Os dois anos da presidência de Ricardo Lewandowski

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Capítulo 1

Dois anos de gestão

O ministro Ricardo Lewandowski costuma citar o filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso. Diz ter afinidade com o pensamento de um dos pais da Filosofia. Sem dúvida, Lewandowski deve se identificar com a ideia de Heráclito de que “tudo se move, tudo se transforma, nada permanece o mesmo, a única realidade do mundo é a mudança” e que “o homem que volta ao mesmo rio, nem o rio é o mesmo rio, nem o homem é o mesmo homem”.

Mais do que apreciar as ideias de Heráclito de Éfeso, Lewandowski certamente se identifica com as ideias do filósofo. E nós, que o observamos e o vimos chegar ao Supremo em 2006, julgar o processo do mensalão e depois presidir o Supremo nos últimos dois anos, podemos nos valer de Heráclito para analisar o juiz Ricardo Lewandowski e sua gestão no comando do tribunal.

O juiz Ricardo Lewandowski que chegou ao Supremo em 2006, nomeado pelo presidente Lula, apoiado por lideranças políticas de São Bernardo (especialmente Luiz Marinho), e que imediatamente estranhou as relações íntimas entre a magistratura e a política de Brasília, difere do presidente do Supremo que se misturou com a política.

O Supremo que ele encontrou há dez anos também não é o mesmo. A conjuntura política de 2006, já confusa com a revelação da existência do esquema do mensalão, não se compara com o momento atual – impeachment da presidente Dilma Rousseff, Operação Lava Jato, crise econômica e um cenário de intolerância política na sociedade.

Lewandowski assumiu a Presidência do Supremo depois de todo o desgaste que sofreu no julgamento do mensalão – pelos votos que proferiu e pela posição que assumiu no plenário, fazendo contraponto ao ministro Joaquim Barbosa. Saiu deste processo combalido, tachado de petista pela opinião pública, combatido nas sessões plenárias e abatido pelas palavras de Barbosa.

Adicionalmente, foi eleito presidente do STF num dos mais graves quadros políticos da história do País. Nos dois anos em que esteve no cargo, o Supremo abriu um inquérito contra a presidente da República, Dilma Rousseff, determinou a prisão de um senador no exercício do mandato (Delcídio do Amaral), afastou o presidente da Câmara dos Deputados do cargo e do mandato (Eduardo Cunha),  abriu – numa só tacada – dezenas de processos contra parlamentares, incluindo os presidentes da Câmara e do Senado, e ministros de Estado investigados pela Operação Lava Jato, instaurou inquéritos contra quatro ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), julgou a legalidade do ato judicial que determinou a divulgação de um diálogo entre a presidente da República e o ex-presidente Lula, anulou a nomeação de dois ministros de Estado, suspendeu o rito do impeachment no Congresso.

Por fim, coube ao ministro Lewandowski presidir o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Ironicamente, o juiz que era tachado de petista por parte da opinião pública, preside o julgamento que deve encerrar 13 anos de administração do PT.

Se havia desconfiança de que o ministro atuaria para direcionar o julgamento, embasada pela declaração do próprio de que o Supremo estaria de portas abertas para discutir o mérito do crime de responsabilidade, a atuação até o momento de Lewandowski dirime as suspeitas.

O ministro rejeitou a possibilidade de criar um rito especial, sumário, acelerado para o processo. O presidente do Supremo não admitiu excepcionalidades: nem acelerar, nem atrasar. Também rejeitou diversos pedidos feitos pela defesa da presidente da República para anular procedimentos, trancar o processo ou tentar atrasá-lo. E o fez com o respaldo do tribunal.

Nas sessões no Senado, viu-se obrigado a lidar com a luta política, com discussões ásperas e troca de acusações no plenário. Valeu-se, para tentar normalizar os trabalhos, da autoridade e cerimônia de presidente do Supremo e do próprio temperamento.

Nos dois anos de Presidência do Supremo, Lewandowski enfrentou a tempestade perfeita. Estava tudo certo para dar errado. Estava. A forma como lidou com as turbulências e como vem presidindo o processo de impeachment – discretamente, sem tumultos ou sobressaltos – pontificará sua presidência. Não fosse isso, sua gestão seria lembrada pelo esvaziamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pela defesa de pautas corporativas da magistratura e pelas suspeitas de vinculação com o governo do PT.

