Luiz Orlando Carneiro

Felipe Recondo

Depois de um voto de mais de quatro horas, em que afirma haver uma conspirata e uma trama para levar o Supremo Tribunal Federal (STF) a proibir a doação empresarial de campanhas, o ministro Gilmar Mendes reagiu ao presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e abandonou o plenário antes de encerrada a sessão.
Gilmar Mendes fundamentou sua posição e as acusações que embasaram seu voto nas investigações que culminaram na descoberta do Mensalão e do esquema de desvio de recursos da Petrobras. Argumentos jurídicos, como ele mesmo admitiu, foram secundários.
<a title="Leia a íntegra do voto de Gilmar Mendes sobre doação de campanhas" href="https://www.jota.info/leia-a-integra-do-voto-do-ministro-gilmar-mendes">Leia a íntegra do voto de Gilmar Mendes</a>
O ministro afirmou que o PT é beneficiário de recursos bilionários desviados da Petrobras - suficientes para custear “sem novos pixulecos” campanhas até 2038 -e que o partido usou a OAB para questionar a constitucionalidade das doações empresariais. E mencionou, nessa suposta triangulação, relatório do então advogado e hoje ministro do STF Luís Roberto Barroso, depois usado na petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade.
Em razão das acusações, o advogado Cláudio Pereira de Souza Neto, que assina a ação em nome da OAB, pediu a palavra ao final da sessão. O presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, afirmou que o advogado não poderia rebater o voto do ministro, apenas fazer um esclarecimento.
Cláudio Pereira disse que o presidente da OAB na época do ajuizamento da ação era “crítico ferrenho” do PT e afirmou que não havia qualquer interesse oculto na ação proposta pela Ordem.
<a style="color: #ff0000;" title="A sessão minuto a minuto, na cobertura em tempo real do JOTA" href="https://www.jota.info/ao-vivo-stf-julga-doacoes-de-empresas-para-campanhas-eleitorais">A sessão minuto a minuto, na cobertura em tempo real do JOTA</a>
Gilmar Mendes interrompeu o advogado. Disse que os argumentos do advogados não poderiam ser levantados em questão de ordem. Lewandowski então disse: “Vamos garantir a palavra ao advogado. Vossa Excelência falou por quase cinco horas”. “Só que eu sou ministro da Corte e advogado é advogado”, retrucou Gilmar Mendes. “O advogado representa a OAB e merece ter direito à palavra”, rebateu Lewandowski. “Vossa excelência pode deixar ele falar por 10 horas, mas não fico”. Lewandowski o interrompeu: “Quem preside a sessão sou eu, ministro”. E passou a palavra de volta ao advogado.
Neste momento, Gilmar Mendes levantou-se, deixou o plenário e ficou postado na sala de lanches, contígua ao plenário, por onde saem os ministros. O presidente Lewandowski deixou o plenário pelo lado oposto para atender audiências e não cruzou com o colega.
O julgamento foi interrompido e será retomado nesta quinta-feira para ser concluído com os votos das ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia e do ministro Celso de Mello.
Voto
Gilmar Mendes pediu vista do julgamento quando já havia seis votos favoráveis à tese da inconstitucionalidade das doações empresariais. E, desde então, as investigações da Lava Jato identificaram indícios de pagamento de propina de empreiteiras a políticos por meio de doações de campanha. Por isso, disse o ministro, o pedido de vista foi providencial.
“Foi a mão de Deus que me fez pedir vista deste processo!”, afirmou. “Entre a concepção desta ação e a data de hoje houve mudanças radicais no país. Hoje sabemos - muito mais do que ontem - como a Lava Jato dá a dimensão da corrupção no país”, acrescentou. “Agora eu entendo aquela cantilena de que a Petrobras é nossa e tem que ser defendida. A Petrobras é nossa, porque fazem o que querem com ela. Agora eu vejo porque determinados partidos fazem defesa tão ferrenha de estatais. É para transformá-la em propriedade própria. Não se fazia contrato na Petrobras sem cobrar propina, sem verter dinheiro para o partido. Bendita Lava-Jato, porque deitou luz sobre esse caso.”
O PT, continuou o ministro, foi o maior beneficiários nas últimas eleições de doações empresariais e teria se “convertido” agora para defender que apenas pessoas físicas possam doar recursos para as campanhas.
