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Reforma tributária pode pressionar preços em transportes e gerar inflação, diz setor

Imposto seletivo nos combustíveis e regras de incentivos fiscais para modais de transporte têm demanda por ajustes

Foto: Lucas Santos/ Unsplash

A Câmara dos Deputados aprovou, neste mês, uma nova etapa do processo de Reforma Tributária: a regulamentação dos tributos que incidem sobre o consumo, contidas no projeto de lei complementar PLP 86/2024. O próximo passo é que o texto passe pelo Senado. Contudo, a discussão está longe de acabar – o setor de transportes, por exemplo, aponta que o texto atual ainda precisa de aprimoramentos e, na forma atual, pode encarecer a locomoção e prejudicar as cadeias produtivas. 

A preocupação de alguns segmentos da economia é que o texto vá na direção contrária às intenções do projeto: viabilizar um crescimento econômico mais sólido, melhorar o ambiente de negócios brasileiro, permitir maior segurança jurídica e maior distribuição de renda. 

Segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT), apesar da isenção para o transporte rodoviário coletivo urbano de passageiros a regulamentação ainda precisa  reduzir o impacto nas passagens para o transporte intermunicipal e interestadual. 

No transporte de cargas, a reforma tributária ainda impacta direta e significativamente o setor, com elevação da carga tributária – inclusive por conta da sobretaxa que deve afetar insumos essenciais, como combustíveis, o que pode resvalar em toda cadeia produtiva nacional. 

Na visão de especialistas, precisará haver atenção redobrada para o novo sistema não gerar prejuízos. A advogada tributarista Alessandra Brandão, especialista em direito tributário e sócia do escritório Marcelo Tostes, em Brasília, explica que a reestruturação tributária proposta afetará todos os modais de transportes – rodoviário, aquaviário, aéreo e até mesmo o de passageiros – e exigirá das empresas uma adaptação complexa. 

Já Gustavo Fossati, professor da FGV Direito Rio e doutor em Direito Tributário, aponta também que o período de transição para as companhias deve ser desafiador, especialmente até 2033 – o que poderá levar as empresas a repassar custos tributários para o consumidor final.

Apesar das ressalvas, a CNT afirma que é favorável a uma “reforma ampla, que traga justiça, neutralidade e simplicidade ao sistema tributário nacional, sem aumento da atual carga tributária global e setorial”.

“O cidadão brasileiro não pode ser onerado com um aumento da carga tributária sob o pretexto de se estar reformando o sistema para gerar competitividade ao setor produtivo”, destaca Valter Luís de Souza, diretor de Relações Institucionais da instituição, em manifesto público.

O que diz o PLP 68/2024

De forma geral, o PLP 68/2024 regulamenta um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, que incidirá sobre bens e serviços, substituindo cinco tributos hoje em uso – os federais Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), o PIS/Pasep (Contribuição para o Programa de Integração Social) e o IPI (Imposto sobre Produto Industrializado), os estaduais ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e, finalmente, o municipal ISS (Imposto sobre Serviço).

Eles darão origem à CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), além de um Imposto Seletivo (IS) – este último focado em algumas categorias de produtos, classificadas como prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como álcool, tabaco, bebidas açucaradas e bens minerais.

A nova regulamentação faz alusão ao setor de transportes em diversas oportunidades. O transporte coletivo de passageiros rodoviários e metroviários de caráter urbano, semi-urbano e metropolitano que estejam sob concessão ou autorização pública são alguns dos que ficam isentos do IBS e da CBS.

Além disso, empresas no novo sistema tributário poderão deduzir, do total de tributos a recolher, créditos estimados ao contratar transportadores autônomos de carga que sejam pessoa física ou microempreendedores individuais, mesmo que estes não paguem os tributos de consumo.

Serviços ferroviários e hidroviários urbanos, semi-urbanos e metropolitanos de transporte de passageiros terão a sua alíquota reduzida em 99%. Os serviços de transporte coletivo aéreo regional terão IBS e CBS incidentes, mas reduzidos em 40%. Enquanto isso, o transporte coletivo de passageiros rodoviários intermunicipal e interestadual fica sujeito à incidência dos tributos. A metodologia de cálculo usada gera dúvidas no setor sobre um possível aumento de carga tributária ou de alíquotas diferenciadas nos estados.

Segundo a advogada Alessandra Brandão, como o transporte de carga não possui nenhum tipo de isenção dentro do novo sistema, os fretes serão tributados como qualquer outro serviço no sistema, mas o transporte de passageiros urbanos e metropolitanos não tem grandes riscos de alta nas passagens devido à isenção tributária. 

Agora, quando o foco se volta para as modalidades interestadual e intermunicipal do transporte de passageiros, ainda há muita insegurança jurídica em jogo. 

“Esse é um setor que se pretende manter a carga tributária da mesma forma vista antes das mudanças, mas isso gera insegurança, porque ainda não há perspectiva de quanto será realmente pago”, explica a advogada.

Reação em cadeia

Uma das preocupações do setor é o Imposto Seletivo (IS). Na lista, estão veículos, embarcações e aeronaves, e a alíquota do imposto cresce conforme a sua potência, eficiência energética ou pegada de carbono. Ainda, segundo o texto, petróleo, gás natural e outros bens minerais terão imposto seletivo de 0,25%. Os ônibus e caminhões ficaram fora do IS. 

Por conta disso, diversos segmentos questionam como a forma como o imposto seletivo previsto na reforma poderá resultar no aumento dos custos de bens e serviços de diversas cadeias produtivas – e até mesmo trazer pressão inflacionária indesejada, inclusive diante da possibilidade de encarecimento dos fretes.

Por conta do imposto no petróleo, afetando os combustíveis, um risco seria de queda na competitividade brasileira e aumento do custo em diferentes cadeias produtivas, que poderiam chegar até os consumidores finais.

Em uma reação em cadeia, o aumento do custo de transporte implica em frete mais caro e, como parte da cadeia, produtos dos mais diversos setores também mais caros. Além disso, há uma preocupação com o gasto fiscal e financeiro para manutenção das operações. 

Para Gustavo Fossati, da FGV Direito, as empresas provavelmente terão que repassar os custos mais altos para o consumidor final, principalmente no segmento de cargas. 

“No mínimo, durante toda a fase de transição até 2033, o setor, entre outros da economia, sofrerá muito, porque existe uma curva de aprendizagem durante esses quase dez anos. Haverá também uma certa elevação de carga tributária para o setor, mas a dimensão dependerá muito dos desenhos que ainda não estão claros de não-cumulatividade e da possibilidade de aproveitamento dos créditos tributários”, avalia. 

Para Fossati, a boa notícia fica com aqueles que transportam passageiros nas linhas urbanas, já que é o único segmento a ter desoneração total. “Há diferenças para transporte de cargas e de passageiros. Na prática, ele é um direito social fundamental do artigo 6º da Constituição Federal e também é um direito fundamental do trabalhador urbano e rural”, explica o advogado.

Apesar das ressalvas, durante a discussão da regulamentação da Câmara dos Deputados, já foi possível colocar alguns pingos nos is. Um dos pontos principais foi a mudança para desobrigar a necessidade de aprovação da Receita Federal para a contabilização de créditos de combustível, essenciais para o setor e para evitar o acúmulo de tributos. 

Outra questão era a tributação, no território nacional, do transporte de carga destinada à exportação. Em um exemplo prático, o texto acarretava que, quando um produtor de soja contratasse uma empresa para transportar os grãos da fazenda até o porto, esse transporte seria tributado, gerando impactos relevantes para o setor. Isso foi solucionado na versão aprovada recentemente.