Atualização: 1 de setembro de 2016, 13h17: A presidência do processo de impeachment seria a marca final dos dois anos de mandato do ministro Ricardo Lewandowski como presidente do Supremo Tribunal Federal. Lewandowski vinha presidindo o processo com imparcialidade, sobriedade e contrariando as expectativas de que atuaria para favorecer a presidente Dilma Rousseff.

O desfecho do processo, porém, levanta novos e fortes questionamentos sobre a presidência do ministro Ricardo Lewandowski. O Senado decidiu afastar Dilma Rousseff do cargo, mas de forma inédita não aplicou a pena de inabilitação para ocupar função pública.

Dois precedentes do Supremo foram solapados. E o ministro Lewandowski, de forma no mínimo questionável, assumiu para si a responsabilidade dividir o julgamento de Dilma Rousseff, admitindo o destaque feito por apoiadores da então presidente. É assim que Lewandowski termina seu mandato, reforçando no seu último e mais importante ato as suspeitas que impregnaram sua biografia desde o julgamento do mensalão.

Para entender a polêmica, leia: 

Nem juiz, nem senador: Lewandowski e a dupla votação no julgamento de Dilma;

e-Leitor: Efeitos do julgamento do impeachment contra Dilma Rousseff;

Collor X Dilma: Ritos parecidos, condenações diferentes

Capítulo 2

Corporativismo

Uma das principais marcas da gestão de Lewandowski foi seu trabalho em prol de propostas corporativas. A começar pelo enfraquecimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O órgão vinha ganhando projeção e protagonismo na discussão dos problemas do Judiciário. Nos dois últimos anos, foi sendo progressivamente esvaziado. Na gestão Lewandowski, o processo chegou ao ápice.

O ministro nunca escondeu suas restrições ao Conselho. Dizia que o CNJ se assemelhava a uma delegacia de polícia, com uma corregedoria hipertrofiada e deixando em segundo plano – na visão dele – a tarefa de pensar a administração da Justiça.

Afirmava a auxiliares do CNJ que tinha como sua meta colocar o conselho no seu devido lugar. Qual seria? Aos conselheiros e magistrados, dizia que o órgão deveria ser visto como a casa dos juízes. Assim como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é a casa dos advogados.

Quando o órgão de controle da magistratura se torna a casa daqueles que deveria fiscalizar,  coloca-se em xeque a função primordial do Conselho. Previsível, portanto, que o CNJ passasse por um esvaziamento institucional.

As críticas de Lewandowski vêm de muito tempo.

Em 2012, quando foi a julgamento no Supremo a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.638, Lewandowski defendeu a tese de que o CNJ não tivesse competência para abrir diretamente investigações contra magistrados suspeitos de irregularidades. A competência seria exclusiva das corregedorias dos tribunais locais, historicamente contaminadas pelo sentimento corporativo. Ficou vencido. Ali, o tribunal consagrou a competência concorrente do CNJ para investigar juízes.

No ano anterior, Lewandowski enfrentou uma saraivada de críticas, inclusive sobre sua imparcialidade, por ter concedido uma liminar, na véspera do recesso, suspendendo investigações iniciadas pela Corregedoria Nacional de Justiça nos tribunais.

A Corregedoria era comandada na época pela ministra Eliana Calmon. Ela iniciou a inspeção para apurar suspeitas de irregularidades no pagamento de passivos aos magistrados. Lewandowski, egresso do Tribunal de Justiça de São Paulo, também recebeu pagamentos relativos a benefícios passados. Por isso, sua isenção foi questionada pela imprensa, especialmente pela Folha de S.Paulo. A investigação, depois, pôde prosseguir, mas sem buscar informações relativas a ministros do Supremo. A ministra Cármen Lúcia, que assume o comando do CNJ no dia 12 de setembro, terá de lidar com este Conselho. A pergunta que só poderá ser respondida em dois anos é se a ministra conseguirá – ou trabalhará – para virar este quadro.

Nesse campo, é também representativa a articulação que foi feita para que virasse realidade o pagamento do auxílio moradia para os juízes de todo o País. Depois que o governo Dilma anunciou o corte unilateral no orçamento do Judiciário e do Ministério Público, o ministro Luiz Fux concedeu liminar, reconhecendo o direito dos juízes ao benefício e determinando o pagamento de mais de R$ 4 mil a todos os magistrados do País, inclusive para aqueles que têm casa própria.

