Doações eleitorais
O julgamento da ADI 4.650, com a declaração da inconstitucionalidade do financiamento empresarial de campanhas eleitorais, vai impactar as eleições municipais de 2016. Pela decisão do Supremo, somente as pessoas físicas poderão doar recursos para as campanhas eleitorais já a partir de 2016.
A decisão da Corte veio depois de o ministro Gilmar Mendes pedir vista do processo, admitindo que o fazia para parar o julgamento por não concordar com a conclusão. Integrantes da Corte cogitaram de uma medida heterodoxa para driblar o obstáculo imposto por Gilmar Mendes: o relator do processo, ministro Luiz Fux, concederia uma liminar para suspender o financiamento empresarial. O que forçaria a devolução do processo para continuidade do julgamento. Mas a combinação não foi adiante.
Gilmar Mendes devolveu a vista um ano e cinco meses depois. E proferiu, no plenário, um voto de forte cunho antipetista. “A Operação Lava Jato revelou ao país que o partido do poder já independe de doações eleitorais, uma vez que arrecadou somas suficientes ao financiamento de campanhas até 2038”, disse.
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“Estamos falando do partido que conseguiu se financiar a ponto de chegar ao poder; uma vez no governo, passou a manter esquema permanente de fluxo de verbas públicas para o partido, por meio de propinas e pixulecos de variados matizes; e, após chegar ao poder, e a partir dele abastecer de modo nunca antes visto na história do país, o caixa do partido, busca-se fechar as portas da competição eleitoral, sufocando os meios de financiamento dos concorrentes”, acrescentou Gilmar Mendes.
Prevaleceu, no entanto, o argumento de que as doações eleitorais por empresas desequilibram as eleições e interferem indevidamente no processo democrático.
“O exercício de direitos políticos é incompatível com as contribuições políticas de pessoas jurídicas. Uma empresa pode até defender causas políticas, como direitos humanos, mas há uma grande distância para isso justificar sua participação no processo político, investindo valores vultosos em campanhas”, afirmou. Para o ministro, autorizar as doações de empresas seria contrário à essência do regime democrático”, afirmou em seu voto o ministro Luiz Fux, relator do processo.
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Medidas Provisórias
Outra decisão do STF afetou uma prática já enraizada nos procedimentos do Congresso Nacional: a inclusão na lei de conversão de matérias que não guardam pertinência com o tema original previsto na medida provisória.
Os chamados contrabandos legislativos eram prática corrente e serviam, em alguns casos, de barganha política para facilitar a aprovação de matérias de interesse do governo federal. Serviam também – e as investigações da Operação Lava Jato podem demonstrar isso – de instrumento de negociação escusa entre parlamentares e empresas.
Ao julgar a ADI 5.127, relatada pela ministra Rosa Weber, o tribunal assentou que a prática é inconstitucional por violar o devido processo legislativo e por se sobrepor ao juízo que cabe à presidente da República de definir os temas que são de relevância e urgência.
No caso concreto, a Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) questionava alterações feitas na MP 472/2009, convertida na Lei 12.249/2010, que extinguiram a profissão de técnico em contabilidade.
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A MP, originalmente, instituía o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Infraestrutura da Indústria Petrolífera nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste – REPENEC, criava o Programa Um Computador por Aluno – PROUCA e estabelecia o Regime Especial de Aquisição de Computadores para uso Educacional – RECOMPE, além de prorrogar benefícios fiscais, promover ajustes ao Programa Minha Casa Minha Vida.
A “emenda jabuti”, que extinguiu a profissão de técnico em contabilidade, foi incluída no texto do projeto de lei de conversão.
A ministra Rosa Weber ressaltou que, em matéria sob reserva de iniciativa do Poder Executivo, como são as medidas provisórias, as emendas parlamentares devem guardar relação de pertinência com o conteúdo original da MP.
Todos os ministros concordaram que a prática do Congresso é inconstitucional, com exceção do ministro Dias Toffoli. Para ele, o Supremo não deveria se imiscuir em tema que está na seara do Legislativo.
