Ministro, em nome da fundação agradeço o seu aceite em participar do nosso projeto, muito obrigado em nome de todos nós, das três escolas envolvidas no projeto. Eu gostaria de começar a entrevista perguntando para o senhor o seu nome completo, data e local do seu nascimento, nome completo e a profissão dos seus pais.
Teori Albino Zavascki, eu nasci no dia 15 de agosto de 1948, na cidade Faxinal dos Guedes, Santa Catarina. Meu pai se chamava Severino Zavascki, ele no começo da vida era marceneiro, depois foi comerciante e pequeno produtor rural. E minha mãe foi dona de casa, se chama Pia Maria Fontana Zavascki. Meu pai é descendente de poloneses, meus bisavós vieram da Polônia, mas meu avô já se casou com uma descendente italiana, avó Berté, então já meu pai é meio italiano e meio polonês e se casou com uma italiana, que é minha mãe Fontana. Então eu tenho nome de polonês, mas eu tenho, com muita honra, na verdade, o sangue mesmo tem mais sangue italiano do que propriamente polonês. Não sei se respondi todas…
Perfeitamente. O senhor é o primeiro jurista da família, ministro?
Além de minha irmã Therezinha, que é advogada, tive um irmão mais velho, nós éramos sete irmãos, ele faleceu, meu irmão mais velho, Olir Zavascki, ele se formou em Direito também, na mesma faculdade que me formei. Mas ele foi jornalista o tempo todo, exerceu um período a advocacia, mas o jornalismo que era… ele foi jornalista do Diário de Notícias e ultimamente, antes de falecer, ele era jornalista na RBS, na Zero Hora.
RBS, ele atuava em Santa Catarina ou no Rio Grande do Sul?
No Rio Grande do Sul. Ele montou em Santa Catarina, ele ajudou a montar a rede em Santa Catarina, mas ele sempre foi ligado ao Rio Grande do Sul, a Zero Hora no Rio Grande do Sul. Antes disso tinha sido do Diário de Notícias que era dos Diários Associados, bem mais tempo atrás.
Ministro, como o senhor descreveria a casa onde o senhor cresceu?
Bom, a casa onde eu nasci ainda existe em Faxinal dos Guedes. Era uma casa de madeira, tinha conforto básico para uma cidade do interior, eu não posso me queixar de falta de conforto, embora eu não tivesse nada das atuais modernidades. Eu não me lembro do meu pai marceneiro, quando eu nasci meu pai já era comerciante, então meu pai tinha o comércio dele numa quadra inteira.
Comércio?
Comércio de interior, ele comercializava desde feijão, arroz, açúcar, sal, soda, como tecidos, balas, leite condensado, que a gente de vez em quando furtava, essas coisas. Tudo que esses comerciantes de genéricos… na verdade tinha um armazém. Então tinha o armazém no lado da minha casa. Atrás do armazém tinha um depósito, e mais adiante tinha um pequeno silo que é onde ele estocava os produtos agrícolas que ele comercializava também. Então essa foi a minha primeiríssima infância, até os sete, oito anos. Depois nos mudamos para uma casa maior, uma casa melhor já, quando meu pai deixou de ser comerciante, passou a atividade de criar gado, assim, não era nenhum grande fazendeiro, em pequena escala, lá em Faxinal dos Guedes, é, que é oeste de Santa Catarina. Quando eu nasci tudo aquilo era o município de Chapecó, depois foi se desmembrando. Meu pai ajudou emancipar dois municípios, primeiro de Xanxerê, que é um município, imagino que hoje tenha 50 mil habitantes, talvez, e meu pai compôs lá a primeira legislatura da Câmara Municipal. E aí já me lembro quando foi emancipado Faxinal de Guedes, que é esse pequeno município onde eu nasci, que hoje deve ter uns 10, 12 mil habitantes.
Na época o senhor se lembra?
