Não faz nem um ano que ela entrou em vigor, mas já é possível dizer que a Lei Anticorrupção “pegou” no país. Ao menos, é o que se pode concluir pela movimentação das empresas para se adaptar à nova norma, que aperta o cerco contra corruptos e corruptores e pela primeira vez prevê punições severas para pessoas jurídicas envolvidas em lesões ao patrimônio público.
De acordo com advogados de grandes bancas, cada vez mais empresas procuram os serviços de criação, revisão ou reestruturação dos departamentos de compliance. “A demanda mais que dobrou neste ano”, diz Renato Portella, sócio do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.
A demanda surgiu porque a Lei 12.846, conhecida como Lei Anticorrupção, prevê o abrandamento de penas para empresas que demonstrarem ter implantado “mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades”. Pela lei, a punição às instituições consideradas corruptoras pode ir desde uma multa sobre o faturamento até o fechamento de suas atividades.
Segundo Portella, a maior demanda vem de empresas de grande porte, que precisam fazer ajustes em seus setores de compliance já existentes. “No caso das multinacionais, há menos ajustes a serem feitos porque o compliance já é bastante avançado no exterior. No caso das nacionais, havia diversos casos de departamentos preparados para reagir a fraudes, mas que precisavam de ajustes pontuais para se adequar à Lei Anticorrupção.”
A nova norma ainda enfrenta resistências, mas é um conceito que veio para ficar, segundo Débora Motta, sócia do escritório Joyce Roysen Advogados. “Essa já é uma realidade em diversos países, em especial nos Estados Unidos, que é de onde vem o conceito de compliance. É uma forma de fazer as empresas colaborarem com o Estado no combate à corrupção”, afirma.
Segundo Débora, se houver, de fato, um esforço das empresas para evitar desvios éticos de seus funcionários, elas não devem temer eventuais punições: “Se a empresa demonstrar que seu programa de compliance funciona bem e que ela fez tudo que estava a seu alcance para evitar a prática do crime, pode até não haver a punição à instituição, só ao agente responsável pelo delito. Há espaço na lei para isso”.
Para Adriana Dantas, sócia da área de ética corporativa do BM&amp;A – Barbosa, Müssnich &amp; Aragão, as novas regras podem provocar uma mudança na forma como os negócios são feitos no país, colocando em xeque o chamado “jeitinho brasileiro”. “Mas para isso é preciso que haja uma atuação efetiva do Estado na fiscalização. Se de fato houver processos, multas e punições, é possível que haja uma mudança de cultura”, diz.
Vácuo legislativo
Apesar de a lei já estar em vigor, as dúvidas sobre sua aplicação prática ainda são muitas devido à falta de regulamentação –um projeto de decreto elaborado pela Controladoria Geral da União (CGU) aguarda aprovação pela presidente Dilma.
Os principais questionamentos se referem a como deve ser o funcionamento dos departamentos de compliance:
- As empresas devem comunicar as autoridades assim que receberem uma denúncia ou devem apurá-la internamente antes? Qual o prazo para isso ocorrer?
- As ouvidorias já existentes servem como canal interno de denúncia de irregularidades ou é preciso criar uma estrutura nova?
- Subsidiárias de multinacionais que já possuam códigos globais de compliance precisam criar novas estruturas ou podem continuar usando as mesmas regras?
Maurício Silva Leite, sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, observa que apesar de ainda faltar o decreto, as empresas podem encontrar as respostas a essas perguntas em experiências internacionais. “Para ter maior benefício na redução das sanções, a empresa deve ter espontaneidade no comunicado às autoridades. Ela deve agir preferencialmente antes, e independentemente de haver qualquer investigação em curso”, comenta. “Mas ela pode e deve fazer uma apuração interna antes. Até para se certificar de que a denúncia procede”, complementa.
Sobre as ouvidorias, Leite acredita que é possível usar uma estrutura que já existia na empresa. “Só é preciso que haja uma divulgação de que esse canal serve também para denúncias de corrupção”, observa. “E ele deve ser sigiloso. A empresa deve garantir que o denunciante não venha a ser alvo de represália por seus superiores”.
Para o advogado Ricardo Gaillard, sócio do Souza, Cescon, Barrieu &amp; Flesch, a experiência do uso de programas de compliance em órgãos como o Cade deixa uma alerta para as multinacionais: não basta “copiar e colar” os códigos de conduta das matrizes. “É preciso tropicalizar os programas de compliance, adaptá-los à nossa realidade. De nada adianta ter uma regra americana aplicada aqui se ela não faz sentido na nossa cultura”, adverte.
Gaillard adverte também que o compliance não pode ser “um papel guardado na gaveta”. “É preciso que ele seja certificado e aplicado na prática, com controles para que as investigações tenham começo, meio e fim, sob pena de a empresa não conseguir se beneficiar”.
Há vagas
Se a procura por escritórios e consultorias cresceu, também aumentou a demanda por profissionais para atuarem dentro dos departamentos de compliance. “Muitas empresas têm relatado dificuldades para encontrar profissionais capacitados”, conta Débora Motta.
Um levantamento feito no fim de 2013 pela companhia de recrutamento Michael Page já apontava um aumento de 30% na demanda pelo chamado “compliance officer”. A expectativa nesse ano também é de alta. No ano passado, a remuneração média de um gerente de compliance variava de R$ 15 mil a R$ 25 mil; para um diretor, de R$ 25 mil a R$ 45 mil.
Trata-se de um mercado em ampliação para advogados, já que um requisito fundamental para a função é o conhecimento da legislação. Mas esse não é a única qualidade esperada do profissional. “Precisa ser uma pessoa organizada e que tenha voz de comando, porque ele não pode sucumbir diante das resistências dentro da empresa, que certamente existirão”, diz Débora Motta
Maurício Leite acrescenta que o responsável pelo compliance deve responder diretamente à cúpula da companhia. “Ele tem que ter autonomia suficiente para agir, de acordo com as regras de compliance, contra qualquer pessoa da empresa”.

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