19.

[17] Revendedora D. C. Lopes Ltda. (Agip), de Marituba/PA (Resposta ao Ofício n. 08069/2004 COGDC-DF/SEAE/MF).

[18] No presente texto eu faço uma distinção entre cartéis hard core e soft (um contraponto ao hard). Tanto do ponto de vista econômico como legal, o primeiro é um ilícito criminal (hard core), mas não o outro (soft).

[19] É possível observar carteis verticais, mas aqui trata-se dos carteis horizontais, clássicos na literatura econômica.

[20] A definição de cartel hard core utilizada neste texto pode ser encontrada em vários textos. Um deles foi escrito pela Organization for Economic Co-operation and development (OECD). Recommendations & Best Practices: Recommendations of the council concerning effective action against hard-core cartels,1998.

[21] É importante considerar que os consumidores lesados não são tão-somente aqueles que tiveram o preço do produto/serviço aumentado, mas aqueles que tiveram que deixar de consumi-lo, porque o preço ficou maior do que o quanto estes estariam dispostos a pagar. Por isso, o cálculo de dano precisa refletir o conjunto de consumidores afetados, que, obviamente, vai além do que as empresas obtiveram a maior por terem cartelizado (também chamado na nossa legislação como vantagem auferida pelas empresas do cartel).

[22] Ou, na linguagem da Lei n.º 12.529/11, “por objeto”. A jurisprudência americana aplica o per se aos cartéis hard core. Ver em FTC and DoJ. Antitrust Guidelines for collaborations among competitiors; april, 2000.

[23] Um livro interessante sobre penas em cartéis é o de Chiquito dos Santos, Flávia. Aplicação de penas na repressão a cartéis: uma análise da jurisprudência do Cade. Lumen Juris, Rio de janeiro (2016). Segundo aquela autora, na pag. 37, nota de rodapé 70 de seu livro, essa interpretação foi também compreendida pelo Conselheiro-relator Luiz Carlos Prado nos PA no 08012.002127/2002-14 e no 08012.002299/2000-18.

[24] Porque, neste caso, poderia ser argumentado, ainda que discutível pela provável irracionalidade econômica, que poderia haver uma contestação de empresas menores contra uma líder, o que poderia gerar maior rivalidade, logo diminuição nos preços. Pela simples possibilidade de haver “eficiência” no ato ilícito, há que analisar pela regra da razão.

[25] Há diversos livros didáticos em microeconomia em que se pode encontrar este tema. Um deles é o Mas-Colell, A., Whinston, M. and Green, J. Microeconomic Theory. Oxford University Press (1995).

[26] Ou contribuições pecuniárias ou qualquer outra terminologia que queira expressar “valor monetário pago pelas empresas ao serem multadas”.

[27] O inciso I do parágrafo 3o do artigo 36 só comporta cartel hard core, ao meu ver, porque há que cumprir um dos 4 requisitos descritos. Os demais incisos, por outra parte, apesar de serem entendidos como condutas unilaterais, nada tem expresso de que não se pode dar a interpretação de uma conduta concertada. Portanto, os casos que chamo de cartéis soft, deveriam ser enquadrados entre os incisos II ao XIX (lei no12.529). Obviamente seria muito apropriado que houvesse um “novo inciso II”, antes de começar o verdadeiro inciso II, que comportassem condutas concertadas com estratégias outras que não as quatro destacadas no inciso I, mas, infelizmente, isso não tem. Com isso, inclusive para facilitar o enquadramento da tipificação da conduta e as pesquisas no SEI sobre cartéis hard core (para fazermos avaliações ex-post por exemplo), seria indicado que se usasse a tipificação do inciso I tão e somente para os casos de cartéis hard core.

[28] Não entendo a razão da palavra “obter” na frase do inciso II, par.3o, art. 36. Uma possibilidade de redação seria: “promover ou influenciar a adoção de conduta concertada entre concorrentes de um determinado mercado relevante e/ou obter vantagem nesta promoção e influência”.

[29] Respeito daqueles que divergem desta interpretação. Decerto, no Cade, ao longo da história há quem defenda que seja per se estes casos de soft cartel. Eu, em particular, de acordo com a lógica econômica, e entendendo que antitruste faz parte de um grupo maior do “law and economics”, respeitosamente, divirjo dos que pensam de forma distinta da minha.