“O partido que mais leva vantagem na captação de recursos das empresas privadas agora, como Madre Tereza de Calcutá, defende o fim do financiamento privado”, ironizou. “O partido consegue captar recursos na faixa dos bilhões de reais por contratos com a Petrobras e passa a ser o defensor do fim do financiamento privado de campanha. Eu fico emocionado, me toca o coração”.
Efeitos
Ao contrário da tese defendida até o momento pela maioria do plenário, Gilmar Mendes afirmou que as doações empresariais servem para equilibrar as disputas eleitorais.
“A vedação das contribuições de empresas privadas asfixiaria os partidos que não se beneficiaram do esquema criminoso revelado pela Operação Lava Jato, tornando virtualmente impossível a alternância de poder”, disse.
Além disso, o ministro afirmou que limitar o financiamento das campanhas a recursos do fundo partidário e a doações de pessoas físicas – em valor nominal uniforme, independente da renda – inundará o TSE de processos.
“Significa criminalizar o processo político-eleitoral no Brasil, além de ser um convite à prática reiterada de crimes de lavagem de dinheiro e no processo democrático-eleitoral brasileiro, à revelia do Congresso Nacional, que tem resistido a tais investidas. Desse modo, a procedência desta ação direta de inconstitucionalidade revelar-se-ia uma irresponsabilidade perpetrada pela própria Corte Suprema brasileira”, enfatizou.
Para o ministro, partidos que já desviaram dinheiro ou que venham a receber doações ilegais farão uma "corrida por CPFs", para lavar o dinheiro ilícito por meio de um número grande de doações supostamente realizadas por pessoas físicas. Seria a criação do "doador laranja", segundo ele.
Gilmar Mendes lembrou que o escândalo que levou ao impeachment do presidente Fernando Collor tinha como uma das origens a proibição das doações empresariais de campanha. Foi depois das investigações que a lei foi alterada para permitir que empresas doassem licitamente recursos para os candidatos. O ministro disse que o Supremo, em razão de escândalos recentes envolvendo doação de empresas, trocará “o fracasso atual pelo fracasso pretérito”.
Histórico
A OAB ajuizou, em 2011, a ADI 4.650 no Supremo, contestando a constitucionalidade das doações de empresas e da regra que atrela à renda o limite de doações por pessoas físicas.
O julgamento foi iniciado em dezembro de 2013 com o voto do relator, ministro Luiz Fux. Um primeiro pedido de vista, do ministro Teori Zavascki, interrompeu o julgamento. Em abril de 2014, o julgamento foi retomado. Naquele momento, já havia seis votos pela inconstitucionalidade das doações empresariais – Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio Mello.
Apenas o ministro Teori Zavascki votou em sentido oposto. Gilmar Mendes pediu então vista e só o devolveu para julgamento na semana passada.
Mendes afirmou que o programa de direitos humanos do governo Lula, em 2009, defendeu a reforma política e o financiamento público de campanhas. No ano seguinte, o Conselho Federal da OAB começou a discutir o assunto e em 2011 a ação foi proposta no STF.
Ouvido pelo JOTA após a sessão desta quarta-feira, um dos responsáveis pela tese que sustenta a ação direta de inconstitucionalidade, o então ex-procurador da República e hoje advogado Daniel Sarmento, afirmou não haver qualquer vinculação do processo ao PT. Negou ainda que o ministro Barroso tenha alguma participação na ação. O então advogado Barroso foi o relator em 2010 do Seminário do Seminário sobre a Reforma Política na OAB. No ano seguinte, o Conselho Federal da OAB ajuizou a ação no STF.
“A tese foi pensada por mim e pelo Cláudio Pereira sem nenhuma participação do Barroso, que nem sequer sabia da nossa ideia (de acionar o STF)”, afirmou. “Tenho muito respeito intelectual pelo ministro Gilmar Mendes, mas ele fez uma ilação totalmente descabida”, acrescentou.
Cláudio Pereira, que contestou Mendes ao fim da sessão, também respondeu às afirmações do ministro, por meio da assessoria da Ordem: “O partido da OAB é a Constituição. A desqualificação de quem pensa diferente é uma antiga forma de ganhar o debate quando não se tem razão. A divergência de ideias é fundamental para a democracia. Tão fundamental quanto o respeito por quem tem opiniões diversas. A OAB e a cidadania brasileira esperam para amanhã a conclusão do julgamento, com a proibição do financiamento empresarial das campanhas eleitorais."
Principais trechos do voto de Gilmar Mendes:
“Não houve na história do STF um caso de pedido de vista tão polêmico. Blogs desses assassinos da moral de pessoas dedicaram-se ao ataque, como o PT e o PSOL”.