Sistema prisional
Alguns dos principais julgamentos do ano no Supremo Tribunal Federal envolveram a situação crítica do sistema carcerário brasileiro. Um pacote de processos foi levado a plenário para discutir superlotação em presídios, a falta de vagas e a violação do direito à progressão de regime, indenização a presos mantidos em situação degradante, contingenciamento de recursos orçamentários destinados à melhoria do sistema carcerário, possibilidade de o Judiciário determinar aos governos a realização de reformas nas cadeias e, por fim, a obrigatoriedade de apresentação imediata dos presos em flagrante aos juízes.
Em agosto, ao julgar o Recurso Extraordinário 592.581, o plenário do STF decidiu que o Poder Judiciário pode determinar que a Administração Pública realize obras ou reformas emergenciais em presídios para garantir os direitos fundamentais dos presos, como integridade física e moral.
No mês seguinte, os ministros julgaram a ADPF 347, ajuizada pelo PSOL. A ação pedia o reconhecimento de que a situação carcerária brasileira configure um “estado de coisas inconstitucional” e defendia a adoção de uma série de medidas para enfrentar a crise, como o estabelecimento de um plano nacional, cuja execução seria fiscalizada pelo Supremo.
O tribunal não foi tão longe. Ao decidir o pedido cautelar, os ministros determinaram aos juízes e tribunais que passem a realizar audiências de custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão e decidiram que o governo federal deveria descontingenciar os recursos do Fundo Penitenciário Nacional.
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O Tribunal retomou, em março o julgamento do Recurso Extraordinário 580.252 em que se discute a responsabilidade do Estado por danos morais decorrentes de superlotação carcerária. Relator do processo, o ministro Teori Zavascki (voto do relator) considerou haver responsabilidade civil do Estado por não garantir as condições mínimas de cumprimento das penas nos estabelecimentos prisionais. O entendimento foi acompanhado pelo ministro Gilmar Mendes.
No caso que estava sendo analisado e que refletiria em outras ações que tramitam no País, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul contestava decisão do Tribunal de Justiça que reconheceu estar a pena sendo cumprida “em condições degradantes por força do desleixo dos órgãos e agentes públicos”, mas entendeu não haver direito ao pagamento de indenização por danos morais.
O ministro Luís Roberto Barroso, que havia pedido vista, entendeu que, ao invés do pagamento de reparação pecuniária, os presos que sofrem danos morais por cumprirem pena em presídios com condições degradantes deveriam ser beneficiados com redução do tempo de prisão. A ideia foi imediatamente objetada pelo relator e pelo ministro Gilmar Mendes. A ministra Rosa Weber, então, pediu vista.
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Outro caso que afeta a política carcerária do País tratou da possibilidade da aplicação do princípio da insignificância para casos em que o réu é reincidente na prática do crime.
Em pauta estavam três habeas corpus (HC 123.734, HC 123.108, HC 123.533) afetados ao plenário pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso. O ministro defendia que o tribunal definisse uma regra para aplicação do princípio da insignificância.
Os ministros não concordaram com Barroso na definição de uma tese assertiva sobre os parâmetros para a aplicação do princípio. Até porque, ressaltaram, seria difícil – ou mesmo impossível – que se estabelecessem critérios objetivos para o processo penal, que cujos casos sempre comportam nuances.
Entretanto, os ministros consignaram a orientação de que a reincidência na prática do crime não afasta necessariamente o reconhecimento da insignificância. Pela decisão do tribunal, cabe a cada juiz, quando for analisar o caso concreto, aplicar ou afastar o princípio da insignificância. Nessa avaliação, o magistrado pode, inclusive, determinar o cumprimento de pena em regime aberto.
Com isso, afirmaram ministros durante o julgamento, o que se busca é evitar o aumento da população carcerária, o agravamento do quadro de superlotação dos presídios e a dificuldade de ressocialização daquele que é acusado, muitas das vezes, por furto de produtos de pequeno valor.
O ministro Luís Roberto Barroso, ao final, aderiu à posição da maioria e permaneceu como redator para o acórdão.
Já em dezembro, o Supremo iniciou o julgamento do último dos recursos deste pacote – RE 641.320. O tribunal julga, neste processo, a possibilidade de cumprimento de pena em regime mais benéfico ao sentenciado quando não houver vagas em estabelecimento penitenciário adequado.
Relator do processo, o ministro Gilmar Mendes estabeleceu, em seu voto, as medidas necessárias para enfrentar a falta de vagas nos sistemas aberto e semiaberto: a abertura de vagas no regime semiaberto mediante a saída antecipada de detentos que estejam mais próximos da progressão e a conversão em penas restritivas de direitos e/ou estudo para os apenados em regime aberto.
O ministro Teori Zavascki pediu vista do processo e deverá devolvê-lo para julgamento no primeiro semestre.
Biografias liberadas
O Supremo encerrou, em 2015, a polêmica sobre a publicação de biografias não autorizadas. Os casos no Brasil se somavam, sendo o mais emblemático o que envolveu o cantor Roberto Carlos e a retirada das lojas do livro escrito por Paulo Cesar de Araújo.
Assim como neste caso, figuras públicas – ou seus familiares – tentavam barrar a publicação de biografias. Argumentavam que o Código Civil – nos artigos 20 e 21 – exige autorização prévia dos biografados ou de seus parentes.
Por unanimidade, o STF julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815, ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel). O tribunal assentou que a exigência de autorização prévia violaria os direitos fundamentais à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação.
“A censura cala a pessoa, mas para além de cada um, cala a alma, a alegria, cala o sonho que se põe em expressão para se tornar ideia, que se pode converter em ação, que se pode tornar destino”, disse a relatora do processo, ministra Cármen Lúcia.
“Como conhecer a história para reprisar fatos bons e maus e repetir exemplos, negando os negativos, se a obra não pode ser mostrada? Como imaginar que novos holocaustos ocorram sem saber o que os envolveram, quem esteve na frente dos movimentos e como a seus atos chegaram? Como ignorar que é na privacidade que as coxias do poder estatal e social se engendram? Como saber como movimentos artísticos, científicos e políticos nasceram, suas causas, motivações e características se reuniram?”, questionou a ministra no voto.
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Eventuais abusos, com violação à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem da pessoa, podem ser combatidos com o pedido de indenizações. “Há a possibilidade, sim, de intervenção judicial no que diz respeito aos abusos, às inverdades manifestas, aos prejuízos que ocorram a uma dada pessoa”, enfatizou o ministro Dias Toffoli. Foi uma pequena janela argumentativa que assustou editoras e biógrafos, mas cujo significado jurisprudencial, num tribunal sem grande apreço por argumentos de decisões passadas, é impossível estimar.
Apesar de o julgamento ter sido concluído em junho de 2015, o acórdão até o momento não foi publicado.
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Poder de investigação
Em 2015, o Supremo encerrou uma discussão que já se arrastava há uma década. O tribunal, por maioria, firmou o entendimento de que o Ministério Público é legítimo para promover investigações de natureza penal. E o plenário fixou parâmetros para isso.
O julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 593.727, com repercussão geral reconhecida, afetou todos os processos em que a legitimidade da atuação do MP era contestada.
Dentre os requisitos definidos, estão o respeito aos direitos e garantias fundamentais dos investigados, que os atos investigatórios sejam obrigatoriamente documentados e praticados por membros do MP, que as garantias e prerrogativas dos advogados sejam resguardadas, incluindo o acesso aos elementos de prova que digam respeito ao direito de defesa.
A tese firmada pelo STF no julgamento do recurso foi: “O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição”.
Em maio, o plenário do Supremo, à unanimidade, julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.943 e, portanto, constitucional a legitimidade da Defensoria Pública para propor ação civil pública na defesa de interesses coletivos.
Prevaleceu o entendimento de que a ampliação das atribuições da Defensoria Pública amplia o acesso à Justiça e é compatível com a Lei Complementar 132/2009 e com as alterações à Constituição Federal promovidas pela Emenda Constitucional 80/2014.
Se houve unanimidade neste último caso, a Corte se divide sobre a autonomia administrativa e funcional das defensorias públicas estaduais. A ADI 5.296 foi ajuizada pela Presidência da República e contesta, por exemplo, o vício de iniciativa da proposta, que partiu do Congresso. O governo alega que apenas o chefe do Poder Executivo poderia propor alteração no regime jurídico dos servidores públicos.
A relatora do processo, ministra Rosa Weber entendeu que as emendas à Constituição Federal não estão sujeitas às cláusulas de reserva de iniciativa previstas no artigo 61 da Constituição Federal. As restrições se aplicam somente às leis ordinárias e complementares. Cinco ministros já acompanharam o voto da relatora pelo indeferimento da medida liminar na ADI 5.296.
Entretanto, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello divergiram. E por distintas razões.
O ministro Marco Aurélio tachou a emenda constitucional de um drible na cláusula de reserva de iniciativa, um subterfúgio para atropelar a prerrogativa do presidente da República. O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, questionou o mérito da decisão de conceder autonomia administrativa às defensorias. E recordou uma das primeiras medidas adotadas pela Defensoria Pública da União quando concedida a autonomia: aumento no valor das diárias e pagamento de auxílio-moradia para os defensores. “O fato de não ter autonomia administrativa não é nenhum menoscabo”, afirmou Gilmar Mendes. “Certamente vamos enfrentar propostas que permitam a extensão a este ou aquele órgão de igual relevância e nobreza”, acrescentou, lembrando que há pedidos de autonomia para a Advocacia Geral da União, Receita Federal e Polícia Federal.
Pedido de vista do ministro Dias Toffoli adiou a continuidade do julgamento. O processo poderá ser pautado já no início do ano, pois o ministro liberou a ação no dia 18 de dezembro.
Partidos políticos
A tentativa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) de conterem a infidelidade partidária criou outros expedientes para o troca-troca partidário.
O STF definiu que uma das justificativas para a desfiliação da legenda pela qual o parlamentar se elegeu seria a adesão a um novo partido. E este virou um dos principais estratagemas para a migração partidária.
Desde que TSE e STF decidiram que a troca injustificada de partido pode ensejar a perda do mandato do parlamentar, oito novas legendas foram registradas na Justiça Eleitoral.
Em 2013, o Congresso aprovou a Lei 12.875/2013. O texto estabeleceu que partidos criados após as eleições para a Câmara dos Deputados não teriam direito ao rateio proporcional dos recursos do fundo partidário. Essas legendas receberiam apenas parcela dos 5% restantes e que são distribuídos a todos os partidos registrados no TSE.
O Solidariedade, criado em 2013, contestou a constitucionalidade da lei no STF. Em outubro de 2015, o plenário do STF declarou a inconstitucionalidade da legislação nos pontos que restringem o acesso dos novos partidos ao recursos do fundo partidário e à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão.
Relator da ação, o ministro Luiz Fux ponderou que a aprovação do projeto pelo Congresso Nacional buscou ultrapassar a jurisprudência firmada pelo STF ao julgar as ADIs 4.430 e 4.795 – que tratou do acesso dos novos partidos ao horário eleitoral gratuito.
“Estamos tratando de uma lei que já nasce com o gérmen da presunção de inconstitucionalidade, porque ela viola uma decisão do Supremo em controle concentrado de constitucionalidade sem trazer nenhuma novidade. Isso é um atentado à dignidade da jurisdição do Supremo Tribunal Federal”, declarou o ministro Luiz Fux em plenário.
Seu voto foi acompanhado pela maioria do plenário: Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Marco Aurélio.
O ministro Fachin abriu divergência. Afirmou, ao contrário do que assentou Fux, que a nova lei respeitou os procedentes do Supremo sobre a fidelidade partidária. Fachin lembrou que o tribunal decidiu que, somente em hipóteses excepcionais e devidamente comprovadas, “o ato de desligamento do partido pelo qual foi eleito o deputado acarreta o cômputo da vaga para o partido de origem”.
Foi acompanhado pelos ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente da Corte, Ricardo Lewandowski.
Direitos fundamentais
Um julgamento, especialmente, marcou a defesa dos direitos fundamentais no Supremo em 2015. A Corte começou a discutir se transexuais podem usar o banheiro público do gênero com o qual se identificam – RE 845.779. O desfecho deste caso indicará como a Suprema Corte vai lidar com outros dois outros processos pendentes.