Não, não me lembro, mas provavelmente a gente aceitava pouca gente lá. [risos] Eu imagino que uns três, quatro mil habitantes.
Ministro, seu pai ajudou emancipar dois municípios, ele chegou a exercer alguma legislatura de vereador?
Sim, nos dois.
Como o senhor descreveria uma espécie de carreira política do seu pai?
Ele, eu me lembro de reuniões políticas na minha casa, ele era do PSD, e ele era muito ligado ao PSD de Santa Catarina, no tempo do governador Celso Ramos, eu me lembro, eu era criança, e me lembro das reuniões políticas dele. Mesmo criança, lembro de às vezes invadir lá as reuniões de Câmara de Vereadores para pedir alguma coisa.
Na Câmara?
Na Câmara. Aquelas reuniões eram informais, não tinha… Me lembro bem de algumas vezes ir lá pedir dinheiro para fazer alguma compra. Mas é isso.
Depois da primeiríssima infância, já que o senhor estabeleceu esse marco, como o senhor descreveria que a sua vida mudou após essa primeiríssima infância?
Eu estudei, o curso primário eu fiz lá e curiosamente era muito bom, no colégio chamado Escolas Reunidas Professor Antônio Cabrera, lá em Santa Catarina, que era dirigido por freiras e a maioria das professoras eram freiras também.
Colégio só para meninos?
Particular. Não, era um colégio misto, era o colégio municipal. Existe até hoje, está lá como colégio municipal, mas não sei como funcionava isso, naquela época a diretoria, os professores eram freiras, e eu me lembro muito bem, gostava do colégio.
Todas as professoras e diretoras eram freiras, podemos dizer que o senhor é um homem de formação católica?
Depois disso, quando terminou (lá só tinha primário quando eu fiz), para continuar eu estudei no seminário, que era em Chapecó, a 60 km dali. Como eu vou dizer? Seminário era obviamente de padres seculares. A finalidade era realmente formar padres. Mas eu terminei o segundo grau e não continuei, eu fui para Porto Alegre para fazer vestibular. Também o seminário era um colégio de muito boa qualidade. Tanto que eu fiz vestibular numa faculdade muito concorrida que era a Faculdade de Direito e sem fazer cursinho nem nada, eu fui aprovado direto, era muito boa qualidade mesmo. Então, eu tive essa formação religiosa, mas eu nunca fui assim muito praticante, um religioso muito praticante.
Desde aquela época?
É. No seminário a gente era praticante por disciplina normal, mas depois eu não…
Ministro, não tem como fazer mais uma ou dois perguntas sobre o seu período de seminário, não tem como citar a reportagem do Estadão de juiz, de 2013, onde menciona o time que o senhor ajudou a fundar, onde o senhor é citado como o camisa 11 dos Explosivos.
Na verdade era O Explosivo, era no singular. Nós tínhamos uma dissidência lá porque nós tínhamos muita garra e pouca técnica, então tinha um grupo que não era escalado na seleção principal, então nós fundamos. O Explosivo foi formado pelos remanescentes, mais ou menos reservas da seleção do colégio, mas nós tínhamos muita garra, e imediatamente nossos adversários fundaram O Extintor. O primeiro clássico foi um desastre, acabou em pancadaria e acabaram-se os dois times.
Por interferência dos padres?
Claro. Não dava para manter. Foi um episódio, foi engraçado porque nós pintamos as nossas camisas, como chamava aquilo, com tinta guache.
O senhor já disse que não era um católico muito praticante, eu queria entender o contexto, quando o senhor vai para Porto Alegre vai para fazer vestibular ou para fazer vestibular para Direito? Quando o senhor decidiu fazer Direito?