[30] À luz do que os Conselheiros Márcio Oliveira Junior e João Paulo de Resende vêm considerando em seus votos com o intuito de averiguar se a imposição de uma Tabela de Preços é prejudicial para a concorrência, há ao menos cinco pontos a serem considerados, ainda que o ponto central seja a comprovação ou não de eficiências (item “e” abaixo) e que estas se sobreponham aos custos da conduta. São estes: (a) legitimidade da associação, cooperativa, sindicato etc. para tratar do tema de forma coletiva (em nome de seus membros), que, ainda que seja uma mera formalidade legal, é necessária para legitimar as ações do “representante”; (b) inexistência de coerção direta ou indireta por parte da associação, cooperativa, etc. em relação aos seus membros na adoção de “regras do sindicado, associação, etc.”, o que daria a possibilidade, inclusive, de haver negociação direta (barganha bilateral) de seus membros com terceiros, sem a presença da associação, cooperativa, etc.; (c) inexistência de discriminação entre  associados e não-associados por parte da associação, sindicado ou cooperativa (d) verificação, se for o caso, de poder de barganha pré-existente da outra parte, que daria propósito ao argumento da necessidade do poder compensatório, que pode ser um tipo de eficiência, e, finalmente, (e) verificação dos efeitos sociais líquidos positivos (análise custo-benefício) da conduta por meio  da análise pela regra da razão. Alguns processos administrativos nesta vertente são: PA nº 08012.003706/2000-98 (COOTES /COOPERCIGES), PA nº 08012.010470/2005-77 (Cardiotórax); PA nº 08012.010187/2004-64 (Hospital Renascentista); PA nº 08012.001020/2003-21 (Hospitais Campina Grande) e PA nº 08012.012217/2007-10 (cooperativas CE).

[31] A estimação de dano é feita para qualquer conduta e não só para os cartéis hard core. No caso deste voto, será apresentada metodologia de estimação para cartel hard core, mas há ao menos três exemplos recentes no Cade sobre estimação de dano, cada um com uma lógica econômica distinta. Um referente a uma conduta unilateral, outro de um soft cartel (também uma conduta unilateral) e o terceiro, de um cartel internacional. O primeiro é o PA 08012.003824/2002-84 (Tecon Salvador e Intermarítima). Neste, o Conselheiro João Paulo de Resende fez um voto-vogal e estimou a sanção pecuniária da cobrança da taxa denominada informalmente por THC2 como sendo uma função da vantagem auferida pelo operador portuário nos seus 7 anos de conduta ilícita. Para ele, esta vantagem nada mais foi do que o faturamento obtido por este agente econômico durante o período da conduta, isto é: a taxa vezes o número de contêineres movimentados. O cálculo de dano foi de R$ 40,8 milhões, sendo que a vantagem auferida da Tecon foi de R$ 18 milhões e da Intermarítima, de R$22,8 milhões. Se a estimação tivesse sido feita de acordo com UFIR, a sanção pecuniária de cada um seria de R$3,7 milhões e R$2,1 milhões, respectivamente. O caso ficou empatado e o Presidente desempatou seguindo o voto-relator. O segundo é o PA 08012.010470/2005-77 (Cardiotórax, fixação de tabela de preço). Neste, o Conselheiro de Resende pediu vista. Ele comparou os preços e quantidade de procedimentos nos 6 anos da conduta (tomando a “consulta” como o procedimento mais simples e mais barato) e calculou a diferença. A vantagem auferida pela associação (que, neste caso, é igual ao dano causado ao mercado) ficou em R$883 mil, enquanto a multa proposta era de R$106 mil. Seu voto restou vencido por 4 a 2. O terceiro caso é o PA 08012.001029/2007-66 (Perborato de Sódio). Neste, o Conselheiro de Resende era o relator. O cálculo se deu pela diferença entre o preço praticado no período do cartel e aquele praticado no período do não-cartel, multiplicada pelo volume importado pelo Brasil nos 3 anos da conduta. Neste caso a multa foi três vezes o valor da vantagem auferida (R$17 mi), que ficou aquém da multa tradicionalmente cobrada (12% sobre o faturamento, R$298 mi). Aqui, o voto-relator venceu por 4 a 1.