O julgamento do RE 845.779 começou e foi interrompido em novembro após os votos dos ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Ambos votaram a favor de Ama, uma transexual que foi retirada de dentro do banheiro feminino pelos seguranças de um shopping de Santa Catarina.
Julgaram que ela e todos os trans – o caso teve repercussão geral reconhecida – têm o direito de serem tratados pelo gênero de identificação. Podem, assim, usar o banheiro feminino se assim quiserem. E assentaram que cabe indenização por danos morais contra o estabelecimento comercial, como no caso, que não respeitar a opção do trans.
“Os transexuais têm direito a serem tratados socialmente de acordo com a sua identidade de gênero, inclusive na utilização de banheiros de acesso público”. Foi esta a tese defendida por Barroso para firmar o entendimento que balizará outros casos semelhantes.
O ministro Luiz Fux pediu vista do processo. Justificou que há um desacordo moral razoável na sociedade sobre este tema e que ele precisava “ouvir a sociedade”. Não se sabe o que ele quis dizer com “ouvir a sociedade”, observação controversa quando proferida por um juiz constitucional, cuja missão é resistir às vozes das ruas e eventualmente enfrentá-las. Tampouco se entendeu a relação que estabeleceu, nesse breve diálogo em plenário, entre a transexualidade, de um lado, e a pedofilia e abuso sexual, de outro, um senso comum vulgar e desprovido de evidência empírica. Não há previsão de quando o julgamento será retomado.
As discussões travadas entre os ministros durante a sessão anteciparam as posições de alguns integrantes da Corte sobre outros dois temas que podem entrar em pauta em 2016.
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Os ministros Marco Aurélio Mello, Barroso e Fachin anteciparam que votarão contra a necessidade de uma pessoa se submeter à cirurgia de mudança de sexo para alterar o prenome e o gênero na carteira de identidade.
“Por coincidência já consta de meu voto – e se isso representar alguma antecipação de posicionamento, serei, quando menos, fiel ao que aqui já constava – estou assentando na página sete do meu voto que não se afigura correto – em meu sentir – condicionar o reconhecimento da identidade de gênero à realização de eventual cirurgia de redesignação, pois isso repercutiria como a segunda e grave violação a ensejar também dano moral”, adiantou Fachin.
Duas ações em trâmite no Supremo tratam da possibilidade de mudança de nome e gênero nos registros civis. A primeira é a ADI 4.275, relatada pelo ministro Marco Aurélio Mello, e de autoria da Procuradoria Geral da República. A segunda é o RE 670.422 – com repercussão geral -, relatado pelo ministro Dias Toffoli.
Drogas
O Supremo começou e deve continuar em 2016 a julgar a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal, um dos casos mais importantes da história recente para enfrentar a prática de encarceramento no Brasil. A Corte, por enquanto, está dividida.
Relator do RE 635.659, o ministro Gilmar Mendes julgou inconstitucional o artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que tipifica o porte de drogas para uso pessoal.
Em seu voto, Gilmar Mendes argumentou que a criminalização do uso de drogas estigmatiza o usuário, compromete a política de drogas do Brasil, voltada à prevenção e redução de danos à saúde dos viciados, e é desproporcional ao impor sanções penais aos dependentes. A decisão, pelo voto do ministro, afetaria os usuários de todas as drogas ilícitas, como crack e cocaína.
“Deflui da própria política de drogas adotada que a criminalização do porte para uso pessoal não condiz com a realização dos fins almejados no que diz respeito a usuários e dependentes, voltados à atenção à saúde e à reinserção social”, disse o ministro em seu voto.
Entretanto, os ministro Edson Fachin e Luís Roberto Barroso abriram a divergência para limitar os efeitos do julgamento somente aos usuários de maconha. O que foi tachado como posição conservadora e elitista pelas entidades que defendem a descriminalização.
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Em entrevista posterior à sessão, Barroso rejeitou as críticas e buscou justificar, em três razões, os motivos pelos quais restringiu seu voto ao usuário de maconha.
“A primeira delas, técnica, é que o caso concreto envolve o consumo de maconha”, iniciou. “A segunda razão, um pouco decorrente da primeira, é que a maior parte das informações que os ministros receberam ou pesquisaram eram referentes à maconha – os memoriais dos amici curiae (instituições que se inscrevem para opinar no julgamento), as experiências dos outros países que foram examinadas. Portanto, não tínhamos estudado especificamente a situação do crack, por exemplo”, prosseguiu.