Eu fui para Porto Alegre para fazer um vestibular num curso que não fosse um curso científico, porque naquele tempo o segundo grau era o clássico e o científico. Quem tivesse feito o clássico, como eu fiz, estudando latim inclusive, algumas aulas de grego; não tinha como, por exemplo, optar por um curso de Medicina, Engenharia porque o vestibular não era unificado, e não tinha condição de ser aprovado. Cada faculdade fazia seu próprio vestibular. Então eu fiz dois vestibulares, eu fiz vestibular para Direito e fiz vestibular para Sociologia, na época era um curso da moda, nós estávamos em 68, era um curso muito procurado. Então eu fiz vestibular de manhã na Faculdade de Direito e de tarde na Faculdade de Filosofia onde tinha esse curso de Sociologia. Eu passei nos dois e optei pelo Direito, enfim, eu tinha que me sustentar, então optei pelo Direito e fiz curso de Direito de noite e trabalhava de dia.
O senhor trabalhava…?
Trabalhava, desde que fui aprovado no vestibular eu tive sorte de conseguir trabalhar como office boy ou estagiário, como quiserem chamar isso, num escritório de advocacia.
Desde o primeiro período?
Antes de entrar na faculdade eu já tinha começado. Foi assim que eu passei no vestibular, entre o período de aprovação no vestibular e começo das aulas, eu comecei a trabalhar nesse escritório.
O senhor se lembra que escritório era?
Claro, o titular do escritório se chamava Luiz Carlos Lopes Madeira, um advogado conhecido no Rio Grande do Sul e no Brasil. Ele foi secretário geral do Conselho Federal da OAB, hoje ele mora em Brasília, e os outros membros do escritório eram Paulo Odone Chaves de Araújo Ribeiro, ele é muito conhecido, atualmente é deputado estadual do Rio Grande do Sul, foi presidente da Assembleia, foi presidente do Grêmio Futebol Porto Alegrense por muito tempo, que ontem ganhou do Corinthians por sinal. [risos]
O senhor é gremista?
Sou gremista, fui conselheiro até o ano passado. E o terceiro integrante do escritório é Manoel André da Rocha, que também é um advogado importante, ele foi procurador geral do estado no Rio Grande do Sul, foi secretário de Justiça ou da Casa Civil, não me lembro bem, no governo Guazzello, enfim, eram esses três jovens advogados na época. Então para mim foi muito bom.
Como o senhor o conheceu?
Quem me levou para esse escritório, para esse emprego, foi Frederico Stall que era amicíssimo do meu irmão, de Santa Catarina, ele era advogado em Porto Alegre. Chegou a conhecer o Frederico? Ele faleceu já, ele trabalhava, ele era advogado num banco, e o Madeira que era o chefe do escritório, conversando com ele disse que estava precisando de alguém, foi assim que eu o conheci.
Ministro, estamos em 1968, o senhor ingressa na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e antes da gente falar um pouco mais amiúde sobre como foi o curso etc, como o senhor via o Brasil em 1968?
Eu me lembro de algumas coisas assim. Eu vinha do interior, obviamente não tinha nenhuma visão, que se possa dizer, madura sobre o Brasil. Nessa época, antes de começar a faculdade eu estava muito mais voltado para a minha própria sobrevivência, no sentido amplo, do que o Brasil. Mas logo que cheguei na faculdade, era 1968, senti já desde o começo o peso do que era a revolução. Naquela época o movimento estudantil ainda tinha um significado político importante, então me lembro bem da força, assim. E o Brasil era um movimento militar, o regime militar, o Brasil era isso, eu não me lembro do ponto vista de desenvolvimento econômico, tudo na minha cabeça e nas minhas circunstâncias se reduzia a esse problema, que era um problema, da ditadura.
O senhor chegou a participar do movimento estudantil?
