Rodrigo Naumann

José Vicente Santos de Mendonça

Reportagem do programa Fantástico, da Rede Globo, denunciou que trabalhadores rurais, em busca de benefícios previdenciários, teriam sido prejudicados por advogados. Segundo a matéria, os profissionais cobrariam honorários abusivos, em alguns casos alcançando a totalidade da verba retroativa a que teriam direito seus clientes. A questão vem sendo investigada pelo Ministério Público Federal, que propôs seja fixado um teto de vinte por cento para a cobrança [1].
O propósito da medida não poderia soar melhor: proteger pessoas humildes – no jargão do Direito, “hipossuficientes” – contra espertalhões. Mas será que sua nobre intenção basta para que a apoiemos? O objetivo deste artigo é refletir sobre os perigos de analisar providências regulatórias por suas intenções, sem se preocupar com seus efeitos.
Antes que se lancem ataques precipitados, registramos que nenhum contrato fraudulento é válido. Distorcer ou omitir informações relevantes para o negócio é causa para sua anulação. Não é dessa situação que nos ocupamos aqui. Discutimos, isto sim, a possibilidade de redução forçada de honorários advocatícios quando as partes estão cientes dos termos contratuais [2].
É verdade que mesmo nesta hipótese o artigo 36 do Código de Ética da OAB estebelece parâmetros para o que chama de fixação de honorários “com moderação”. Há ali, porém, tantas diretrizes que, somadas a certa falta de objetividade de seus textos, tornam complexo cumprir o comando normativo [3].
Diante disso, pergunta-se: cobrar a integralidade da verba retroativa do cliente é abusivo?
Não é nem deve ser.
Em primeiro lugar, o custo econômico de advogar é algo intrinsecamente subjetivo. Escolher patrocinar certa causa é sacrificar tempo que poderia ser utilizado para atender outro cliente. É o que se costuma chamar de “custo de oportunidade” [4]. Daí por que não faz sentido arbitrar teto uniforme para a remuneração de todo e qualquer profissional. Advogado pouco requisitado quase nada sacrificaria para defender em juízo os lavradores, ao passo que renomado jurista, para desempenhar a mesma tarefa, teria de abrir mão de tempo dedicado a outros – e rentáveis – trabalhos.
Em termos econômicos, qualquer limite no valor dos honorários tem como maior efeito impedir que certas causas possam contar com advogados cujo custo de oportunidade seja maior do que o patamar fixado; custo esse que, em geral, é indicativo de qualidade (ou, no mínimo, de percepção de qualidade). Na prática, portanto, iniciativas de fixação de preços em certas áreas restringem a oferta de profissionais e tendem a lhes canalizar advogados inexperientes, ou, quem sabe, até piores. Ao final, a conta do cliente pode ser ainda mais cara com a derrota na causa e a não obtenção de qualquer benefício.
Em segundo lugar, é realista afirmar que, para este caso, sem a atuação de advogados privados dificilmente os lavradores teriam acesso a qualquer benefício previdenciário que fosse. Alguns sequer consciência possuem quanto à existência desse direito. Outros têm seu pedido de aposentadoria negado junto ao Instituto Nacional do Seguro Social, seja por nunca terem contribuído, seja por não reunirem provas suficientes de desempenho de atividade rural.
É aí que a iniciativa do advogado em procurar o cliente faz a diferença. Certamente a Defensoria Pública da União poderá, no futuro, ocupar tal espaço. Por enquanto, pelo que transpareceu no caso, a sobrecarga de trabalhos e a pulverização dos lavradores pelo território têm dificultado que a instituição dê o primeiro passo e vá até o cliente. E, para o trabalhador, vale lembrar, é sempre melhor receber logo o benefício do que não receber nada, independentemente de quem esteja prestando o serviço ou de quanto ele receberá a título de valores retroativos.
Em terceiro lugar, não parece coerente invocar hipossuficiência do trabalhador rural para justificar postura paternalista do Estado quanto ao contrato de honorários. O lavrador celebra, rotineiramente, diferentes negócios jurídicos, como a compra e venda de seus insumos e produtos. É certo que, em matéria de serviços jurídicos, assimetrias de informação podem estar presentes. Ocorre, porém, que não saber tudo sobre qualquer assunto faz parte da vida. O trabalhador rural também não conhece profundamente os detalhes técnicos da máquina ceifadora que compra, ou do financiamento que contrata para obter sementes. Reconhecer uma capitis diminutio em matéria honorária ou revelaria incoerência, ou exigiria auditoria em todos os contratos firmados por trabalhadores rurais para identificar possíveis “prejuízos” que houvessem sofrido.
Ressalte-se que, mesmo com pouca instrução, os lavradores possuem discernimento e autonomia reconhecidos pela ordem jurídica. Nada poderia ser mais emblemático disso do que seu direito de voto. Como qualquer cidadão, podem decidir o futuro da coletividade. Faz sentido não poderem definir questão patrimonial exclusivamente sua?
Thomas Sowell, professor e pesquisador do Hoover Institute da Universidade de Stanford,  costuma apontar que sentimentos de injustiça não são os melhores conselheiros de políticas regulatórias. Há exemplos de como intuições morais, se tomadas como guias exclusivas para a elaboração de regulações, podem gerar resultados desastrosos. É o que acontece com o debate sobre “price gouging” nos Estados Unidos [5].
Na véspera de furacões, comerciantes costumam aumentar o preço de bens como alimentos em lata, biscoitos, lanternas. O que pode soar como atitude repulsiva, a ser repudiada pelo Direito, é responsável pela promoção de consumo mais racional dos produtos. Sem o sobrepreço, os primeiros consumidores que chegassem aos supermercados esgotariam as gôndolas, deixando os demais sem nada.
No caso brasileiro, por trás da indignação despertada pelo preço dos advogados, há, então, ao menos três equívocos.
O primeiro, já apontado, é o de que existiria critério objetivo, ou, ao menos, margem moralmente aceitável, capaz de definir o custo econômico de uma causa. Não há. Preço justo não existe [6]. Há apenas preços aceitos e preços recusados.
O segundo é desconsiderar que todo sistema de preços é, também, um sistema de transmissão de informações [7]. No caso do valor dos honorários advocatícios cobrados aos lavradores, a informação transmitida é a de que há lucrativo mercado cuja demanda ainda não foi plenamente atendida. Isso é incentivo para que venha a sê-lo. Pode-se cogitar que, num regime de preços livres, mais advogados viessem a prestar o serviço, com a competição jogando o preço para baixo. Num sistema de preços livres, a informação se propaga. Num sistema tabelado, a informação se distorce.
O terceiro equívoco, mais geral, é o erro de se pensar que soluções propostas por reguladores serão eficazes porque seus propósitos são nobres. Bastaria fixar patamar para o valor de honorários e realocar a distribuição da riqueza entre cliente e advogado. O perigo que se corre é o de reduzir ou aniquilar o mercado, não permitindo ao profissional obter retorno capaz de cobrir seu custo de oportunidade. No final, o advogado fica obrigado a cobrar preços “justos”, e o trabalhador, a quem tanto se quer proteger, fica sem advogado (e sem benefício).
É a vilania das boas intenções.
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* Rodrigo Naumann é Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
* José Vicente Santos de Mendonça é doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
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[1] - Advogados são acusados de dar golpe em aposentados rurais. Fantástico (Rede Globo). Ediçao do dia 25 de janeiro de 2015. <a href="http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/01/advogados-sao-acusados-de-dar-golpe-em-aposentados-rurais.html">Acessível aqui</a>
[2] - Talvez as partes da reportagem do Fantástico não tivessem exata ciência dos termos contratuais. Esta é uma análise fática que escapa à cogitação do texto, que parte do pressuposto de que elas tinham alguma compreensão de seus termos essenciais.
[3] - Art. 36. Os honorários profissionais devem ser fixados com moderação, atendidos os  elementos seguintes:  
I – a relevância, o vulto, a complexidade e a dificuldade das questões versadas;  
II – o trabalho e o tempo necessários;
III – a possibilidade de ficar o advogado impedido de intervir em outros casos, ou de se desavir com outros clientes ou terceiros;
IV – o valor da causa, a condição econômica do cliente e o proveito para ele resultante
do serviço profissional;
V – o caráter da intervenção, conforme se trate de serviço a cliente avulso, habitual ou  permanente;
VI  – o lugar da prestação dos serviços, fora ou não do domicílio do advogado;
VII  – a competência e o renome do profissional;
VIII  – a praxe do foro sobre trabalhos análogos.
[4] - “Custo de oportunidade” é, de forma simples, o custo de uma oportunidade renunciada. Ele é calculado a partir do que poderia ser ganho pelo agente, em geral comparado ao melhor uso alternativo. Por exemplo: empresa de geladeiras identifica demanda no setor de adegas, passando a construi-las. Mas, para cada adega que constrói, deixa de produzir duas geladeiras. O custo econômico total da produção da adega é, assim, o custo explícito de sua produção (insumos e mão de obra), somado ao custo de oportunidade de deixar de produzir e vender duas geladeiras. Quando um estudante do ensino médio deixa de ir à praia para estudar para os exames admissionais no ensino superior, seu custo de oportunidade é deixar de ir à praia. V. BUCHANAN, James M. "Opportunity cost." The New Palgrave Dictionary of Economics. 2a ed. DURLAUF, Steven N.; BLUME, Lawrence E. (Eds.). Palgrave Macmillan. <a href="http://www.dictionaryofeconomics.com/article?id=pde2008_O000029">Acessível aqui.</a> 
[5] - SOWELL, Thomas. Price gouging in Florida. Townhall. <a href="http://townhall.com/columnists/thomassowell/2004/09/14/price_gouging_in_florida/page/full">Acessível aqui.</a>
[6] - Existem, evidentemente, preços inválidos por serem fruto de alguma ação ou omissão violadora do ordenamento jurídico. Por exemplo: os que hajam resultado de combinação entre agentes econômicos (“cartel de preços”), violadores da lei n. 12.529/2011. 
[7] - HAYEK, Friedrich A. The Use of Knowledge in Society. In: The American Economic Review 35 (4). 1945. O artigo pode ser facilmente encontrado na Internet a partir de diversas fontes.

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