“A Justiça eleitoral tem se contentado com o controle formal das prestações de contas. Agora o país vê-se às voltas com escândalos muito maiores. Pede-se que haja limites uniformes para a doação de pessoas físicas, o que vai engendrar a formalização de lavagem de dinheiro”.
“Entre a concepção desta ação e a data de hoje houve mudanças radicais no país. Hoje sabemos - muito mais do que ontem - como a Lava Jato dá a dimensão da corrupção no país. Na verdade tudo está a indicar um modo de governança da maior empresa do Brasil, a Petrobras, quando se diz que cada 3% de cada contrato devia ser vertido para um partido político. Mensalão foi modesto, orçado em 170 milhões, o que não se equivale à nova unidade monetária, o ‘barusco’, que chega a 100 milhões de dólares. O mensalão deveria ser julgado em juizados de pequenas causas”.
“Um verdadeiro método de governo está sendo revelado. Método criminoso de governança para manutenção de um partido no poder e amordaçamento da oposição. Se não tivesse havido o episódio do Lava Jato teríamos um partido recebendo 3% de todos os negócios da Petrobras, algo como R$ 2 bilhões em caixa para um partido. Quando se fala que ‘a Petrobras é nossa’ é porque nós nos apropriamos da Petrobras. E eu entendo agora porque se defende tanto a empresa estatal. É evidente a confusão entre Estado e partido. Mas como ninguém é de ferro, tem de sobrar algum dinheiro para a compra de iates. Vamos agora proibir a doação das pessoas jurídicas e quiçá das pessoas físicas, mantendo apenas a doação do Estado?”
[Ao referir-se às contas da campanha eleitoral da presidente Dilma Rousseff, processo do qual é relator no Tribunal Superior Eleitoral] “Não temos reparado nas despesas eleitorais, lá na Justiça eleitora. Há indicativos sérios nas despesas contabilizadas. No que se refere às doações entregues ao tesoureiro do partido diretamente. Analisando os dados da prestação de contas da presidente, observa-se que as empresas investigadas na Lava Jato realizaram diversas doações ao PT no ano de 2014 (...) Foram mais de 55 milhões em doações ao PT durante o ano eleitoral. Diretamente à campanha de Dilma foram R$ 47 milhões”.
“A rigor, esse partido é de vanguarda, já que instalou o financiamento público de campanhas com dinheiro da Petrobras”.
[Financiamento das campanhas no contexto atual] “Dilma Rousseff declarou doações de pessoas jurídicas de quase R$ 300 milhões, correspondentes a 84% do total das doações. Substancialmente as doações vêm de pessoas jurídicas, como também ocorreu com o candidato Aécio Neves. Com a proibição dessas doações, e ficando apenas a de pessoas físicas, vai haver a oficialização do caixa dois”.
“Não temos tradição de doação por pessoas físicas. Qualquer reforma do sistema de doações passa pelo sistema eleitoral, que deve ser escolhido pelo Congresso. Não podemos, no Supremo, estimular práticas clandestinas. Teremos 550 mil candidatos em 2016. Se os partidos repassassem o total do fundo partidário para os partidos, e se a distribuição fosse igualitária, cada candidato teria 1.800 reais para a disputa. Ou seja, seria a criminalização do sistema eleitoral, chancelado pelo STF”.
“Um dos efeitos do julgamento desta Adin terá de ser o aumento do Fundo Partidário. E é difícil explicar ao cidadão que, em plena crise, tal dinheiro seja distribuído aos partidos. Os candidatos terão de buscar muito mais recursos de outras formas. E cria paradoxos jurídicos intransponíveis, como a possibilidade de doações de pessoas jurídicas a pessoas físicas para que sejam repassadas a candidatos. Uma corrida de partidos em busca de CPFs. (...) Eles querem obter decisão do STF que seria uma jabuticaba, sem paralelo no mudo civilizado. Digna da Albânia”.
“A simples exclusão das pessoas jurídicas não resolverá a questão das doações para as campanhas eleitorais. As doações limitadas a pessoas físicas levaria à prática desenfreada do caixa dois. Não podemos dizer que é bom o modelo da época do Governo Collor”.
“O que houve foi um projeto de poder de um partido, adotado pela Ordem dos Advogados do Brasil. Esses iluminados da OAB e da UERJ decidiram ver Deus!” 
“Foi a mão de Deus que me fez pedir vista deste processo!”
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JOTA

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