O ministro Ricardo Lewandowski costuma citar o filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso. Diz ter afinidade com o pensamento de um dos pais da Filosofia. Sem dúvida, Lewandowski deve se identificar com a ideia de Heráclito de que “tudo se move, tudo se transforma, nada permanece o mesmo, a única realidade do mundo é a mudança” e que “o homem que volta ao mesmo rio, nem o rio é o mesmo rio, nem o homem é o mesmo homem”.
Mais do que apreciar as ideias de Heráclito de Éfeso, Lewandowski certamente se identifica com as ideias do filósofo. E nós, que o observamos e o vimos chegar ao Supremo em 2006, julgar o processo do mensalão e depois presidir o Supremo nos últimos dois anos, podemos nos valer de Heráclito para analisar o juiz Ricardo Lewandowski e sua gestão no comando do tribunal.
O juiz Ricardo Lewandowski que chegou ao Supremo em 2006, nomeado pelo presidente Lula, apoiado por lideranças políticas de São Bernardo (especialmente Luiz Marinho), e que imediatamente estranhou as relações íntimas entre a magistratura e a política de Brasília, difere do presidente do Supremo que se misturou com a política.
O Supremo que ele encontrou há dez anos também não é o mesmo. A conjuntura política de 2006, já confusa com a revelação da existência do esquema do mensalão, não se compara com o momento atual – impeachment da presidente Dilma Rousseff, Operação Lava Jato, crise econômica e um cenário de intolerância política na sociedade.
Lewandowski assumiu a Presidência do Supremo depois de todo o desgaste que sofreu no julgamento do mensalão – pelos votos que proferiu e pela posição que assumiu no plenário, fazendo contraponto ao ministro Joaquim Barbosa. Saiu deste processo combalido, tachado de petista pela opinião pública, combatido nas sessões plenárias e abatido pelas palavras de Barbosa.
Adicionalmente, foi eleito presidente do STF num dos mais graves quadros políticos da história do País. Nos dois anos em que esteve no cargo, o Supremo abriu um inquérito contra a presidente da República, Dilma Rousseff, determinou a prisão de um senador no exercício do mandato (Delcídio do Amaral), afastou o presidente da Câmara dos Deputados do cargo e do mandato (Eduardo Cunha), abriu – numa só tacada – dezenas de processos contra parlamentares, incluindo os presidentes da Câmara e do Senado, e ministros de Estado investigados pela Operação Lava Jato, instaurou inquéritos contra quatro ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), julgou a legalidade do ato judicial que determinou a divulgação de um diálogo entre a presidente da República e o ex-presidente Lula, anulou a nomeação de dois ministros de Estado, suspendeu o rito do impeachment no Congresso.
Por fim, coube ao ministro Lewandowski presidir o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Ironicamente, o juiz que era tachado de petista por parte da opinião pública, preside o julgamento que deve encerrar 13 anos de administração do PT.
Se havia desconfiança de que o ministro atuaria para direcionar o julgamento, embasada pela declaração do próprio de que o Supremo estaria de portas abertas para discutir o mérito do crime de responsabilidade, a atuação até o momento de Lewandowski dirime as suspeitas.
O ministro rejeitou a possibilidade de criar um rito especial, sumário, acelerado para o processo. O presidente do Supremo não admitiu excepcionalidades: nem acelerar, nem atrasar. Também rejeitou diversos pedidos feitos pela defesa da presidente da República para anular procedimentos, trancar o processo ou tentar atrasá-lo. E o fez com o respaldo do tribunal.
Nas sessões no Senado, viu-se obrigado a lidar com a luta política, com discussões ásperas e troca de acusações no plenário. Valeu-se, para tentar normalizar os trabalhos, da autoridade e cerimônia de presidente do Supremo e do próprio temperamento.
Nos dois anos de Presidência do Supremo, Lewandowski enfrentou a tempestade perfeita. Estava tudo certo para dar errado. Estava. A forma como lidou com as turbulências e como vem presidindo o processo de impeachment – discretamente, sem tumultos ou sobressaltos – pontificará sua presidência. Não fosse isso, sua gestão seria lembrada pelo esvaziamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pela defesa de pautas corporativas da magistratura e pelas suspeitas de vinculação com o governo do PT.
Atualização: 1 de setembro de 2016, 13h17: A presidência do processo de impeachment seria a marca final dos dois anos de mandato do ministro Ricardo Lewandowski como presidente do Supremo Tribunal Federal. Lewandowski vinha presidindo o processo com imparcialidade, sobriedade e contrariando as expectativas de que atuaria para favorecer a presidente Dilma Rousseff.
O desfecho do processo, porém, levanta novos e fortes questionamentos sobre a presidência do ministro Ricardo Lewandowski. O Senado decidiu afastar Dilma Rousseff do cargo, mas de forma inédita não aplicou a pena de inabilitação para ocupar função pública.
Dois precedentes do Supremo foram solapados. E o ministro Lewandowski, de forma no mínimo questionável, assumiu para si a responsabilidade dividir o julgamento de Dilma Rousseff, admitindo o destaque feito por apoiadores da então presidente. É assim que Lewandowski termina seu mandato, reforçando no seu último e mais importante ato as suspeitas que impregnaram sua biografia desde o julgamento do mensalão.
Para entender a polêmica, leia:
Nem juiz, nem senador: Lewandowski e a dupla votação no julgamento de Dilma;
e-Leitor: Efeitos do julgamento do impeachment contra Dilma Rousseff;