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O princípio da boa-fé no processo fiscalizatório da ANP

Uma análise de caso envolvendo empresa de distribuição de derivados de petróleo

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Crédito: Saulo Cruz/MME

É do conhecimento de todos aqueles que atuam no setor de distribuição de derivados de petróleo que sua atuação é regulada pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), de modo que estes agentes econômicos devem se submeter às regras impostas pelo referido órgão, as quais são evidentemente rígidas e devem ser observadas de forma rigorosa por todos.

Por meio do presente artigo, analisaremos meticulosamente os autos do Processo 48630.200273/2021-03, onde uma distribuidora supostamente teria deixado de responder a uma notificação da ANP para a apresentação, no prazo de 30 dias, do Certificado de Vistoria do Corpo de Bombeiros contemplando a operação de envase de recipientes transportáveis de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), ensejando, desta forma, a lavratura de auto de infração para com fulcro no art. 14, I, da Resolução ANP 42/2011[1].

Como narrado anteriormente, o processo administrativo foi instaurado pela ANP para, no exercício do seu poder de polícia, analisar o suposto descumprimento da apresentação do Certificado de Vistoria do Corpo de Bombeiros quando solicitado ao agente econômico.

De acordo com o documento que dá início ao procedimento fiscal, a empresa apresentou tão somente a Licença de Operação Ambiental, o Alvará da Prefeitura e o Certificado do Corpo de Bombeiros para a atividade de comércio atacadista de GLP.

No entanto, deixou de apresentar o Certificado do Corpo de Bombeiros para a atividade de envase de recipientes transportáveis de GLP, entendida como a fase em que o GLP é fracionado em uma quantidade pré-definida e posto em um recipiente para possibilitar seu manuseio.

Em breves linhas, o GLP pode ser obtido por meio do refino do petróleo ou a partir do processamento do gás natural. Geralmente comercializado em botijões, é transportado na forma líquida sob pressão e consumido na fase de vapor na maioria das aplicações.

Desta forma, é estabelecida uma série de normas mínimas de segurança das áreas de armazenamento de recipientes transportáveis de GLP, dentre as quais está a certificação, por parte do Corpo de Bombeiros, de que os procedimentos de segurança necessários estão sendo cumpridos, haja vista a complexidade e periculosidade intrínseca a este tipo de produto químico.

Ao apresentar sua defesa nos autos do processo administrativo supramencionado, a empresa informou que forneceu toda a documentação solicitada pela ANP, de modo que o auto de infração seria indevido.

Alegou ainda que não houve descumprimento da notificação, tendo em vista que a respondeu integral e tempestivamente, enviando os certificados solicitados, os quais demonstravam cabalmente o exercício da atividade de engarrafamento do GLP, com o cumprimento de todas as exigências do órgão de regulação.

Em suas razões de decidir, o especialista em regulação Paulo Marcelo Lima Vasconcelos Filho esclareceu que é obrigação da empresa que possui as autorizações manter atualizados seus documentos e apresentar eventuais documentos complementares quando solicitados pela ANP.

Após análise detida do caso, destacou que o auto de infração é, de fato, inválido, em razão da indicação equivocada do endereço eletrônico para envio da documentação, não podendo o fiscalizado ser punido por um fato que não é de sua responsabilidade.

Logo, declarou que a empresa não deverá responder pela infração a ela imputada, haja vista que agiu em boa-fé e entregou a documentação da forma que entendia como devida.

Assim sendo, o referido auto de infração foi julgado improcedente e o respectivo processo foi extinto, com base no art. 52 da Lei 9.784/99[2].

A ANP foi instituída pela Lei Federal 9.478/1997 e se destina à regulação da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis, bem como das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis, o que se exerce, dentre outras formas, por meio de um sistema de outorga de autorizações.

Neste passo, essas autorizações são concedidas desde que cumpridas uma série de obrigações pela empresa, sem as quais não é possível a consecução da atividade econômica daqueles que objetivam atuar no mercado de comercialização dos derivados de petróleo.

No caso analisado neste artigo, o agente econômico entregou tempestivamente a documentação solicitada pela ANP, enviando os arquivos eletrônicos para o endereço de email constante na notificação recebida. No entanto, o especialista em regulação designado para atuar no caso, após indicação da empresa, constatou que o endereço indicado na notificação recebida não é válido, o que teria impedido o recebimento dos arquivos pela ANP.

Portanto, o auto de infração foi declarado improcedente em virtude do erro contido na notificação enviada à empresa, haja vista que o equívoco cometido foge totalmente da ingerência do agente econômico e este, por óbvio, não poderá ser punido, sob pena de ofensa ao princípio de boa-fé.


[1] Art. 14. São obrigações do titular das Autorizações: I – manter atualizados todos os documentos apresentados quando da obtenção das autorizações de construção ou de operação, informando à ANP, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados a partir da efetivação do ato, quaisquer alterações ocorridas na documentação original; (…)

[2] “Art. 52 O órgão competente poderá declarar extinto o processo quando exaurida sua finalidade ou o objeto da decisão se tornar impossível, inútil ou prejudicado por fato superveniente.”