[32] Acerca do ponto paralelismo plus, há um voto vogal que proferi na sessão do dia 19/out/2016 (93SOJ), que expressa minha opinião sobre um caso (PA 08012.008855/2003-11, vulgo PA do Cimentinho) que, mesmo que não fosse arquivado por bis in idem e/ou prescrição intercorrente, deveria ser arquivado devido à racionalidade econômica alinhada ao inexistente conjunto probatório e a não adequação das evidências da “doutrina do paralelismo plus”.

[33] Cabe observar que punir – ainda que não tenha caráter ressarcitório – acaba tendo este papel, pois o dinheiro arrecadado vai para o Estado, que pode distribuir na sociedade, conforme seu entendimento. Além disso, dependendo da punição, esta pode cumprir um outro papel importante: o da dissuasão. Uma boa referência para leitura, ainda que com outro enfoque que estou dando aqui, é o livro de Martinez, Ana Paula. Repressão a cartéis: Interface entre Direito Administrativo e Direito Penal. São Paulo: Singular, 2013.

[34] Ou seja, que o MP tenha atuação de fiscal da lei. Neste sentido, cabe reconhecer o excelente papel que o MP tem tido na Operação Lava Jato, por exemplo, além do ótimo trabalho que vem tendo junto ao Cade. No caso de cartéis hard core, esta harmonia foi aprimorada com a assinatura do acordo de cooperação entre a AGU e o Cade em outubro/2016.

[35] Pelo Glossário Jurídico do Supremo Tribunal Federal, amicus curiae significa “amigo da corte.  Intervenção assistencial em processos de controle de constitucionalidade por parte de entidades que tenham representatividade adequada para se manifestar nos autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional. Não são partes dos processos; atuam apenas como interessados na causa”. De alguma forma, o Projeto de Lei do Senado no 283, do senador Aécio Neves, endereça de alguma forma a questão ao menos entre as esferas administrativa e civil.

[36] Há um Projeto de Lei do Senado, no 283/2016 que, dentre outras coisas, sugere uma relação mais próxima entre as esferas administrativa e cível.

[37] Nos EUA, em virtude da lei ACPERA (Public Law 108-237/Title II—Antitrust Criminal Penalty Enhancement and Reform Act of 2004), o leniente recebe os seguintes benefícios: (1) impunidade criminal; (2) ter sanção pecuniária na esfera civil menor do que os demais: é o chamado “de-trebling”, ou seja, o leniente tem sanção pecuniária de apenas 1 x dano, enquanto os demais tem 3 x dano – treble damage; e (3) não ter que indenizar os lesados em geral, exceto os seus clientes (aqueles afetados diretamente.

[38] OECD. Fighting hard-core cartel: harm, effective sanctions and leniency programs, 2002.

[39] Não se trata do manejo de instrumentos sancionadores pelo Estado sob premissas distributivistas que podem ensejar o abuso do jus puniendi estatal (direito de punir do Estado) com motivações de ordem ideológica. A redistribuição que se trata aqui é simplesmente a devolução para a sociedade do ganho indevido pelas empreas que cartelizaram.

[40] Fonte: SEI. Exemplos de cartéis hard cores são: aços planos (julgado e condenado em1999), vergalhão (2005), brita (2005), areia (2008), gases industriais (2010) e cimento e concreto (2014).

[41] Quando o Cade julga, condena e cobra uma sanção pecuniária dos cartelistas, o montante arrecadado vai para os cofres públicos e, em tese, é redistribuído na sociedade de diversas formas (fazendo, assim, justiça redistributiva, ainda que não aos prejudicados diretos ou indiretos). Ex: no caso do cartel dos gases industriais, os prejudicados diretos foram os hospitais que pagaram mais por este produto. Os prejudicados indiretos, no entanto, são os pacientes que deixaram de utilizar tal produto naquele hospital. O mesmo ocorre com o cartel de cimento. As concreteiras são as que compraram o produto mais caro, mas elas venderam o concreto para o construtor de casas, que vendeu a casa para o consumidor final. Ainda que a concreteira seja a prejudicada direta na cadeia produtiva, provavelmente haverá repasses desse custo adicional ao longo desta cadeia até chegar ao consumidor final. Alguns destes serão desestimulados a comprar suas casas.

[42] Dentre outras leituras, sugiro Davis, Peter J, Garcés, Eliana. Quantitative Techniques for Competition and Antitrust Analysis, Princeton University, 2010. Há também Connor, John M; Lande, Robert H. Cartel Overcharges and optimal cartel fines in vol. 3, chapter XX, Issues in Competition Law and Policy 2203 (ABA Section of Antitrust Law, 16/out/2008), Oxera. Quantifying antitrust damages. Towards non-binding guidance for courts study prepared for the European Commission. Oxera and a multi-jurisdictional team of lawyers led by Dr. Assimakis Komninos. DG COMP, p. 1 – 159.

[43] A potencialidade lesiva decorre da própria materialidade da conduta, uma vez que o conluio entre os representados tem como único propósito a expropriação de renda dos consumidores de alguns, por meio da restrição à livre concorrência, e da expulsão do mercado de outros.

[44] O Conselheiro João Paulo de Resende expôs, em apresentação na OAB (junho/2016), sua indignação quanto à baixa sensibilidade social a esta infração concorrencial, comentário com o qual concordo plenamente. Segundo ele, em ordem de “sensibilidade social hierárquica”, parece que antes do crime de cartel, corrupção e sonegação “tocam mais as pessoas”. Vou além. Tenho até dúvidas se cartel é de fato compreendido como sendo um crime pelo brasileiro comum. Entendo que parte disso tem estreita correlação com a nossa cultura, que nos anos 90 tinha como promotor de formação de cartéis o próprio Estado, através do CIP. O Cade, apesar de envidar esforços desde os anos 90, ainda precisa seguir com afinco sua função pedagógica. Cartel é crime e precisa ser compreendido pela sociedade como um ato indefensável, um assalto à população. Nossa cultura precisa mudar e uma das formas de trazer o tema para mais perto do brasileiro é apresentar o cálculo de dano que os cartéis trazem à sociedade. O cálculo de dano não deve ser interpretado como um “capricho de economista”, mas como uma necessidade de avanço natural sobre o tema e uma forma de sensibilizar a sociedade acerca do quão nocivo é este crime (ainda que não tenha qualquer tipo de corrupção envolvida)

[45] Ver Connor, J. Global Cartels Redux: the amino acid lysine antitrust litigation, 1996, in The Antitrust Revolution, 4ª Edição, Editores J. Kwoka e L. White, Oxford, Reino Unido: Oxford University Press, 2004. Ou mesmo, Connor, J. Price-fixing overcharges: revised 3rd edition. Purdue University. Techinical report, 2014.

[46] Há um Projeto de Lei do Senado, no 283/2016 que, dentre outras coisas, sugere a alteração do artigo 37. Entendo que, ainda que a motivação tenha sido a de ampliar os anos de sanção para fins da base de cálculo, a redação poderia ser aprimorada. Primeiro porque há dois parâmetros a ser considerados: a extensão do mercado e os anos da conduta. O ideal seria ajustar os dois e não apenas um deles. Ou seja, seria adequado diminuir o escopo de “ramo de atividade” para “mercado relevante” e, concomitantemente, aumentar o período para o relativo à conduta ilegal. No caso do Projeto, apenas o período foi alterado. Além disso, a conduta não necessariamente findou no ano anterior à instauração do processo. O melhor seria considerar o “faturamento no período efetivo da conduta”. Mais ainda. A proposta menciona a palavra cartel, restringindo o artigo 37, que deve abarcar qualquer conduta anticompetitiva e não somente cartel. Portanto, uma sugestão de redação poderia ser: “no caso de empresa, a sanção pecuniária terá que ser maior do que o dano causado ao mercado. Caso o dano não possa ser estimado, a multa passaria a ser de 0,05% a 20% do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido no período da conduta e no mercado relevante onde ocorreu a infração”.

[47] LANDE, Robert H.; CONNOR, John M. How High do Cartels Raiske Prices? Implications for Optimal Cartel Fines. Tulane L. Ver, 80, p. 513-539. 2005.

[48] SANTOS, Flávia Chiquito dos. Aplicação de penas na repressão a cartéis: uma análise da jurisprudência do CADE. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2016. Pp. 22-23.

[49] Previsto no “title 15 of the United States Code”, que inclui “the FTC act, the Clayton Antitrust Act and the Sherman Antritrust act.

[50] O segundo artigo da tese de doutorado de Schmidt, Cristiane Alkmin J. (2005) apresenta um estudo com este approach.

[51] Ver Connor (2014) sup cit.