“A terceira razão, possivelmente uma das mais importantes, é que eu não sei bem qual é a posição do Tribunal. Nós temos um estilo de deliberação em que as pessoas não conversam internamente. Eu achei que uma posição um pouco menos avançada teria mais chance de conquistar a maioria”, concluiu.
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O ministro Teori Zavascki pediu vista do caso em setembro e devolverá o processo para julgamento em 2016. Por enquanto, há um voto pela descriminalização do porte de todas as drogas, desde que para uso pessoal, e dois pela descriminalização apenas para os usuários de maconha.
A decisão da Corte poderá, caso prevaleça o voto do ministro Gilmar Mendes, promover uma transformação na política de drogas no Brasil. E certamente terá impacto no sistema carcerário. Dados do Ministério da Justiça comprovam, ano a ano, que o tráfico de drogas é o crime de maior incidência entre a população prisional – 27%, conforme relatório do Infopen. Neste percentual estão aqueles que foram presos por portarem quantidades pequenas de entorpecentes para uso próprio.
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Interminável
O ministro Luís Roberto Barroso, expôs, em linguagem popular, o embaraço com a idas e vindas do Supremo Tribunal em relação à sistemática de pagamento de precatórios.
“Eu tenho um constrangimento de ser um tribunal que não consegue sustentar suas próprias decisões”, disse. “Não há precedente sobre isso no STF e em nenhuma Corte do mundo”, protestou. “A cada dia a gente acha uma coisa. É o fim da picada”, acrescentou. “Nós vamos declarar a constitucionalidade em embargos de declaração daquilo que declaramos inconstitucional em ação direta de inconstitucionalidade? É um samba”.
A questão remonta uma década no STF. Era presidente o ministro Nelson Jobim, e o tribunal se via diante de pedidos de intervenção federal em estados que não pagavam as dívidas reconhecidas em decisões judiciais.
A intervenção, se decretada pelo STF, não resolveria a alegada falta de recursos em caixa para fazer frente às despesas. Era preciso, portanto, encontrar uma alternativa.
A sistemática de pagamento de precatórios, prevista na emenda constitucional 62, de 2009, nasceu no STF. E permitia a quitação das dívidas parceladamente e em percentuais compatíveis com as receitas estaduais.
Em 2013, o Supremo declarou a emenda inconstitucional. Estabeleceu-se o quadro anterior: muitos governos declararam que não teriam como pagar as dívidas de uma só vez. Por isso, suspenderam os pagamentos.
O ministro Luiz Fux, monocraticamente, modulou os efeitos da decisão para determinar que, enquanto o Supremo não chegasse a uma definição, permaneceria em vigor a emenda já declarada inconstitucional pela Corte.
O plenário, em março de 2015, referendou a decisão. Decidiram os ministros que a emenda inconstitucional produziria efeitos por mais cinco anos.
Em dezembro, a maioria dos ministros decidiu reabrir o caso e poderá, nos próximos anos, voltar atrás na declaração de inconstitucionalidade da emenda.
A dificuldade financeira dos estados, a necessidade de pagamento dos precatórios e a decisão do STF provocaram outra discussão na Corte: podem os governos estaduais usarem recursos dos depósitos judiciais para quitar suas dívidas?
O Supremo começou a julgar a Ação Cível Originária 989 em junho. Na ação movida contra o Banco do Brasil e o Banco Bradesco S/A, o estado da Bahia sustenta a legitimidade da Lei estadual 9.276/2004, que obriga as instituições financeiras a promoverem a transferência para os cofres do governo de 70% dos valores dos depósitos judiciais.
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O ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo e, apesar de já em curso o julgamento, convocou uma audiência pública para discutir o assunto nos autos da ADI 5.072, de sua relatoria e ainda não liberada para pauta. A discussão nestes processos repercutirá no julgamento de outras ações, protocoladas no Supremo e que contestam leis estaduais com a mesma finalidade: destinar para o caixa dos governos estaduais o dinheiro dos depósitos judiciais.
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