Levemente. Eu digo levemente porque eu nunca me engajei profundamente. Eu morava numa república, num apartamento com mais quatro colegas, éramos três estudantes de Direito e dois estudantes de Medicina, alguns mais engajados do que eu. Pelo apartamento passavam de vez em quando alguns clandestinos, a gente dava abrigo para eles, mas eu não sabia quem era nem quando chegaria nem quando sairia, enfim. Então a gente se engajava lateralmente. Isso foi por um bom tempo, até que um dia um desses abrigados foi preso, torturado, e ele tinha uma chave no bolso e era a chave do apartamento. A polícia bateu lá e nos levou a todos, num sábado de noite, mas sem maiores consequências. Ficamos detidos 24 horas, interrogados.
O senhor dormiu na prisão?
Não era prisão, era o DOPS, aquilo não dá para chamar de prisão. Nós ficamos acordados conversando. Não foi propriamente dormir. Mas até de manhã, enfim, passamos lá umas 24 horas.
Como o senhor descreveria, foi interrogado, além de conversar…
Eu fui interrogado, mas sem grande violência. A única violência que eu me lembro que quando chegamos lá, quando eu cheguei… Eu já namorava naquela época, era um sábado de noite, eu já namorava aquela que depois veio a ser minha primeira mulher. Então eu cheguei em casa, pela meia noite, os outros já tinham ido, tinham sido presos, eu cheguei em casa e abri a porta e estava a polícia lá com metralhadora, aquelas coisas todas. Então eles me levaram. Me lembro, era um fusquinha, obviamente sem nenhuma identificação; e claro que a gente sabendo das histórias que estavam acontecendo nos porões a gente se assusta. E chegando lá no Dops, chegamos num corredor, me lembro de ter sido empurrado, eu bati com a cabeça num extintor de incêndio que tinha no corredor. Violência foi isso comigo, que eu me lembre.
O senhor se lembra que ano foi?
Isso foi em 1970.
Alguma outra lembrança em particular desse tempo, dessa…?
Tempo de faculdade tem muitas coisas, foi um curso bom, a turma era boa.
O senhor tem lembrança de professores?
Vários. Vários inclusive do Supremo, o Leitão de Abreu, Neri da Silveira, Paulo Brossard, grandes professores, como não existe mais.
Como era a sua turma?
Muito boa. Eu estudava de noite, a turma tinha 40 alunos, por aí, tinha um núcleo muito bom, a gente se dava muito bem, saia seguidamente.
Alguns amigos o senhor guarda até hoje?
Vários amigos até hoje, que são os conhecidos aí. Vários se tornaram juízes, Afonso Mota vai ser, talvez, deputado federal agora, foi secretário de Estado lá do estado, foi dirigente lá da RBS, têm vários, vários colegas, mas nenhum que eu me lembre que tenha se tornado assim mais conhecido do grande público. A maioria juízes, procuradores.
Se o Judiciário começa a determinar tudo que o Legislativo tem que fazer e assumir o lugar do Legislativo, se disser tudo que o Executivo tem que fazer e o fizer no lugar do Executivo, acabaram-se os outros poderes, é a ditadura.
O que o senhor achou do curso de Direito? As aulas, as disciplinas?
Eu não posso dizer que eu tenha sido um grande aluno, não, eu tinha colegas brilhantes, colegas que foram laureados, por exemplo, o Zezinho Eizenberg, o Jobim deve conhecer, depois foi secretário da Justiça, agora está falecido. Eu era um aluno mediano, eu gostava de estudar, eu tinha essa vantagem de trabalhar durante o dia no escritório de advocacia, isso ajuda muito, essa experiência diária, e tinha uma biblioteca bem razoável no escritório, eu me lembro, por exemplo, do Tratado do Pontes de Miranda que tinha no escritório. Então sempre que tinha tempo, eu lia o Pontes de Miranda, eu do Pontes de Miranda, fiquei um admirador do Pontes de Miranda. Ele é polivalente, ataca em todas as áreas sempre muito bem, e tem um modo de enfrentar os temas de direito, importante, eu acho que é uma qualidade que poucos juristas têm; o Pontes de Miranda, ele resolve problemas, ele é um teórico importante, mas sobretudo um solucionador de problemas. Aqueles problemas que ninguém consegue resolver, está no Pontes. Então ele tem essa grande vantagem, e isso para mim foi muito importante. Eu acho que até por essa circunstância geográfica de eu estar com o Pontes de Miranda na cabeça praticamente todos os dias, foi um doutrinador que me influenciou muito.