Ato contínuo, Lewandowski comandou a sessão do CNJ que regulamentou o pagamento do auxílio com base numa decisão que só não foi derrubada até hoje porque o processo permanece engavetado no gabinete do ministro Luiz Fux. Foi retaliação ao governo? Negativo, diriam os ministros. O benefício, de acordo com eles, está previsto na Loman, desde 1979.

O que estava por trás do pagamento? Uma resposta ao governo Dilma Rousseff que, unilateralmente e de forma questionável, retaliou a proposta orçamentária enviada pelo Supremo para ser votada no Congresso. O STF e o MP queriam aumentar os salários de juízes e procuradores. O governo não via condições fiscais para isso. Como o Supremo entende que só o Congresso poderia rejeitar a proposta, veio a reação por meio de medida judicial.

Trabalho semelhante foi feito pelo presidente do Supremo para tentar viabilizar outra verba para os juízes. O relato é feito por integrantes do governo Dilma: não havia reunião com o presidente do Supremo em que Lewandowski não falasse da aprovação da proposta que garantia o pagamento de Adicional por Tempo de Serviço para os juízes. O ATS, apesar de também previsto na Loman no mesmo artigo em que está prescrito o auxílio-moradia, não está sendo pago por decisão temporária do Supremo. Uma proposta de emenda à Constituição tramita no Congresso.

No Conselho Nacional de Justiça, Lewandowski empenhou-se por cumprir uma promessa que fazia reservadamente: colocaria o CNJ no seu devido lugar. Crítico da atuação disciplinar repressiva do Conselho, notabilizada pelos ministros Gilson Dipp e Eliana Calmon, o lugar do CNJ para Lewandowski era de um órgão eminentemente de controle administrativo, discreto, sem qualquer protagonismo.

Foi sob sua liderança que o CNJ, recentemente, decidiu excluir do texto de uma resolução a obrigatoriedade de juízes e ministros de tribunais superiores revelarem quanto recebem para ministrar aulas ou palestras. O ministro alegou preocupação com a segurança individual dos magistrados, deixando em segundo plano as críticas de que um juiz receber, longe dos olhos do público, recursos de instituições privadas (ou viajar em jatinho particular) para ministrar uma palestra pode colocar em risco a imparcialidade e a imagem da justiça.

Capítulo 3

Decisões e polêmicas

Gestão

Lewandowski tem um estilo cuidadoso de gestão. Preocupou-se no Supremo com isso. Incomodou-se quando herdou o gabinete de um ministro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e achou processos inexplicavelmente armazenados na gaveta da chefe de gabinete.

O incômodo o fez buscar melhorias na gestão de seu gabinete e redução no seu acervo. Recebeu a certificação ISO 9001, manteve-se sempre como um dos ministros com menor estoque de processos na Corte e como um dos mais produtivos, conforme as estatísticas internas.

O planejamento meticuloso, porém, não foi suficiente para evitar problemas — tampouco foi necessário para produzir acertos. Ao contrário: a gestão de Lewandowski, internamente, é alvo de questionamentos.

As trocas sucessivas nos cargos administrativos mais importantes do tribunal geraram problemas de descontinuidade no já curto mandato do presidente. Setores vitais para o tribunal enfrentaram problemas durante sua gestão.

A começar pela mais importante secretaria. O secretário-geral da Presidência, homem de confiança de Lewandowski, deixou o cargo em meio ao mandato – algo inédito no tribunal – para trabalhar numa empresa privada.

A Secretaria Judiciária, órgão vital para o funcionamento da Corte e responsável pelo recebimento, autuação, classificação e distribuição dos processos que chegam à Corte, teve o comando trocado por três vezes em menos de um ano e meio.

Numa dessas ocasiões, o motivo foi a divulgação indevida da minuta de uma decisão do ministro Marco Aurélio Mello, determinando o seguimento do processo de impeachment do vice-presidente da República, Michel Temer. A decisão não estava assinada pelo ministro e, por isso mesmo, não poderia ter sido divulgada. Para preservar os assessores mais próximos, responsáveis pelo erro, Lewandowski sacrificou a área técnica da Corte.

Além das trocas em cargos estratégicos, a Presidência viu sua administração envolta em decisões polêmicas. A principal delas partiu da Secretaria de Segurança: o pedido de investigação feito à Polícia Federal sobre responsáveis por bonecos infláveis levados em manifestações de rua. Dilma Rousseff, Lula, Gilmar Mendes e Dias Toffoli foram alvos nas manifestações públicas, ironizados nas imagens desses bonecos .