[52] Por exemplo: imagina que o analista está comparando o período do cartel de GLP no Pará vis-à-vis do período não cartelizado no próprio estado do Pará, mas houve inflação no período ou aumento do custo de venda da Petrobras. A comparação dos preços ficará, assim, comprometida se esses fatos não forem ajustados.

[53] Por exemplo: imagina que o analista está comparando o cartel do leite tipo A vis-à-vis de um tipo de leite que supostamente não foi objeto de cartel, digamos tipo C, mas houve subsídio específico para um dos produtos. A comparação dos preços ficará, assim, comprometida se não for feito o ajuste.

[54] O que importa é a variação, então o que se pode fazer é colocar em base 100 ambos os produtos e verificar a variação.

[55] Por exemplo: imagine-se que o analista está comparando o cartel no Pará vis-à-vis de uma região em que supostamente não houve cartel, digamos, o Rio de Janeiro, mas o ICMS de uma é de 12% e o da outra é de 18%. A comparação dos preços ficará, assim, comprometida se não for ajustado.

[56] Schmidt. Cristiane (organizadora). Questões ANPEC: Microeconomia, questões comentadas. Campus/Elsevier, 5ª edição, pag 184 (2015). A quantidade de cada firma em Cournot com n jogadores é: , onde a função de demanda é:  e o custo marginal de cada empresa é o mesmo: .

[57] João Manuel de Mello e Vinicius Carrasco têm um trabalho bem elaborado sobre este tema em geral. Em particular, eles calcularam o dano no caso do cartel de vergalhões pelo método de Cournot. Mello, J. e Carrasco, V. Detectando um cartel e computando seu sobrepreço: o caso do cartel do vergalhão no Brasil. Texto para discussão da Casa das Garças, 2011.

[58] Wooldridge, Jeffrey. Introductory Econometrics, a modern approach, 5ed. South-Western. Cengage Learning, 2013.

[59] Carrasco, V. De Melo, João M P e Isabela Duarte. A década perdida: 2003-2012, texto para discussão no 626, PUC/RJ. Eles mostram logo na introdução as limitações da modelagem controle sintético (como a aleatoriedade na escolha do grupo de controle), assim como as vantagens em usá-lo. A aleatoriedade da escolha do grupo controle ocorre também no diff-in-diff, mas, se bem fundamentado, está tudo bem. No apêndice A deste trabalho está um excelente resumo da metodologia.

[60] Abadie, Alberto e Javier Gardeazabal. (2003). “The Economic Costs of Conflict: A Case Study of the Basque Country,” American Economic Review, Vol. 93.

[61] Abadie, Alberto, Alexis Diamond e Jens Hainmueller. (2010). “Synthetic ControlMethods for Comparative Case Studies: Estimating the Effect of California’s Tobacco Control Program,” Journal of the American Statistical Association, Vol. 105.

[62] Gostaria de fazer um agradecimento a todo o meu Gabinete, em especial ao estagiário Diego de Souza Marques, e a todo o grupo do Departamento de Estudos Econômico (DEE) do Cade, em especial, aos colegas Guilherme Mendes Resende, Patrícia Alessandra Morita Sakowski, João Carlos Nicolini de Moraes e Felippe Costa Bispo. Todos contribuíram de maneira contundente em todas as etapas deste item, com discussões muito profundas e profícuas.

[63] Cuidado! A série vai de 2002 a 2006 saltando para o ano de 2016.

[64] Motta, Massimo [Competition Policy: Theory and Practice. Cambridge Press, 2004, p. 142-166] elenca como facilitadores do cumprimento do conluio três fatores, a saber: 1) estruturais, 2) transparência de preço e espaço para troca de informação e 3) política de preços e contrato.

[65] Se o modelo tivesse sido estimado com a seguinte forma funcional: . O neperiano elevado ao resultado [( ) – 1]*100, seria o sobrepreço médio em percentual.

[66] Pischke, J. (2005) Empirical Methods in Applied Economics. Lecture Notes. Disponível em: http://econ.lse.ac.uk/staff/spischke/ec524/evaluation3.pdf

[67] Para maiores informações sobre estes conceitos, ver em Schmidt, Cristiane. Macroeconomia para Executivos, capítulo 2. Lá, diversos índices de preços são apresentados

[68] Para maiores informações, ver em Schmidt, Cristiane. Macroeconomia para Executivos, capítulo 4, item 4.5. Lá, explicita-se a diferença entre poupança e investimento. O rendimento da caderneta de poupança é em geral a pior remuneração possível no Brasil, uma idiossincrasia do país. Na literatura de finanças ou economia, o título público é considerado como sendo o ativo “risk free”, ou aquele ativo com a menor remuneração vis-à-vis das outras formas de se alocar seus recursos.