Quando o senhor diz o Tratado, o senhor se refere ao Tratado do Direito Privado?
Exatamente.
E os 50 volumes do Tratado nunca lhe intimidaram?
Não, não. Sessenta ou 61, 61 acho que era com o índice. Sessenta volumes, é. Ainda estudante eu comprei, a pau e corda, eu comprei o Tratado, pagando em suaves prestações, tenho até hoje.
O senhor atuou nesse escritório até o fim da faculdade?
Fui até o fim da faculdade, mais um ou dois anos depois de formado. Aí eu já estava casado e montei meu próprio escritório.
Logo depois da faculdade?
Dois anos depois.
O senhor foi advogar sozinho?
Não, com a minha mulher que era formada também, e um outro colega Luís Souza Costa.
Também colega de turma?
Colega de turma.
A sua esposa também foi sua colega de turma?
Eu a conheci na faculdade, mas ela era dois anos mais moderna na faculdade.
Diríamos, foi sua caloura.
Calouro é do primeiro ano, ela entrou na faculdade em 1970, eu entrei em 68.
Como o senhor descreveria esse escritório, rotina de trabalho, o escritório tinha alguma especialidade?
Não, nós fazíamos de tudo, a não ser a área criminal. Acho que menos a área criminal, a gente fazia o que aparecia. Era um escritório pequeno, com três advogados, no início. Isso foi até 74, depois em 76 eu fiz concurso para o Banco Central, advogado do Banco Central. E naquele tempo o cargo não impedia que a gente advogasse, então eu trabalhava meio dia no Banco Central e meio dia no meu escritório e a minha mulher tocava o escritório. Depois mais adiante ela fez concurso para procuradora do estado, ela teve que abandonar o escritório porque aí ela não podia advogar. Então eu acabei monitorando o escritório um pouco a distância, já com um outro colega, porque eu fui me envolvendo cada vez mais na advocacia do Banco Central, e fui assumindo alguns cargos internos lá que me tomavam muito tempo. Eu mantinha o escritório assim um pouco a distância, fazendo alguma coisa mais importante, mas nada do dia a dia lá.
Ministro, que memória o senhor tem do seu concurso?
Do Banco Central?
É. As matérias que caiam, como foram as provas, foi o único concurso que o senhor fez?
Não, eu fiz outros concursos. Nessa época eu fazia vários concursos. Eu fiz concurso nessa época para procurador do estado, para juiz federal, basicamente os três. Mas do Banco Central teve essa grande vantagem; os três começaram mais ou menos na mesma época, mas o do Banco Central era um concurso de um dia só, de manhã tinha uma prova objetiva e de tarde tinha uma prova discursiva. E foi isso, terminou logo, eu assumi logo. Eu me preparei bastante para esse concurso porque eu tinha necessidade. Naquele tempo o Banco Central pagava muito bem. Isso foi em 76, o Banco Central tinha sido criado não muito tempo. Era o primeiro concurso que ele fazia. O Banco Central foi criado como uma costela do Banco do Brasil, trouxe muitas funções do Banco do Brasil e da antiga Sumoc, Superintendência da Moeda e do Crédito, então o Banco Central começou com funcionários do Banco do Brasil e funcionários da Sumoc. E o primeiro concurso era esse, então eles fizeram um concurso para preencher todos esses cargos, e em Porto Alegre tinha duas vagas para advogado, foi essa que eu fiz. Então assumi, ganhava bem. E os outros dois concursos que eu fui aprovado também, para procuradoria do estado e juiz federal demoraram até