O primeiro desses, numa crítica a Lula, foi batizado de pixuleco, sinônimo de propina no vocabulário da Lava Jato. Mas as críticas só se tornaram uma ameaça aos poderes da República que merecessem uma investigação formal quando nasceram Enganô  (em crítica ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot) e o Petralovski.

Ao fim de dois anos, cioso que sempre se mostrou em relação à administração do Tribunal, Lewandowski não preparou a transição para a ministra Cármen Lúcia. Muito pelo contrário. Por questões de economia interna e de personalidades – de um e de outra.

Decisões

Houve, no passado, ministros que atuaram de forma contida nos plantões do tribunal. Um deles foi o ministro Cezar Peluso. Ele ponderava que, no plantão, o Supremo estava aberto para decidir apenas questões urgentes. Caso contrário, o tribunal servia às estratégias dos advogados: esperavam o recesso chegar para que o processo fosse analisado pelo ministro-presidente.

Lewandowski parece não ter tido esta preocupação numa das decisões mais polêmicas e criticadas de sua gestão. No dia 23 de dezembro de 2014, quatro dias depois de iniciado o recesso de final de ano, chegaram ao seu gabinete os autos da ADI 5.209, cujo requerente era a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) e o advogado era Técio Lins e Silva.

A ação questionava a constitucionalidade de portarias do Ministério do Trabalho e Emprego que instituíram o cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravidão. A divulgação dos nomes das empresas era feita há dez anos.

Pois no mesmo dia em que recebeu o processo, Lewandowski determinou a retirada da lista de empresas do ar. A decisão gerava efeitos positivos para as empresas, antes impedidas de contratar empréstimos em bancos públicos, como Banco do Brasil, justamente por figurarem na relação.

Além do teor da decisão, chamou a atenção – dentro e fora do tribunal – o fato de o ministro não ter divulgado imediatamente seus argumentos na liminar.

Houve reações de organizações não governamentais e do próprio governo. O Ministério Público pediu a reconsideração da decisão. Lewandowski indeferiu o pedido.

O Ministério do Trabalho, então, driblou a decisão de Lewandowski. Baixou outra portaria, reinstituindo a divulgação dos nomes, o que pôs fim ao processo e permitiu a continuidade da política pública com mais de uma década de existência.

No início deste ano, outra decisão igualmente polêmica e também de vida curta. O presidente do Supremo, durante o recesso e contrariando determinação do Conselho Nacional de Justiça, determinou que um tabelião acusado de homicídio, desvio de dinheiro e improbidade voltasse à titularidade de um tabelionato de protestos e registros de títulos em Goiânia.

O Conselho Nacional de Justiça havia declarado vagos os cartório ocupados por não concursados. Não sendo concursado, Maurício Borges Sampaio perderia a titularidade do cartório. Em mais de uma ocasião, ele tentou no CNJ e no Supremo retornar à sua posição. Teve liminares negadas por Ayres Britto, Cezar Peluso e Teori Zavascki em diferentes momentos.

Mas teve mais sorte com Lewandowski. O ministro argumentou que o CNJ, como órgão administrativo, não poderia ter afastado Maurício Sampaio do cartório. A decisão data de 14 de janeiro, pouco antes de Lewandowski sair de férias e passar o plantão para o comando da ministra Cármen Lúcia. No dia 1o de fevereiro, a ministra revoga a liminar.

Decisões que geraram polêmicas na imprensa e na opinião pública e que colocaram novamente em questão a imagem do ministro Ricardo Lewandowski. Internamente, em caráter reservado, seus colegas faziam coro às críticas. Alguns viam em assessores de confiança de Lewandowski a origem de decisões tão polêmicas.

Capítulo 4

O erro político de Lewandowski

A indicação de Fachin

O processo de indicação de Edson Fachin para o Supremo desvelou, para muitos do governo Dilma, a imagem de um Ricardo Lewandowski inábil politicamente. O presidente do Supremo agiu como “um deputado do baixo clero de São Bernardo”, comparou um dos conselheiros da presidente Dilma Rousseff.

Joaquim Barbosa se aposentou, antecipadamente e em meio ao mandato de presidente, em julho de 2014. Havia avisado o governo de sua decisão em maio daquele ano. A presidente só escolheria o sucessor em abril de 2015 depois de um processo tumultuado politicamente.

No meio do caminho até a indicação, houve a eleição presidencial, Operação Lava Jato e envolvimento nas investigações dos presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara naquela época, Eduardo Cunha, aprovação da proposta e emenda à Constituição que elevou de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria compulsória no serviço público. A mudança na Constituição gerava um resultado de imediato: a indicação do substituto de Joaquim Barbosa seria a última de Dilma Rousseff até 2018 (isso, claro, se não houvesse anormalidades, como aposentadoria antecipada de outro ministro, por exemplo).

Lewandowski trabalhou pelo nome do advogado tributarista Heleno Torres. Já o havia feito no processo anterior, quando a presidente Dilma escolheu Luís Roberto Barroso para a vaga.

A torra promovida no governo, desqualificando o nome de Heleno Torres para o Supremo, teve como um dos artífices o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Ainda no governo, Cardozo mantinha a opinião de que Heleno Torres não era o mais qualificado para ser ministro do Supremo.

Lewandowski, que era visto no governo como um aliado, parecia desconhecer essa realidade ou insistia no nome por razões que os integrantes da equipe de Dilma diziam desconhecer.

Como todos esperavam – menos Lewandowski -, Heleno Torres foi descartado pela presidente Dilma Rousseff.  O presidente do Supremo então franqueou seu apoio ao então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Furtado Coêlho. Novamente Lewandowski avaliava mal o cenário. Ligado ao PMDB, Furtado era também alvo de muitas críticas no governo – em várias esferas.

O nome de Fachin voltou então a ser cogitado no governo do PT. Durante a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, a indicação do advogado foi aventada em diferentes momentos. Seu nome foi levado pelo deputado Flávio Arns e tinha o apoio de movimentos sociais.

No governo Dilma, Fachin teve também o apoio da então ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffman, e teve o oposicionista Álvaro Dias, então no PSDB, como principal cabo eleitoral no Senado. Lewandowski, que viu sua indicação primeira ser descartada, só então afiançou o nome do agora ministro Edson Fachin.

Capítulo 5

Uma obra coletiva

Politizado

Este ponto é uma obra coletiva, de muitos autores, dentre os quais Lewandowski evidentemente está longe de ser o único responsável. A agenda da Lava Jato e o processo de impeachment envolveram o STF num roteiro de decisões com forte impacto na política e em momento de divisão social e política.

Como moderador que tenta ser, o Supremo não poderia ser – nem parecer – vermelho ou azul. Conseguiu? Encontros fora da agenda e do País com integrantes do governo ou da oposição, declarações públicas para atacar ou defender o governo, antecipações de juízo sobre questões políticas sensíveis alimentaram as dúvidas sobre a politização do tribunal. Suspeitas que também estimulam questionamentos sobre a postura do STF em relação ao processo do impeachment.

Lewandowski também teve parcela de responsabilidade por estes questionamentos. A começar por sua viagem a Portugal em julho de 2015 e o encontro fora da agenda com a presidente Dilma Rousseff. O simples fato de os dois se reunirem sem que a opinião pública fosse informada e principalmente no momento político delicado em que ocorreu já era suficiente para nutrir desconfiança na sociedade.

O trabalho feito por Lewandowski e Dilma para fazer crer que os presidentes de dois poderes viajaram milhares de quilômetros, alteraram suas agendas e conversaram na mais absoluta reserva sobre o aumento salarial de servidores só agravou as suspeitas de que se encontraram para discutir a crise política que abalava o governo.

A mesma desconfiança vale para os encontros fora da agenda com ministros do governo Dilma, especialmente com o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. As assessorias de Lewandowski e Cardozo sempre apelavam para agendas fake, para consumo do público e de jornalistas. No auge da crise política, diziam que Cardozo se reunia com Lewandowski para tratar de algum tema incolor e inodoro, como audiências de custódia ou a compra de tornozeleiras eletrônicas.

Vale também para a seletividade de Lewandowski nas decisões sobre quais audiências com políticos seriam abertas à imprensa ou reservadas. No dia 23 de dezembro do ano passado, o ministro recebeu em seu gabinete o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, para tratar do processo de impeachment e das consequências do julgamento do Supremo em que foi restabelecido o rito do caso Collor.

O presidente do tribunal, em ato tido como em prol da transparência, abriu as portas do gabinete para a imprensa acompanhar as palavras acanhadas de um Eduardo Cunha sempre tão desenvolto. Dias depois, o ministro Lewandowski recebeu no mesmo gabinete, mas a portas cerradas o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para tratar do mesmo processo de impeachment de Dilma Rousseff. Por que o encontro com um foi aberto e com o outro foi fechado? Não houve explicação razoável até agora.

Capítulo 6

Audiências de custódia

Uma marca

Certamente uma marca positiva da gestão do ministro Ricardo Lewandowski são as audiências de custódia. Uma política judiciária necessária para lidar com o expressivo quantitativo de presos provisórios no Brasil.

O programa foi implantado em todos os estados – nas justiças estadual e federal. Pessoas presas em flagrante devem ser apresentadas à autoridade judicial em até 24 horas para evitar que alguém permaneça encarcerado desnecessariamente. O juiz decidirá, na presença do réu, se há razões para mantê-lo preso até o julgamento do processo ou se poderá esperar em liberdade a conclusão do caso.

As audiências quantificaram a cultura do encarceramento que já era notória no País: a regra entre os juízes era a manutenção da prisão; a exceção era a liberdade. O efeito nefasto dessa atuação inercial era a inserção no sistema carcerário brasileiro de pessoas que nunca seriam condenadas a cumprir pena em regime fechado.

Uma pesquisa do Sou da Paz, feita em parceria com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESEC) antes da implementação das audiências de custódia, chegou à conclusão que 54% dos presos provisórios permaneceram desnecessária e indevidamente encarcerados. As audiências de custódia buscam enfrentar este problema de frente.

A proposta de apresentar o preso ao juiz o mais brevemente possível, cumprindo o que estipulado pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos, nasceu no Ministério da Justiça. Foi levada ao Conselho Nacional de Justiça pelo então diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Renato De Vitto. Coube ao diretor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ, Luis Lanfredi, convencer o presidente Lewandowski a encampar a proposta.

O CNJ tomou a frente das audiências. Lewandowski viajou o País para difundir a ideia. Todos os estados aderiram à iniciativa. Mas o programa já mostra seus problemas.

Em recente petição encaminhada ao Supremo, a Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) informou o tribunal que, em pelo menos cinco estados, as audiências estão sendo realizadas apenas nas capitais: Sergipe, Amazonas, Piauí, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte.

O programa corre risco de perder efetividade. Caberá à sucessora de Lewandowski trabalhar pela continuidade das audiências de custódia.

Capítulo 7

Algodão entre cristais

O ministro Lewandowski sucedeu Joaquim Barbosa na Presidência da Corte. Seu antecessor pouco dialogava com os colegas de tribunal e foi pivô de discussões no plenário. Nas palavras do ministro Marco Aurélio Mello, não atuou como “algodão entre cristais”.

O temperamento de Lewandowski foi distinto. No comando das sessões, atuou sempre para evitar que as divergências normais provocassem discussões mais sérias. Além disso, dos últimos presidentes, talvez tenha sido aquele que mais dividiu o poder de pauta do plenário, tentando dar mais transparência às escolhas de processos a serem julgados e privilegiando casos com repercussão geral – em dois anos, foram 85 casos julgados e 25 novas súmulas vinculantes. Apesar do esforço, não foi suficiente para resolver a crise em torno da repercussão geral e da paralisia de processos em todo o País a espera de uma resposta definitiva do STF.

Não foi, portanto, uma coincidência que debates politicamente tão polêmicos, como do rito do processo de impeachment de Dilma Rousseff ou do afastamento do deputado Eduardo Cunha, tenham transcorrido sem bate-boca.

Fora do plenário, era de poucas manifestações, especialmente quando o assunto foi a crise política. Lewandowski sempre censurou a conduta de colegas que se manifestavam publicamente sobre o noticiário do dia. Chegou a escrever um artigo no jornal Folha de S.Paulo expondo suas críticas. O ministro segue a regra de falar apenas nos autos. Por outro lado, ele nunca escondeu suas reservas à cobertura da imprensa.

Como chefe de Poder, seria natural que o ministro se expusesse mais – em discursos em cerimônias oficiais, à frente das políticas do Conselho Nacional de Justiça ou em declarações que tivesse de fazer para defender a magistratura, por exemplo. Mesmo como presidente do STF e do CNJ, o ministro manteve-se discreto.