[69] Os dados de quantidade da ANP estão em Kg. Como o botijão tem 13 kg cada, há que dividir a quantidade em Kg por 13 para se ter o número de botijões de 13 kg.

[70] A Liquigás e a Supergasbrás se comprometeram a recolher, respectivamente, R$ 17.891.081 (agosto/2013) e R$ 10.083.458 (agosto/2014).

[71] Se este caso for jucidializado, seria adequado que o Juiz impusesse o treble damage, ou seja, que ele triplicasse o valor da vantagem auferida. Quanto mais o judiciário for duro com os casos de hard core cartéis bens instruídos vindos do Cade, menos casos serão judicializados no futuro. É uma questão de incentivos e de criação de reputação. As várias esferas do Estado precisam se unir e juntas sinalizar à sociedade seu repúdio pelos cartéis. Os cartelistas não podem seguir onerando ainda mais o Estado e a sociedade, judicializando estes casos. Não que as partes privadas não possam recorrer a outra instância. Óbvio que podem. A ideia, contudo, é que o façam não como regra (como ocorre atualmente), mas como exceção (quando de fato discordem veementemente do julgamento feito pelo Cade).

[72] 5o parágrafo da página 14, que segue na pagina 15 do Parecer Econômico do GO, em negrito.

[73] O artigo 23 da Lei 8.884 fala em “vantagem auferida, quando quantificável” e o artigo 37 da Lei 12.529 fala em “vantagem auferida, quando for possível sua estimação”.

[74]Por ocasião do julgamento do processo administrativo 08012.009834/2006-57, o conselheiro Ruiz, relator para o processo, aplicou o referido critério, tendo sido acompanhado pela conselheira Ana Frazão, que em seu voto-vogal, explicitou os critérios para a imposição e dosimetria das penas. Segundo a conselheira, ao tratar especificamente da pena imposta às empresas, “resta claro que, com a redução das alíquotas mínima e máxima e da base de cálculo da multa, a Lei 12.529/2011 define, em uma comparação apriorística com a Lei 8.884/94, critérios mais favoráveis de fixação de penas para empresas que vierem a ser condenadas em processos pendentes de julgamento pelo CADE.”

[75] Os faturamentos das empresas em geral dependem da conjuntura econômica, logo, já tendem a ser diferentes entre os anos. Mesmo imaginando que a conjuntura fosse estável, se a “correção” de um determinado ano (digamos 2004, quando foi feita a abertura de um certo PA) fosse feita pela Selic a juros simples, e não por um índice de preço, os números no ano da abertura do PA poderiam divergir bastante.

[76] 30%(X-t) = 20%X à X = 3t, sendo X = faturamento no ramo de atividade e t o total de impostos a pagar.

[77] 30%(X1-t) = 20%X2 à X2 = 3(t-D), sendo X1=X2+D, X1 = faturamento do Grupo e X2 = faturamento do ramo de atividade.

[78] 30%[X1(1+sn) –t] = 20%X2 à 30%[(X2+D)(1+sn) -t)] = 20%X2 à X2=[I-D(1-sn)]/(1-3sn)*10%.

[79] Oxera and a multi-jurisdictional team of lawyers led by Dr. Assimakis Komninos. Quantifying antitrust damages towards non-binding guidance for courts. Study prepared for the European Commission, dec/2009.

[80] CONNOR, John M., & LANDE, Robert H., Cartel Overcharges and Optimal Cartel Fines, Issues in Competition Law and Policy 2203, ABA Section of Antitrust Law, 2008.

[81] Pischke, J. (2005) Empirical Methods in Applied Economics. Lecture Notes. Disponível em: http://econ.lse.ac.uk/staff/spischke/ec524/evaluation3.pdf

[82] AUTOR, D. H. (2003) Outsourcing at Will: The Contribution of Unjust Dismissal Doctrine to the Growth of Employment Outsourcing. Journal of Labor Economics, University of Chicago Press, vol 21, nº1, p.1-42.