terminar. Então quando saíram os resultados eu já não tinha mais interesse em assumir. Procurador do estado não tinha mais interesse porque aquela altura já era um concurso que impedia de advogar, e juiz federal era um cargo importante, mas pagava muito pouco, a essa altura, acho que foi em 78 que saiu o resultado, eu já tinha um filho pequeno, nasceu em 74, e a minha filha estava nascendo, nasceu em 78. Então não tinha como baixar o padrão, não teria como manter aquele padrão razoável econômico para manter a família sendo juiz federal, então eu continuei no Banco Central e com o escritório. Isso foi até criarem o Tribunal Federal Regional. Nessa época aí eu já fui para o Tribunal Regional Federal, na vaga de advogados. Assumi lá a primeira composição do tribunal na vaga de advogado, e lá encontrei meus colegas de concurso que tinham feito concurso nos encontramos lá. Eles juízes de carreira e eu que não tinha assumido entrei pelo quinto, nos encontramos. Um grupo bom, um grupo de contemporâneos de faculdade, eu encontrei muita gente, assim foi. Aí mudei a minha vida. Obviamente a magistratura muda a vida.
Ministro, antes de voltarmos a essa parte da mudança que a magistratura fez na sua vida, eu gostaria de pedir um pouco mais de detalhes sobre como foi a sua trajetória no Banco Central. O senhor falou que ocupou alguns cargos internos.
O Banco Central quando eu entrei tinha muito pouco trabalho de contencioso judicial, muito pouco, porque, não sei se vocês sabem, naquele tempo da ditadura era um problema entrar com uma ação contra o Banco Central, não havia essa liberdade de ação que se tem hoje. Existia um certo temor. Os próprios funcionários… Eu me lembro que o regimento interno do Banco Central tinha uma regra, um dispositivo daquele tempo, que os funcionários que acionassem o Banco Central na Justiça, aquilo era um fator que impedia promoções; isso durou muito tempo. Então não tem essa, tinha que resolver as coisas internamente. Eu não me lembro de ações contra o Banco Central a não ser algumas coisas muito pontuais. No começo a gente dava muito parecer interno. Mas isso foi mudando, tão logo começou a distensão política isso foi mudando rapidamente. E foi mudando também porque começaram os grandes problemas no sistema financeiro. Teve uma época que começou uma quebradeira no sistema financeiro, muitas intervenções em grupos financeiros, muita liquidação extra judicial, então aí o Banco Central passou atuar muito mais, especialmente na área com auditores e os advogados. Então quando eu assumi no Banco Central, em 76, tinha lá três outros advogados, em Porto Alegre, quatro advogados, mas eram aqueles advogados que vieram do Banco do Brasil, eram advogados antigos. Em seguida eles se aposentaram, eu acabei ficando o mais antigo advogado no Rio Grande do Sul. Por isso que eu assumi a coordenadoria do serviço do Banco Central no Rio Grande do Sul, logo três, quatro anos depois de assumir o cargo. Então eu comecei a me envolver com esses problemas de sistema financeiro, enfim, em nome do Banco Central, aí eu fui sendo absorvido pelo trabalho no Banco Central. Foi um laboratório fantástico, sob todos os aspectos essa atuação na área do mercado financeiro, é um laboratório e um aprendizado constante.
Um balanço do Banco Central em termos da melhor e a pior parte do trabalho.
Eu gostava muito do trabalho lá, gostava muito. Gostava muito, embora, como tudo na vida, tem seu ciclo, lá pelas tantas as coisas começam a ficar repetitivas aí vão perdendo um pouco a graça. E foi assim, eu não posso dizer que tenha tido alguma coisa ruim. Talvez a coisa ruim, pior de todas tenha sido essa parte inicial que não tinha muita adrenalina, [risos] para quem vinha de uma advocacia mais ou menos… passar de uma hora para advocacia interna, dar pareceres sobre coisas, as vezes, sem muita importância, aquela coisa de cumprir tabela, mas logo em seguida… Eu tenho boas lembranças do Banco Central, muito boas lembranças. A advocacia do Banco Central sempre foi exemplar, o Banco Central teve grandes advogados. Eu me lembro que meu chefe em Brasília era o professor Vilson do Egito Coelho, ele era o chefe do jurídico do Banco Central, era um professor de Direito Comercial muito conhecido, e ele era um exemplo para nós. Ele até me convidou uma época para eu me mudar para Brasília, foi na época que o Brasil estava negociando a sua dívida externa, enfim, se formou um grupo de advogados para formar um núcleo central, coordenar essas negociações. Mas eu não me animei na época a me mudar de Porto Alegre para Brasília porque eu também sabia que era uma… por mais transitório que pudesse ser, eu não tinha retorno, enfim, era mais difícil do que hoje é se mudar, mudar a família, minha mulher era procuradora do estado, os filhos já estavam no colégio, era complicado. Então eu acabei não aceitando, mas eu tinha muita admiração por ele, e era um trabalho fascinante também. Além de ser um trabalho que teria proporcionado experiência na área internacional, importante. Apareceu à oportunidade, eu não aceitei, não me arrependo.
Não se arrepende?
Não, não me arrependo, embora como eu disse, a gente tem que fazer opções, não me arrependo.
Em que ano esse convite ocorreu, o senhor se lembra?
Eu não me lembro bem, mas era lá por 82, 83, 80, não me lembro bem. Depois eu tive um outro convite quando o dr. Fernão Bracher, era presidente do banco, também para me mudar para Brasília para chefiar o jurídico do Banco Central em Brasília. Isso foi em 86, por aí, 87. Mas aí eu já estava terminando meu ciclo de Banco Central, já estava pensando em mudar de ares, também não aceitei. Acho que o convite mais fascinante da época para se mudar para Brasília foi o primeiro, que era participar das negociações com a dívida externa brasileira.
Podemos dizer que nessa época o senhor já era reconhecido como especialista em direito de finanças públicas?
Não, eu não posso dizer que eu seja, até hoje. Eu era conhecido como um advogado do Banco Central, coordenador no Rio Grande do Sul, enfim, procurava fazer as coisas que me tocavam da melhor maneira possível, mas não era especialista, não. Ninguém era especialista em dívida externa naquela época, tinha que se criar, tinha que se formar. A ideia era essa, ter um grupo que acabou sendo formado. O Luiz Carlos Sturzenegger, que era meu colega de concurso, acabou sendo um dos nomes e foi o coordenador desse grupo. Não me lembro quem eram os outros, mas me lembro que eram quatro, tinha escolhido quatro. E o Luiz Carlos fez um belíssimo trabalho.
Ministro, antes de chegarmos na magistratura, o senhor teve também uma carreira docente.
Tive. Eu fiz concurso para professor de Introdução a Ciência do Direito na Unisinos, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Eu lecionei essa cadeira dois anos, depois me licenciei, e fiz concurso… Eu estava no Banco Central, fiz concurso para Direito Comercial na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, isso em 78, se não engano, não, 85, 86. Setenta oito foram os outros concursos. Eu comecei a lecionar, o departamento era direito comercial, direito civil, processo civil. Eu comecei dando aula de Direito Comercial, mas lá pelas tantas eles estavam precisando de gente no Processo Civil e eu gostava da cadeira de Processo Civil. Logo em seguida comecei a trabalhar como juiz, então eu passei a me interessar mais pelo Processo Civil, e comecei estudar e eu lecionava Processo Civil, lecionei Processo Civil desde então. Lecionei até assumir a presidência do tribunal em 2000, 2001. Na presidência eu já comecei a ter dificuldades, depois me licenciei porque não dava para conseguir dar as aulas direito, depois coincidiu com a minha ida para Brasília, para o STJ, eu fiquei um tempo sem dar aula, até que na UnB eles insistiram muito, eu resisti o que pude, mas acabei concordando em transferir o meu cargo da UFRGS para Brasília. E lecionei na UnB vários anos também, mas também não consegui manter decentemente a minha docência, acabei me licenciando, bom, estou licenciado até hoje. Aliás, em 2012 eu pedi o retorno para a UFRGS, porque eu tinha um projeto de me aposentar e voltar para o Rio Grande do Sul. Nesse meio tempo, quando já estava em andamento esse processo de retorno, surgiu a oportunidade de ir para o Supremo, então a minha vaga de professor foi para Porto Alegre, mas eu não fui atrás, estou licenciado, formalmente eu sou professor lá na UFRGS.
No que toca a docência, hoje o senhor como ministro do Supremo, sejam os alunos da Unb, sejam os alunos da UFRGS, não estão ávidos para que o senhor não se aposente e volte para a sala de aula?
De vez em quando eles dizem isso, eles gostam muito. Eu até pensei em aceitar a proposta de fazer por teleconferência, mas não acho que seja uma boa. Eu não sei, eu acho que o magistério tem que ser ao vivo e a cores, acho eu, pode ser que… Talvez seja uma desculpa para não voltar assumir assim esse compromisso. Lá pelas tantas a gente vai cansando de… Eu acho que dar aula é um compromisso importante, sobretudo porque depende de pessoas que saem de casa todo dia e vão lá para te assistir, vão lá para aprender, então não dá para deixar o pessoal na mão. Eu tinha horror de professores que me deixassem na mão, então, melhor deixar para outro. Por isso que não voltei ainda.
No seu tempo de professor ativo como a gente poderia descrever uma aula do professor Teori Zavascki?
Em geral os alunos achavam que eu era bem didático, eu posso me vangloriar de no meu período de professor ter sido paraninfo várias vezes e de, invariavelmente, sem nenhum ano que não fosse assim, de ter sido professor homenageado sempre, então eu acho que isso revela que os alunos gostavam das minhas aulas. Eu acho que eu era um professor razoável, procurava respeitar muito os alunos, me preparava para dar aula, e como eu sabia como a gente aprende Direito, que é realmente juntando o teórico com o prático, eu sempre procurei reunir com casos práticos, isso ajuda muito o aluno a aprender. E, sobretudo juntar o teórico com o prático, porque a grande dificuldade que existe, eu acho que isso persiste, é essa falha enorme. Hoje as universidades federais fazem concurso – eu sei por que eu presidi uma banca de concurso recentemente lá em Brasília, quando estava lá ainda -, concurso para professor de Processo Civil, é só professor por regime de tempo integral. Ou seja, professor não pode fazer outra coisa. Um professor de Processo Civil que só dê aula de Processo Civil não pode ser um bom professor. Acho eu, não sei como vai ser, vai ser um teórico, é mais ou menos como um cirurgião que dá aula de cirurgia sem poder operar. Eu imagino que seja uma coisa assim. Então eu procurava fazer isso como professor, juntava sempre que possível o teórico com o prático. Isso torna a aula didática, enfim, e um pouco mais atraente.
O prático vinha das suas experiências práticas, num primeiro momento do Banco Central mais advocacia privada?
Sim. E mais a magistratura. Acho que ninguém tem mais experiência de coisas práticas do que um juiz.
E o teórico, ministro?
Tem que estudar. [risos]
Alguns teóricos preferidos além de Pontes de Miranda já tão homenageado?
É, Pontes de Miranda foi nos meus primeiros anos de estudo, gostava muito. Mas depois como professor de Processo Civil eu estudei algumas obras clássicas, italianos, principalmente, que são os nossos grandes inspiradores e a doutrina brasileira, nós temos grandes professores aqui no Brasil.