O fortalecimento da arbitragem como principal método alternativo de resolução de conflitos é uma estratégia essencial para potencializar a segurança jurídica nos ambientes de negócios no Brasil. É, também, um propulsor para atrair mais investimentos estrangeiros, na medida em que garante ao investidor internacional a possibilidade de resolver potenciais disputas sem depender de litigâncias no Poder Judiciário.
Esse diagnóstico integrou um webinar realizado nesta quinta-feira (17/12) pelo Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado (IIEDE), que tratou do tema “Arbitragem e Segurança Jurídica”. Em dois painéis, advogados, juristas e ministros debateram o papel do instrumento para o Poder Judiciário e também para a Administração Pública.
Integraram os debates Fábio Medina Osório, jurista e ex-ministro da AGU, Ricardo Cueva, ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luciano Timm, advogado e professor da FGV Direito SP, e Gustavo Justino de Oliveira, árbitro e professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da USP. A mediação das mesas foi liderada por Rodrigo Fux, advogado, e Natália Resende Andrade, procuradora federal.
“O volume de processos que nossos tribunais tem, o fomento aos métodos alternativos de solução de conflitos e, de fato, a sua segurança jurídica é um dos pilares da nossa sociedade e do nosso Estado democrático de direito. A arbitragem é um instrumento fundamental para que se possa manter rigidez. Nenhuma sociedade consegue conviver com instabilidade, em cenário de incerteza, sobre como e como se deve fazer”, afirmou o advogado Rodrigo Fux.
De acordo com exposição do ministro Ricardo Cueva, a partir da Emenda Constitucional 45/2004, que trouxe significativas mudanças no Poder Judiciário, o STJ passou a ter a competência para a homologação de sentenças arbitrais estrangeiras, o que promoveu um aprofundamento da Corte sobre o tema.
“Com o passar dos anos, aumentou significativamente o número de casos de arbitragem apreciados pela Corte, o que gerou uma mudança no sentimento dos julgadores pelo instituto, passando de ceticismo inicial para uma plena confiança”, apontou o ministro do STJ, acrescentando que o Brasil realmente se tornou um país reconhecidamente acolhedor da arbitragem.
“E isso é possível de se ver nos números: temos aqui no Brasil cerca de 300 procedimentos instaurados por ano em todas as diversas câmaras de arbitragem, e os valores são bastante significativos, em torno de R$ 85 bilhões por ano”, detalhou o ministro.
Para o o jurista Fábio Medina Osório, parte desse resultado tem relação com o fato de o Poder Judiciário brasileiro preservar o principal princípio motriz no âmbito do direito arbitral: o princípio da autonomia da vontade.
No próprio poder público, espaço em que a arbitragem ainda busca meios para se consolidar, o instrumento tem sido apontado como estratégico para reduzir os litígios e ampliar os investimentos em parcerias com empresas privadas, segundo avaliou a procuradora federal Natália Resende Andrade, que hoje atua no Ministério da Infraestrutura.
“No setor público, nós já saímos da discussão sobre arbitragem subjetiva, em que se questionava quem pode participar desse instrumento. Agora, estamos na discussão sobre o que é que pode ser resolvido com ele”, disse. “No Ministério da Infraestrutura, a gente vê que esse instituto confere segurança jurídica e dá aos contratos de concessão e de arrendamento, que são incompletos por natureza, uma saída para solucionar litígios de uma forma mais previsível, mais célere e mais técnica”, completou Andrade.
A procuradora federal citou como exemplo para a ampliação desse instrumento no setor público o fato de hoje a União já participar de duas arbitragens, enquanto a Agência Nacional de Transportes Terrestres possui oito ações dessa natureza. Já a Agência Nacional de Aviação Civil está em processo de negociação para iniciar o primeiro processo de arbitragem.
Diante deste cenário, a avaliação dos especialistas no tema é que o fortalecimento do instrumento terá cada vez mais protagonismo na hora de atrair investimentos estrangeiros. “Tenho que presumir que quando alguém do setor privado fizer um negócio com o setor público ele vai se perguntar: vale a pena ou não? Ele vai então fazer suas projeções e, uma das coisas que serão levadas em conta, envolvem justamente a forma de solução de disputas”, explicou Luciano Timm.
“Muitas vezes o investidor vai ouvir escritórios de advocacia e se o investidor estrangeiro souber que, se ele entrar em uma disputa judicial com o Estado e, no Brasil, estatisticamente o Estado é o grande litigante com processos correndo por sete, oito anos, isso não é uma boa notícia. Mas existe bastante pesquisa empírica que mostra como a arbitragem contribui para o investimento estrangeiro”, avaliou o professor.
Um grande potencial para ampliar o uso da arbitragem, apontou o jurista Fábio Medina Osório, envolve o contencioso tributário, que atualmente ultrapassa 50% do PIB brasileiro e desafia toda a sociedade para sua superação. “Existe ainda uma carência quanto a arbitragem no âmbito da administração tributária no Brasil”, disse.
Pontos de atenção
Apesar de potencialmente transformadora, a arbitragem ainda passa por processos de aprimoramento e mudanças que devem ser endereçadas no debate público.
Cueva, do STJ, enunciou, por exemplo, controversas relativas à arbitragem doméstica e internacional que precisam ser melhor consolidadas. Dentre os exemplos, o ministro citou questões relativas ao ambiente doméstico envolvendo competências do juízo arbitral, medidas cautelares e instalação da arbitragem. Já no ambiente internacional, ainda existem pontos sobre a homologação da sentença arbitral estrangeira, validade de sentença dessa natureza em matéria trabalhista, entre outros.
A jurisprudência também é um desafio. “Uma necessidade constatada é de desenvolver uma jurisprudência arbitral. Porque hoje há sigilo contra a arbitragem, mas nada impede que se desenvolva um repositório de jurisprudência arbitral que possa dar orientação às partes sobre como tem sido decidido os juízos nesse mecanismo”, disse Cueva.
Já na administração pública, há um novo desafio em relação à questão de publicidade das sentenças arbitrais de natureza pública. A Lei de Arbitragem (9.307/1996) prevê o dever de publicidade das negociações. No entanto, com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) esse ponto ainda carece de mais discussão.
“As arbitragens públicas não estão blindadas pela confidencialidade usual das arbitragens privadas, de modo que todos os participantes envolvidos deverão colaborar para a preservação de dados pessoais sensíveis, evitando a divulgação de dados irrelevantes para o deslinde do procedimento arbitral. O dever de publicidade gera o dever e o direito de proteção de dados”, pontuou o professor Gustavo Justino de Oliveira.
O evento na íntegra pode ser assistido no YouTube: