Como a ministra Cármen Lúcia se posicionou em dez casos importantes:
– Biografias não-autorizadas (ADI 4.815) – a publicação de livros não depende da autorização prévia do biografado ou de seus familiares.
“Na ciranda de roda da minha infância, alguém ficava no centro gritando: ‘cala a boca já morreu, quem manda em minha boca sou eu’. O tempo ensinou-me que era uma musiquinha, não uma realidade. Tentar calar o outro é uma constante. Mas na vida aprendi que quem, por direito, não é senhor do seu dizer, não se pode dizer senhor de qualquer direito.”
– Lei da Ficha Limpa (ADI 4.578) – a ministra votou pela constitucionalidade da lei.
“O objetivo da norma constitucional é assegurar a proteção ética do processo eleitoral, garantindo-se à sociedade o direito de votar em quem o sistema estabeleça ofereça as condições ético-jurídicas de exercer o mandato que lhe venha a ser conferido”.
– Lei Maria da Penha (ADC 19)– o Ministério Público pode dar início a ações penais sem necessidade de representação da vítima, no âmbito da Lei Maria da Penha.
“Tenho absoluta convicção ou convencimento, pelo menos, de que um homem branco, médio, ocidental, jamais poderá escrever ou pensar a igualdade ou a desigualdade como uma de nós, porque o preconceito passa pelo e no olhar. Uma de nós, ainda que dispondo de um cargo, titularizando um cargo, que nos dá, às vezes, até a necessidade de uso de um carro oficial, vê o carro de quem está ao lado, um olhar diferenciado do que se ali estivesse sentado um homem. Porque, na cabeça daquele que passa, nós mulheres estamos usurpando a posição de um homem, e isso é a média, não de uma pessoa que não tenha tido a oportunidade de compreender o mundo em que vivemos…”
– Mensalão (AP 470) – Votou contra a possibilidade de novo julgamento para condenados que tiveram quatro votos pela absolvição. Absolveu José Dirceu e outros acusados do crime de formação de quadrilha.
“Acho estranho e muito grave que alguém diga, com toda tranquilidade, que ‘ora, houve caixa dois’ na tribuna do Tribunal Supremo do País como se fosse algo banal, tranquilo, que se afirma com singeleza. Caixa dois é crime; caixa dois é uma agressão à sociedade brasileira; caixa dois compromete, mesmo que tivesse sido isso, ou só isso; e isso não é só; e isso não é pouco! E dizer isto da tribuna do Supremo Tribunal, ou perante qualquer juiz, parece-me, realmente, grave, porque fica parecendo que ilícito no Brasil pode ser praticado, confessado e tudo bem. E não é tudo bem, tudo bem é estar num País, num Estado de Direito, quando todo mundo cumpre a lei”.
– Execução provisória da pena (HC 126.292) – votou pela possibilidade de executar a pena imposta a um condenado mesmo antes do trânsito em julgado da ação penal.
“Eu, senhor presidente, fiquei vencida nas outras ocasiões exatamente no sentido do que é o voto agora do ministro-relator, ou seja, considerei que a interpretação da Constituição no sentido de que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória haveria de ser lido e interpretado no sentido de que ninguém poderá ser considerado culpado e não condenado. Quer dizer, condenado ele está, mas o que a Constituição diz é que a defesa de culpa ou o carimbo da culpa, com consequências para além do Direito Penal, inclusive com base na sentença penal transitada, é uma coisa; quer dizer, algo é dizer que ninguém será considerado culpado, e esta é a presunção de inocência que foi discutida na Constituinte”.
– Impeachment (ADPF 378) – votou pela aplicação do rito do caso Collor para o impeachment da presidente Dilma Rousseff, desconstituindo parte do processo iniciado pelo deputado Eduardo Cunha. Manifestou-se também pela tese de que o afastamento do presidente da República só ocorre depois de decisão do Senado.
“Sem responsabilidade não há democracia, sem democracia, não há Justiça, e sem Justiça, não há dignidade, menos ainda, cidadania. Quando se põe em pauta um julgamento como este, do impeachment de um Presidente, na estrita legalidade, tal como o Ministro Barroso enfatizou, parti dos três pilares da dinâmica democrática estatal, que são a responsabilidade, sem a qual regrediríamos a um período em que o rei não erra; a legalidade, sem a qual o Estado de Direito seria retórica, permitindo que qualquer pessoa pudesse mandar a seu bel prazer; e a segurança jurídica, sem a qual viver com o outro fica extremamente difícil, tornando-se uma experiência desconfortável de sustos permanentes”.
– União homoafetiva (ADPF 132) – votou favoravelmente ao reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar.
“Contra todas as formas de preconceito, contra quem quer que seja, há o direito constitucional. E este é um tribunal que tem a função precípua de defender e garantir os direitos constitucionais. E, reitere-se, todas as formas de preconceito merecem repúdio de todas as pessoas que se comprometam com a justiça, com a democracia, mais ainda os juízes do Estado Democrático de Direito”.
– Aborto de fetos anencéfalos (ADPF 54) – a ministra votou no sentido de permitir que mulheres grávidas de fetos anencefálicos interrompam a gravidez.
“Quando o berço se transforma num pequeno esquife, a vida se entorta, porque a mulher que teria que estar carregando aquele pequeno berço, para preservar aquela vida com todo cuidado, se vê às voltas com algo com o qual ele tem que lidar de uma forma muito solitárias, às vezes, e sempre com o que era o imponderável da vida: a possibilidade de morte antes mesmo da vida. Talvez esse seja o dado que mais toca a dignidade do ser humano”.
– Importação de pneus (ADPF 101) – relatora do processo, a ministra Cármen Lúcia convocou a primeira audiência pública da história do STF e votou a favor da constitucionalidade da lei que proibiu a importação de pneus usados.
“Os preceitos fundamentais da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado são constitucionalmente protegidos e estão a ser descumpridos por decisões que, ao garantir a importação de pneus usados ou remoldados, afronta aqueles direitos fundamentais”.
– Células tronco embrionárias (ADI 3.510) – a ministra julgou que as pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida.
“Aqui, a Constituição é a minha bíblia, o Brasil, minha única religião. Juiz, no foro, cultua o Direito. Como diria Pontes de Miranda, assim é porque o Direito assim quer e determina. O Estado é laico, a sociedade é plural, a ciência é neutra e o direito imparcial (…)A Constituição garante não apenas o direito à vida, mas assegura a liberdade para que o ser humano dela disponha; liberdade para se dar ao viver digno. Não se há falar apenas em dignidade da vida para a célula- tronco embrionária, substância humana que, no caso em foco, não será transformada em vida, sem igual resguardo e respeito àquele princípio aos que buscam, precisam e contam com novos saberes, legítimos saberes para a possibilidade de melhor viver ou até mesmo de apenas viver. Possibilitar que alguém tenha esperança e possa lutar para viver compõe a dignidade da vida daquele que se compromete com o princípio em sua largueza maior, com a existência digna para a espécie humana”.